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O professor de História e Filosofia Carlos Merlin dá aula em escola pública e particular: motivação apesar das condições desiguais. | Priscila Forone/Gazeta do Povo
O professor de História e Filosofia Carlos Merlin dá aula em escola pública e particular: motivação apesar das condições desiguais.| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo
  • Formação constante é obrigatória

No meio de todas essas mudanças está o professor, que precisa de ajuda para dar conta de tarefas para as quais ele não foi preparado na universidade, como a convivência com a violência, drogas e primeiros socorros. "Não pode haver a incorporação de novas funções sem que haja uma outra condição de trabalho", argumenta a pesquisadorada UFPR. Para complicar ainda mais, os velhos problemas da categoria profissional ainda persistem: salário baixo e a sobrecarga de trabalho.

A situação preocupante é resultado de um processo histórico de desvalorização do professor. Até na época em que o curso de magistério era a opção preferida pelas moças, o prestígio da profissão era mais pela conquista da independência da mulher do que pela função em si. "Era a idéia de trabalhar meio período e cuidar da família. Então tinha essa conotação de o professor ser um meio profissional. Hoje precisamos de profissionais em tempo integral", diz Cláudia Chueire, professora da UEL.

Nas décadas seguintes, com a chamada democratização da educação, a imagem dos professores piorou ainda mais. "Quando um número maior de profissionais entrou no processo educacional, tivemos uma pauperização do papel do professor. A escola pública foi questionada", afirma a secretária de Educação Yvelize.

Já de duas décadas para cá o que acontece é uma reação, uma retomada tanto da sociedade quanto das políticas públicas em favor da valorização. No entanto, ao colocar a educação como um importante fator de mudança social e os professores no centro do processo, aumentaram ainda mais as responsabilidades do educador. "O discurso acaba se refletindo em sobrecarga. Como se o sucesso e o fracasso fossem responsabilidade do professor. É uma atribuição de um poder que ele não tem", comenta a pesquisadora da UFPR Andréa.

Embora ela seja uma peça fundamental, não é sozinho que vai conseguir alguma mudança. "É um discurso de valorização e de desprestígio ao mesmo tempo, porque não vem acompanhado de condições adequadas de trabalho", completa.

A incoerência acontece em todos os níveis, desde a educação infantil até o ensino superior, tanto na rede pública quanto na particular. A situação é pior no ensino público e nos níveis mais básicos. "As condições deveriam ser as mesmas em todos as modalidades. Um professor de educação infantil deve ser tratado como um de educação superior, porque no final todos têm a mesma função. Não existe essa diferença entre um médico clínico geral e um especialista, por exemplo", analisa Cláudia.

Carlos Roberto Merlin é professor do ensino fundamental na rede pública e particular. Ele convive com duas realidades bem distintas. Na escola pública, encontra mais problemas de disciplina e menos respaldo material. "Por mais que o professor queira fazer um bom trabalho, ele enfrenta dificuldades enormes, resultado da organização e da infra-estrutura do sistema. A indisciplina, por exemplo, seria mais facilmente trabalhada se a educação fosse privilegiada pelo poder público. O próprio aluno não vê perspectivas de melhora e responde negativamente", diz.

Na escola particular, a tendência é que a indisciplina seja um problema menor. "O professor precisa se sentir orgulhoso da profissão. Isso acontece comigo quando eu vejo como meu aluno cresceu intelectualmente, é um ser humano melhor, mais crítico, mais cidadão. Se o professor não tem condições de ver isso, não vai se sentir valorizado", comenta. Apesar das dificuldades, Merlin não pensa em desistir do ensino público. "Vale a pena. É possível fazer bons trabalhos, mas ainda falta muito, a educação precisa ser priorizada."

Resistência

A história de Carlos Merlin é um de muitos casos de professores que persistem e acreditam na mudança. Denise Lipinski é professora da rede municipal de Curitiba há menos de dois anos, mas dá aulas desde os 15 anos de idade. Hoje com 25, ela orgulha-se de trabalhar em duas escolas que fazem parte da história de sua família, o Centro de Educação Infantil Raoul Wallenberg, onde estudou quando era criança e a Escola Municipal Anita Mary Gaertner, onde sua mãe trabalha. "Acredito na educação pública e na melhora do ensino. Vejo que muita coisa já melhorou. Minha maior dificuldade é trazer a família mais perto da escola, mas vejo isso como um desafio", afirma.

A tese de doutorado da pesquisadora da UFPR Andréa Caldas foi um estudo na rede municipal de ensino de Curitiba sobre os motivos que levam professores a resistirem ou desistir da prática docente. O resultado é revelador. "Existem professores com pouco comprometimento, mas é um número pequeno. A maioria tem um envolvimento apaixonado e, ao se deparar com as dificuldades, muitos acabam adoecendo e desistem", analisa. A conclusão é que a educação está perdendo profissionais competentes, que não suportaram os problemas.

A saída é o investimento. "É fácil observar em outros países que a educação cresceu quando se investiu mais. É claro que só dinheiro não resolve, tem de ter clareza de projetos e planejamento. Mas sem dinheiro não tem como. Estamos perdendo bons professores", completa.

Para a secretária de educação Yvelize Arco-Verde, o caminho das melhorias no ensino já foi traçado. "O processo histórico de falta de investimento em políticas públicas de educação é um agravante no Brasil. Quando começou-se a investir, o governo teve de priorizar primeiro a educação básica, porque muitas crianças nem entravam na escola e, quando entravam, não permaneciam". Hoje a terminalidade aumentou – se antes as crianças paravam de estudar na quarta-série, elas já terminam o ensino fundamental. O desafio agora é aumentar a procura pelo ensino médio. "É um processo longo, mas estamos no rumo certo", afirma.

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