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Auditoria realizada pela Justiça Eleitoral em urnas eletrônicas, em 2018| Foto: Carlos Moura/Ascom/TSE

Atendendo a um desejo do presidente Jair Bolsonaro, o Partido Liberal (PL) protocolou na última terça-feira (7), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma proposta para auditar o sistema eletrônico de votação. Ele foi anexado a um ofício, dirigido ao presidente da Corte, Edson Fachin, para credenciar o Instituto Voto Legal (IVL) como entidade responsável pelo trabalho.

O documento ainda não define um cronograma para a auditoria, mas relaciona os objetivos a serem alcançados. Em seu plano de trabalho, o IVL diz que pretende “fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições”, realizados na urna eletrônica, bem como o “processamento eletrônico da totalização dos resultados”, centralizado no TSE.

À Gazeta do Povo, o presidente do IVL, o engenheiro e empresário Carlos Rocha, disse que ideia não é verificar os códigos dos programas – uma das principais formas apontadas pelo TSE para que entidades externas fiscalizem seus sistemas –, mas uma análise dos sistemas de apuração, que ocorre dentro da urna, e totalização dos votos, centralizada no TSE.

Isso é permitido pela Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições no Brasil, e que, em seu artigo 66, parágrafo 7º, diz expressamente que “os partidos concorrentes ao pleito poderão constituir sistema próprio de fiscalização, apuração e totalização dos resultados contratando, inclusive, empresas de auditoria de sistemas, que, credenciadas junto à Justiça Eleitoral, receberão, previamente, os programas de computador e os mesmos dados alimentadores do sistema oficial de apuração e totalização”.

É com base nesse dispositivo que o IVL quer amplo acesso aos softwares e dados mantidos pelo TSE, inclusive relativos aos votos computados nas urnas. A entidade quer conferir, por exemplo, se há um aplicativo para o registro digital de cada um deles, como exige a lei, e como eles são contados, transferidos e somados.

A proposta fala também em “avaliar a governança relativa à segurança da informação”, “diagnosticar a topologia e aderências às melhores práticas no SEV [sistema eletrônico de votação]”, “identificar a existência dos instrumentos técnicos necessários para fiscalizar todas as fases do processo”.

E vai além: ao final, tentará negociar com o TSE a implantação de melhorias no sistema de votação “que viabilizem a fiscalização das eleições”. A última etapa da auditoria consiste em propor um “plano de aperfeiçoamento continuado do SEV [sistema eletrônico de votação]”. A finalidade seria garantir “governança, transparência, segurança da informação, verificação do voto, pelo eleitor, contagem pública dos votos fiscalizada pelos partidos políticos, nas eleições futuras”.

“A relação não é de conflito, mas de colaboração. Nosso trabalho tem que seguir melhores práticas, e tem que ser um trabalho construtivo com a equipe do TSE. Quem audita não briga, colabora. A abordagem é amistosa”, diz Carlos Rocha.

O IVL defende a validação digital de cada voto, por meio de um documento eletrônico certificado pelo ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira). Isso dispensaria a necessidade de impressão do voto para uma eventual recontagem, como já foi proposto por Bolsonaro e rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso. A auditoria do instituto, porém, não servirá para fazer uma recontagem de votos, mas propor soluções ao TSE que facilitem isso por meio da certificação digital de cada voto.

Essa última proposta vai ao encontro de uma das sugestões das Forças Armadas, ignorada recentemente pelo TSE, no âmbito da comissão de transparência formada no ano passado pela Corte com várias outras entidades de fiscalização do sistema eleitoral.

Nas discussões, o general Heber Garcia Portella, do Comando de Defesa Cibernética do Exército (ComDCiber) recomendou medidas “que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado, mesmo que, por qualquer motivo, as respectivas mídias ou urnas eletrônicas sejam descartadas”. Tratava-se de uma forma de garantir que cada voto pudesse ser conferido posteriormente por uma entidade externa.

Em resposta, os técnicos do TSE responderam que já existem mecanismos para a recuperação de votos, que consistem em mídias que gravam os dados registrados dentro da urna, e também o boletim impresso emitido por ela ao final da votação, que traz a soma dos votos em cada candidato.

As barreiras para a auditoria que podem surgir no TSE

A proposta do IVL para o PL, disposta num documento de 16 páginas obtido pela reportagem, foi apresentada inicialmente ao partido, que ainda não fechou um contrato com o instituto – isso vai depender de como o presidente do TSE vai responder ao pedido de credenciamento do instituto e seu respectivo plano de auditoria; Fachin vai consultar a área técnica do tribunal para decidir a viabilidade da auditoria.

Mas, na proposta, o instituto reconhece que podem surgir barreiras para a fiscalização dentro do TSE, levando-se em conta as atuais regras da Corte para abrir seus sistemas, programas e arquivos ligados à votação. Essas normas estão numa resolução aprovada no fim do ano passado, que descreve todos os procedimentos, limitações e condições para a realização de auditoria contratada por um partido político.

A resolução diz, por exemplo, que para uma entidade fiscalizadora acompanhar o desenvolvimento dos sistemas eleitorais desenvolvidos pelo TSE, a auditoria deverá ser feita em “ambiente específico e sob a supervisão do tribunal”, segundo o artigo 9º.

“O acompanhamento dos trabalhos será realizado no TSE, em ambiente controlado, sem acesso à internet, sendo vedado portar qualquer dispositivo que permita o registro ou a gravação de áudio ou imagem e retirar, sem a expressa autorização da STI/TSE, qualquer elemento ou fragmento dos sistemas ou programas elaborados ou em elaboração”, diz o artigo 10 da resolução.

Para contornar essa limitação, o IVL sugere um “processo colaborativo” com o TSE, de modo que sua equipe possa usar computadores conectados à internet, o que seria essencial para que a fiscalização fosse feita com “a agilidade, a produtividade e a transparência necessárias”.

Há outras restrições de segurança. Quando a entidade utilizar programas externos – não confeccionados pelo TSE – para analisar um software da Justiça Eleitoral, eles precisarão ser homologados por técnicos do tribunal, com prazo para ajustes, se eles apontarem falhas. Caso contrário, o programa será inabilitado.

O IVL diz que “nem sempre é uma prática usual de mercado, fornecedores de soluções de software de segurança entregar o código-fonte de seus produtos ou atender a especificações internas específicas de cada cliente”. Por isso, sugere que seja identificado, “em conjunto com o TSE, um produto de mercado que possa ser homologado”.

“Será essencial estabelecer uma parceria construtiva, entre o TSE, o Partido Liberal e o Instituto Voto Legal, que possa garantir uma relação de colaboração nos trabalhos de fiscalização, objeto desta Proposta. Este será o único caminho possível para alcançar bons resultados nos objetivos deste projeto”, diz um trecho da proposta do IVL.

A resolução do TSE diz, por outro lado, que representantes da auditoria “poderão apenas consultar os resultados dos testes e dados estatísticos obtidos com o respectivo programa de análise de código apresentado, não sendo permitida sua extração, impressão ou reprodução por nenhuma forma, sendo autorizado seu compartilhamento às demais entidades e instituições legitimadas, desde que restrinja-se ao ambiente de verificação dos códigos-fonte”.

O IVL diz na proposta que usará “produtos de segurança líderes de mercado, para o monitoramento da integridade dos arquivos e programas que compõem o sistema eleitoral”. Ainda segundo o instituto, esses programas gravariam dados sobre o comportamento dos arquivos e programas do sistema eletrônico de votação, que seriam “essenciais” para uma análise de seu funcionamento.

Esse procedimento poderia esbarrar numa regra da resolução que não permite “a gravação, na urna ou nos computadores da JE, de nenhum tipo de dado ou função pelos programas de verificação apresentados pelas entidades fiscalizadoras”, conforme o artigo 18.

Na proposta, o IVL diz entender que, quando a lei permite a um partido “constituir um sistema próprio de fiscalização”, isso implica que cabe a ele definir os procedimentos, metodologias, processos e ferramentas para a auditoria. A resolução do TSE, por outro lado, segundo o instituto, “estabeleceu um conjunto de condições, que poderiam se contrapor à autonomia garantida pela Lei 9.504/97, dificultando a realização de procedimentos usuais de fiscalização, dentro das melhores práticas do conhecimento técnico consolidado”.

Carlos Rocha entende que é possível chegar a uma solução negociada com o TSE, em razão de a própria redação da lei dar ampla autonomia para o partido realizar a fiscalização por seus próprios meios. Ele entende que a maioria das regras dispostas na resolução se aplica a fiscalizações dos códigos dos programas, enquanto que a auditoria do IVL se concentrará na verificação dos processos e tecnologias usadas pela Justiça Eleitoral para assegurar a segurança da votação.

Ele diz que, ao final, poderá recomendar soluções, principalmente de certificação digital do voto, que fortaleçam a confiabilidade do sistema e a imagem do TSE. “As empresas fazem uma auditoria porque isso aumenta a credibilidade da empresa. Chamam as empresas para fazer as auditorias, e obtêm delas um certificado, porque isso vai aumentar o valor dela. Não é isso que estamos buscando? Vale a pena olhar o exemplo positivo das empresas, que buscam orientação externa e independente, de como podem melhorar.”

Questionado sobre o risco de o trabalho ser usado por Bolsonaro para eventualmente questionar o resultado da eleição, ele afirma que seu papel é fazer um trabalho técnico e qualificado. “Não me preocupo com assuntos sobre os quais não tenho controle. O que está em nosso controle do nosso time é fazer um trabalho qualificado. E, modéstia à parte, temos experiência e qualificação para isso. A gente vem de uma relação profissional conhecida, os técnicos do TSE nos conhecem. Nossa contribuição poderá ser muito positiva para até baixar a bola, num nível técnico.”

Quem é Carlos Rocha e o que defende o IVL

Engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e empresário do ramo de tecnologia da informação, Carlos Rocha participou, nos anos 1990, da equipe que desenvolveu a urna eletrônica e que, desde então, batalha na Justiça pelo reconhecimento da patente do equipamento.

Em 2016, ele também foi chamado pelo então presidente do TSE, Gilmar Mendes, para dar sugestões para a confecção de um protótipo de urna que imprimisse votos, como havia então sido aprovado no Congresso – a lei foi posteriormente derrubada pelo STF e o projeto abortado.

Em fevereiro deste ano, em entrevista à Gazeta do Povo, ele defendeu uma auditoria externa sobre o sistema eleitoral mais independente, que não seja controlada pelo TSE.

O tribunal diz já dispor de mecanismos próprios para possibilitar auditorias que asseguram a integridade do sistema e também a conferência dos resultados por partidos. Exemplos seriam o Teste Público de Segurança, no qual especialistas são chamados à Corte para tentar encontrar falhas nas urnas; o Teste de Integridade, no qual máquinas são retiradas das seções no dia da votação para conferência do funcionamento numa votação simulada; e a disponibilização do código-fonte com meses de antecedência para partidos.

Ainda assim, Carlos Rocha integra um grupo de especialistas que avalia como insuficientes esses procedimentos, por não seguirem o que consideram melhores práticas de mercado na área de segurança da informação, que sugerem uma divisão das responsabilidades para a votação eletrônica.

Nesse modelo, caberia ao TSE tão somente definir os tipos de equipamentos e softwares necessários para a captação, apuração e totalização dos resultados. As máquinas e programas, desenvolvidos pelas empresas contratadas pelo tribunal, teriam a qualidade certificada por outras empresas registradas para isso no Inmetro. E outras empresas, especializadas em auditorias e contratadas por partidos, poderiam posteriormente coletar os arquivos gerados na eleição para realizar conferências e eventuais recontagens.

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