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cracolândia em São Paulo
A região entre a Estação da Luz e o Viaduto Santa Ifigênia, conhecida como Cracolândia, é uma questão social sem solução há décadas em São Paulo.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Problema crônico do centro de São Paulo há pelo menos três décadas, a Cracolândia retorna aos holofotes pelo menos a cada quatro anos, em época de eleições. No pleito desse ano, os planos dos candidatos à prefeitura da capital paulista para enfrentar a questão vão do atendimento da população de rua ao combate ao tráfico de drogas, passando pela criação de centros de acolhida e pela retomada do programa De Braços Abertos, da gestão de Fernando Haddad (PT).

As promessas de resolver o problema começaram com Arthur do Val (Patriota) – que, ao se posicionar sobre o assunto, se envolveu em uma das primeiras polêmicas da campanha. “Serei o prefeito que vai acabar com a Cracolândia em São Paulo. Tirem print”, escreveu o candidato, no Twitter, em 3 de setembro. No dia 14, na mesma rede social, o candidato anunciou que, se eleito, instalará um gabinete itinerante e despachará diretamente da Cracolândia.

No plano de governo, porém, Arthur do Val de Arthur adota postura mais cautelosa. “Eu não tenho a pretensão de resolver o problema da Cracolândia, mas há uma série de medidas que podem ser tomadas a fim de reduzi-lo e combatê-lo”, diz o texto.

O candidato propõe centros de acolhida para os usuários, “com espaço de lazer, cultura e convivência de maneira descentralizada, perto de sua moradia original para que estes usuários possam ter convívio social com seus laços familiares e de amizade”. Os centros terão, também, espaço para pets para facilitar a recuperação dos dependentes químicos.

Na pré-campanha, Arthur criticou, ainda, a atuação do padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, afirmando que o sacerdote é um “cafetão da miséria”. Após o ataque, o religioso denunciou ter sido alvo de xingamentos e ameaças na rua. O candidato nega que tenha incitado a violênica contra o sacerdote.

Na última quinta-feira (1º), a Justiça Eleitoral determinou que o candidato retire do ar as postagens com críticas ao padre. O entendimento foi de que as publicações constituem propaganda eleitoral antecipada, já que teriam o objetivo de "caluniar, difamar e injuriar" Lancellotti para que o candidato se torne mais conhecido do eleitorado. A determinação prevê, ainda, que Arthur do Val não volte a publicar conteúdios críticos ao padre em suas redes sociais, sob pena de multa diária.

O advogado do candidato afirma que trata-se de um caso de "censura", e diz que vai recorrer da decisão.

Comunidades terapêuticas e ressocialização também aparecem nos planos dos candidatos

Líder nas pesquisas, Celso Russomanno (Republicanos), por sua vez, defende a integração entre as secretárias de Assistência Social, Educação, Trabalho e Empreendedorismo, Habitação e a política de Álcool e Drogas. Ele propõe, também, a criação de comunidades terapêuticas, o acolhimento e tratamento dos usuários e a inclusão no mercado de trabalho e na educação.

A candidata do PSL, Joice Hasselmann, sugere implementar um programa de segurança humanizada que envolva a Guarda Civil Metropolitana, familiares dos usuários, ONGs, associações e igrejas “em um processo de ressocialização, proximidade, assistência e recuperação, de retorno aos lares”, com foco nas causas e não nas consequências.

Andrea Matarazzo, candidato do PSD, propõe um programa regionalizado de tratamento e reinserção social de usuários de drogas nas diversas "Cracolândias" existentes na cidade. Para isso, ele promete firmar convênios com entidades da sociedade, rever a política e a infraestrutura dos albergues, e implementar uma rígida fiscalização da qualidade e higiene desses locais.

O candidato do Novo, Filipe Sabará, tem entre as propostas a reabilitação dos usuários de drogas, a prevenção da dependência química, o atendimento às famílias e à população de rua. Além disso, ele promete reforçar o combate ao tráfico de drogas.

O plano de governo de Levy Fidelix, candidato do PRTB, por sua vez, não apresenta propostas para a Cracolândia.

Boulos e Tatto falam em retomar programa de Haddad

O programa do candidato do Psol, Guilherme Boulos, é um dos mais detalhados sobre o tema. O plano define como "um desastre a política de guerra às drogas que orienta os governos, inclusive de Bruno Covas”. O objetivo da prefeitura, segundo o candidato, é remover os usuários de crack “para atender aos interesses imobiliários na região”.

Ele defende a retomada do programa De Braços Abertos, implantado pelo prefeito petista Fernando Haddad. O projeto prevê o fim das internações compulsórias, a criação de um banco de dados integrado entre as secretarias de Saúde e Segurança Urbana, e programas de moradia popular e trabalho para usuários de drogas em tratamento, entre outras propostas.

A reimplementação do programa De Braços Abertos é defendida também pelo candidato do PT, Jilmar Tatto, que foi secretário de Transportes de Haddad (2013 a 2016). Tatto ainda não apresentou o plano de governo mas, no discurso que oficializou a candidatura, afirmou ser "inaceitável que São Paulo 25 mil pessoas morando nas ruas". Ele também atacou Covas, dizendo que o prefeito “esparrama os moradores de rua e acaba com um projeto fantástico como o De Braços Abertos”, deixando “as pessoas ao relento”.

Segundo Márcio França, candidato do PSB, a Cracolândia é uma das maiores chagas da cidade. “É inadmissível que a Prefeitura tenha, debaixo das janelas de sua sede, centenas de pessoas jogadas ao abandono”, afima no plano de governo. Ele promete acabar com a Cracolândia por meio do programa Dignidade Cidadã, que vai reunir “ações articuladas que irão desde a prevenção, cuidado, educação, conscientização, recuperação até chegar à reinserção social”.

Já a candidata da Rede, Marina Helou, apoia a continuidade do Projeto Virando o Jogo e Esporte de Rua, que atua na região. Ela propõe também moradia em hotéis, repúblicas, centro de convivência, unidades de acolhimento para os usuários de drogas e o desenvolvimento de políticas intersetoriais entre diversas secretarias. De acordo com o programa de Helou, a Guarda Civil Municipal deve passar por curso de formação sobre as políticas de redução de danos.

Vera Lúcia, candidata do PSTU, defende a descriminalização das drogas para acabar com a guerra entre a polícia e o tráfico. Ele sugere que o consumo de drogas seja tratado como uma questão de saúde pública.

O candidato do PCdoB, Orlando Silva, por fim, não apresentou propostas específicas sobre a Cracolândia em seu plano de governo.

O que Covas fez e o que promete fazer

O prefeito Bruno Covas (PSDB), que busca a reeleição, não tem propostas específicas para a Cracolândia em seu plano de governo. No documento, ele afirma ter construído, em sua gestão, o primeiro conjunto habitacional destinado exclusivamente a moradores de rua, acolhendo 4,3 mil pessoas que se encontravam nessa situação.

Covas promete triplicar as vagas de acolhimento em repúblicas no modelo de autogestão e ampliar a oferta de serviços públicos de saúde, inclusive para prevenção e tratamento de dependentes químicos.

O candidato, que assumiu a prefeitura em 2018 após João Doria (PSDB) se eleger governador de São Paulo, deu uma guinada em relação à política do antecessor na Cracolândia. Doria havia apostado na repressão policial, desmontando o trabalho de seu antecessor, Fernando Haddad. O atual governador também entrou na Justiça para tentar internar os dependentes químicos à força.

Já Covas, no ano passado, abandonou parcialmente a linha dura e anunciou uma política com pontos em comum com a gestão de Haddad. O programa Recomeço prevê abordagem, acolhida temporária (por até dois anos) e profissionalização dos moradores de rua. O projeto inclui, ainda, 300 bolsas de trabalho de R$ 698 para os dependentes químicos, que recebem capacitação profissional e cumprem uma carga de 4 horas diárias e 20 horas semanais. Contudo, em agosto, ele anunciou a intenção de realizar despejos na área.

Problema de décadas, Cracolândia não terá solução de curto prazo, diz especialista

A Cracolândia se estende por alguns quarteirões, principalmente no bairro da Luz, na divisa com os Campos Elíseos, no centro de São Paulo. Há um século, a região era uma das mais nobres da capital e hospedava as famílias dos barões do café. A situação começou a mudar na década de 1950, quando a elite paulistana migrou para outros bairros e a área passou a ter alto fluxo de pessoas, sobretudo por causa da vizinhança com a estação de trem da Luz.

Ações como as propostas pelos candidatos para a região não são novidade. Os ex-prefeitos José Serra (PSDB), Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB) já tentaram acabar com a Cracolândia.

“Apesar de todas as ações que já tivemos, aquela região não teve a inteligência específica da autoridade pública. A saída não é de curto prazo e, para resolver esse problema, precisamos de medidas combinadas: inteligência policial para combater o tráfico, assistência médica e social para os usuários e que a cidade crie situações de acolhimento para reinserir os moradores de rua”, explica o sociólogo Rogério Baptistini, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Levantamento realizado pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgado em fevereiro, mapeou o perfil dos frequentadores em 2016, 2017 e 2019. A pesquisa aponta que, em média, 1.680 pessoas consomem drogas diariamente na Cracolândia – mas o número pode chegar a 2.018 usuários no período de pico pela manhã. Ao todo, quase 25 mil pessoas moram nas ruas da cidade.

Segundo o psicólogo Thiago Calil, professor da Universidade de São Paulo (USP), a solução do problema começa oferecendo moradia. “Uma questão primordial das pessoas em situação de rua é a falta de moradia. É o primeiro passo para que assim possam ser garantidos outros processos de cuidado e tratamento”, afirma.

O especialista integra o Fórum Aberto Mundaréu da Luz, que reúne instituições e pessoas das mais diversas áreas que atuam na região. A entidade calcula que seria possível viabilizar 3.500 unidades habitacionais ou comerciais utilizando apenas imóveis vazios e subutilizados do bairro Campos Elíseos, sem precisar demolir prédios históricos nem remover a população local.

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