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Bolsonaro
Aos poucos, o presidente Jair Bolsonaro começa a inserir mais em seus discursos questões econômicas que afetam mais a vida do eleitor médio.| Foto: Alan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou definitivamente a economia em seu discurso. Da promessa de reduzir a inflação à defesa da reforma trabalhista feita durante a gestão de Michel Temer (MDB), temas relacionados à atividade econômica ganharam terreno sob a recomendação dos principais aliados. O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, são os principais defensores da estratégia.

Os dois caciques do Centrão integram a coordenação eleitoral de Bolsonaro, que deve oficializar sua pré-candidatura em 29 de janeiro, durante a convenção nacional do PL. A análise feita no PL e entre lideranças do PP que apoiam a reeleição do presidente da República é de que a retórica econômica será o principal pilar para reduzir a reprovação do governo e reincorporar os votos do eleitor médio — aquele menos sensível ao discurso mais ideológico.

O plano do Centrão impõe dilemas a Bolsonaro. Da mesma forma que os caciques políticos defendem a aposta na economia sob o pretexto de reduzir a rejeição ao governo e impulsionar os índices de aprovação nas pesquisas eleitorais, eles também tentam aconselhá-lo a suprimir falas polêmicas sobre a pandemia, como a vacinação infantil.

Sempre pragmático, o núcleo político do governo não faz objeções e até encoraja Bolsonaro a manter as críticas a adversários eleitorais, especialmente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A análise é de que Bolsonaro pode incorporar os ataques políticos a opositores junto às falas econômicas, mas deve evitar declarações associadas à pandemia que possam soar polêmicas.

O que Bolsonaro fará em relação aos conselhos do Centrão

Desde que incorporou o Centrão definitivamente ao coração do governo, com a entrada de Ciro Nogueira e da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, Bolsonaro tem sido mais maleável e ouvido mais seus aliados. Por isso, em determinado momento durante o ano passado, o presidente recuou na postura adotada em relação à pandemia e à vacinação de adultos.

Mas em se tratando da vacinação de crianças de 5 a 11 anos, Bolsonaro mantém a indisposição e trata isso como algo inegociável. A expectativa no Centrão era de que o presidente deixasse de emitir posicionamento contra o imunizante infantil, mas ciente de que ele não vai abrir mão de se posicionar sobre o assunto, aceitou a ideia de que ele se posicione, ao menos, contra a obrigatoriedade.

"Ele realmente recolheu o trem de pouso no que se refere à vacinação de adultos, não fala mais nada, comprou tudo o que tinha que comprar. O que o Ministério da Saúde pede para comprar ele autoriza. Agora, obrigatoriedade de vacinação infantil não tem condições", comenta um deputado aliado próximo da base "raiz" de Bolsonaro. "Ele até está contido. No lugar dele, muitos de nós seriam até mais radicais em relação a essa imunização", complementa.

Embora a vacinação de crianças não seja obrigatória, algumas escolas estaduais e municipais incluíram o comprovante de vacinação como documento obrigatório para a efetivação de matrículas em 2022, apesar das escolas garantirem que a falta da vacina não impedirá os alunos de estudarem. Conforme informou a Gazeta do Povo, o governo estuda a possibilidade de editar uma medida provisória (MP) para impedir essa exigência.

Os aliados do núcleo político mais próximo de Bolsonaro e alguns interlocutores do Palácio do Planalto admitem que, mesmo após a construção da base junto ao Centrão, sempre houve algum nível de tensionamento a respeito de determinados temas, como a própria pandemia.

"O Centrão sempre se pauta pela grande mídia e pelas pesquisas eleitorais, e carrega essa pressão na hora que vai sentar com o presidente. Mas o Jair tem uma resistência a isso, porque o critério maior para ele são as redes sociais, ele tem as medições dele. Para ele, o que importa é a opinião pública colocada nas mídias", sustenta um segundo parlamentar aliado.

Uma pesquisa da Datafolha analisada pelo Centrão sugere que o governo é reprovado por 53% da população. Uma outra do mesmo instituto aponta que 58% dos brasileiros entendem que o presidente mais atrapalha do que ajuda a vacinação de crianças. E 79% da população com 16 anos ou mais apoia a vacinação infantil.

Portanto, por mais que os caciques Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira e outras lideranças da cúpula de PL e PP insistam que Bolsonaro deva ser mais flexível em relação à pandemia, não há quaisquer perspectivas do presidente recuar no que se refere à vacinação infantil ou a críticas feitas a governadores durante a pandemia.

"Não é uma questão de achar ou não sensível. É um princípio que ele não negocia e que não vai colocar isso sujeito a uma métrica de reprovação dele ou do governo", diz um interlocutor palaciano.

Como Bolsonaro tem lidado com os dilemas da economia e pandemia

O presidente tem explorado com frequência o discurso econômico. Na segunda-feira (17), disse que o Brasil ainda passa por momentos difíceis decorrentes da pandemia, embora entenda que a economia brasileira sofra menos em relação a outras. E, segundo o presidente, seu governo batalhará para reduzir a inflação.

"Apesar de reconhecer a inflação, o aumento de muitos preços, temos que lutar. Mas vamos continuar lutando contra o desemprego, pode ter certeza que a inflação vai baixar este ano", disse em entrevista à Rádio Viva FM, de Vitória (ES). Na ocasião, ele também saiu em defesa da reforma trabalhista aprovada na gestão Temer.

"O governo Temer fez uma pequena reforma trabalhista. Não tirou direito de nenhum trabalhador. Mente quem fala que a reforma trabalhista do Temer retirou direito de trabalhador, até porque os direitos estão lá no artigo 7º da nossa Constituição, não podem ser alterados", sustentou Bolsonaro.

Ao falar que "mente" quem fala que a reforma retirou direitos, o presidente fez uma referência ao PT, que tem defendido a revogação da reforma trabalhista vigente. Na mesma entrevista à rádio capixaba, ele associou a alta dos combustíveis a desvios na Petrobras ao longo das gestões petistas. Segundo ele, a estatal pagou R$ 100 bilhões em dívidas por obras não concluídas e faltam R$ 60 bilhões, previstas para serem quitadas este ano.

"E aí, a Petrobras volta à estaca zero. Ela pode, sim, trabalhar melhor, investir melhor e ter um produto mais barato nas refinarias", disse. "Agora, a gente vai entregar essa Petrobras saneada para quem a roubou no passado voltar a roubar no futuro? Bem, essa decisão está na mão da população brasileira", declarou.

Além de associar o PT ao aumento da inflação e à estagnação econômica, Bolsonaro também usou as redes sociais no último dia 16 para culpar os governadores ao falar sobre emprego. "Mesmo com as medidas de lockdown determinadas pelos governadores, obrigando a todos ficarem em casa, o Brasil terminou 2021 com um saldo de 3 milhões de novos empregos criados com carteira assinada", disse.

No campo da pandemia, especificamente sobre a vacinação infantil, Bolsonaro reforçou na quarta-feira (19) seu posicionamento contrário à obrigatoriedade. Em entrevista à Jovem Pan News, afirmou, inclusive, ter conversado com o o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o despacho encaminhado aos Ministérios Públicos estaduais para que fiscalizem e multem pais que deixarem de vacinar seus filhos, baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que obriga a imunização infantil.

"Quando começaram as notícias de que a vacina seria obrigatória e que iriam multar pais, eu liguei pessoalmente para o ministro Lewandowski. Ele esclareceu que a vacina, conforme despacho dele, não é obrigatória para crianças. Ele confirma que foi uma ação em resposta à Rede Sustentabilidade, dizendo que nenhum governador ou prefeito pode aplicar sanções a pais que não queiram vacinar seus filhos", disse. "Lewandowski deixou bem claro que não há intenção por parte dele de autorizar prefeitos e governadores a buscarem pais para aplicar sanções", acrescentou.

Quais as influências de Bolsonaro no discurso econômico e o que esperar

As falas sobre temas econômicos com tons críticos é uma estratégia do governo que Bolsonaro vai acompanhar ao longo de 2022. Em artigo escrito pelo ministro Ciro Nogueira e publicado no jornal O Globo no último dia 16, ele fala que, "se o dia seguinte fosse com o PT", o Brasil faria uma guinada econômica "para a Venezuela, para a Argentina ou para a Bolívia"

O ministro cita que, pelo discurso do PT, o Brasil daria um "verdadeiro cavalo de pau" com a revogação da reforma trabalhista. "Numa economia global cada vez mais competitiva, temos, sim, de proteger os nossos trabalhadores, mas a primeira proteção aos trabalhadores é criar empregos. Não é voltando ao tempo da CLT, de quase um século atrás, que daremos uma resposta para o país", ponderou Nogueira.

A calibragem entre a economia e as críticas a opositores são encorajadas pelo governo. Além de Nogueira e Costa Neto, a coordenação eleitoral de Bolsonaro também conta com o apoio do ministro-chefe da Secretaria-Geral, Luiz Eduardo Ramos, e dos ministro das Comunicações, Fábio Faria, e do Trabalho e Emprego, Onyx Lorenzoni. Paralelamente, o presidente também conta com o apoio dos filhos, especialmente o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Por ora, Bolsonaro segue sem um marqueteiro para coordenar a campanha. Segundo o jornal O Globo, Costa Neto ficou encarregado de indicar um profissional de marketing político de sua confiança para o posto. Bolsonaro recebeu na última semana no Palácio da Alvorada o marqueteiro Paulo Moura, mas o profissional pode não ser contratado. Ele teria sido apresentado pelo ministro do Turismo, Gilson Machado, sem o aval da coordenação eleitoral.

Aliados no Congresso e interlocutores do Planalto afirmam que o grupo que coordena a campanha à reeleição de Bolsonaro quer definir logo um marqueteiro, mas alguns entendem que não é uma questão urgente dado o próprio perfil do presidente. "Ele só obedece 30% das orientações dadas a ele, os outros 70% ele vai de improviso", comenta um interlocutor governista.

O marqueteiro de Bolsonaro terá um papel preponderante para "polir" os "30%" de orientações acolhidas e reproduzidas pelo presidente em seus discursos, mas será incapaz de moldar ou mudar o modo dele se posicionar. "A única coisa é que ele vai dar um polimento para sofisticar um pouco o discurso e o presidente vai carregar o que precisa ser informal em termos de programa de governo", sustenta o interlocutor.

"O presidente vai continuar com um discurso voltado para as grandes massas, ele não vai abandonar essa conexão. Existe uma relação do ponto de vista sociológico de muita confiança das massas com ele. A questão econômica tende a ser trabalhada mais em frases de efeito como 'vamos transformar o Brasil num canteiro de obras' do que uma abordagem teórica do plano de governo", finaliza a fonte.

Metodologia das pesquisas citadas

A respeito da pesquisa que aponta uma reprovação de 53% do governo, o Datafolha entrevistou 3.666 eleitores com 16 anos ou mais, entre 13 e 16 de dezembro, em 191 municípios brasileiros. As entrevistas foram presenciais. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Sobre a pesquisa acerca da avaliação da população sobre a vacinação infantil, o instituto entrevistou por telefone 2.023 brasileiros de 16 anos ou mais que possuem celular em todos os estados do país entre 12 e 13 de janeiro de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

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