O ex-juiz Sergio Moro (Podemos), pré-candidato à Presidência da República, revelou nesta sexta-feira (28) o valor recebido pelos serviços de compliance prestados à consultoria americana Alvarez & Marsal, que atua na recuperação judicial de empresas denunciadas na Lava Jato, fato que motivou questionamentos por suposto "conflito de interesses". O anúncio foi feito em transmissão ao vivo nas redes sociais ao lado do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que atuou como entrevistador.
Moro disse que recebeu por mês um salário mensal bruto de US$ 45 mil que, descontados impostos e taxas cobrados nos Estados Unidos, caia para US$ 24 mil. Na conversão pelo câmbio atual, isso significa que ele recebia um salário bruto de cerca de R$ 241,6 mil e líquido de aproximadamente R$ 128,8 mil.
O ex-juiz disse ainda ter recebido um bônus por ocasião da contratação, em 23 de novembro de 2020, no valor de US$ 150 mil, o equivalente a R$ 805,3 mil. Parte desse bônus, o equivalente a R$ 67 mil, segundo Moro, teve de ser devolvido porque o contrato privado firmado entre as partes foi encerrado pelo ex-juiz antes da data prevista, em 26 de novembro de 2021. O contrato era de dois anos. O valor total bruto convertido em reais chega a cerca R$ 3,5 milhões por 12 meses de trabalho.
Moro foi contatado inicialmente no Brasil pela Alvarez & Marsal Disputas e Investigações, pois ainda não havia conseguido o visto de trabalho nos EUA. Depois, foi transferido para Washington e o seu contrato passou a ser com a Alvarez & Marsal Disputes & Investigations LLC. O ex-juiz abriu uma empresa cujo nome fantasia era "Moro Consultoria e Assessoria em Gestão Empresarial de Riscos Ltda".
A&M Disputas e Investigações, empresa pela qual Moro foi contratado, é uma subsidiária da holding A&M, que também controla a Alvarez & Marsal Administração Judicial, que cuida da recuperação judicial da Odebrecht. Moro destacou, portanto, que todo o dinheiro que a consultoria recebeu da Odebrecht ia para outra unidade. "Não tem nada a ver com aquilo que eu recebia. E eu não prestei nenhum serviço para a Odebrecht", destacou.
O presidenciável declarou, ainda, que pediu à empresa para colocar uma cláusula prevendo especificamente que ele não poderia prestar nenhum serviço de investigação ou de compliance para empresas investigadas e condenadas no âmbito da Lava Jato. A referida cláusula foi lida por Kataguiri. "Traduzindo, diz que 'o consultor não vai prestar nenhum serviço para ninguém relacionado à companhia Odebrecht', está citado nominalmente", declarou o deputado federal.
Ex-juiz desafia Lula e Bolsonaro a fazerem o mesmo
Na live, Sergio Moro aproveitou para lançar uma "campanha" nas redes sociais em desafio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após revelar detalhes de seu contrato com a Alvarez & Marsal e torná-lo público em seu canal no Telegram, ele provocou os dois adversários a também prestarem contas.
A campanha #AbreAsContasBolsoLula quer pressionar Bolsonaro a abrir a planilha de gastos com o seu gabinete. De Lula, Moro provocou o ex-presidente a dizer o quanto recebeu por palestras bancadas por empresas. "Inclusive da Lava Jato", comentou o ex-juiz.
Moro quer ainda que Bolsonaro e Lula sejam transparentes em outros pontos. "Vim aqui abrir minhas contas e ser absolutamente transparente, vamos ver se o Bolsonaro abre as 'rachadinhas' das pessoas ligadas a ele, vamos ver o esclarecimento sobre os cheques que não são para a primeira dama, são para ele", declarou na live.
"E do Lula, faremos o mesmo desafio, vamos abrir a conta do sítio de Atibaia, aquele sítio dos pedalinhos com o nome dos netos dele, como a Odebrecht e a OAS fizeram aquelas reformas, quem pagou. Vamos saber também como o Lula recebeu e de quem recebeu", acrescentou.
Por que Moro expôs seu salário durante seu tempo como consultor privado
A decisão de Moro em abrir os termos de seu contrato com a Alvarez & Marsal foi uma resposta política a pedidos de investigação contra ele encaminhados por opositores políticos ao Ministério Público Federal (MPF). As suspeitas de um suposto conflito de interesses também motivou a representação do Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) a pedir a abertura de uma investigação.
O subprocurador-geral Lucas Furtado pediu a quebra do sigilo do salário que o ex-juiz Sergio Moro recebeu na consultoria. Segundo o autor ele, o conhecimento do salário recebido por Moro é necessário para que seja detectado ou descartado um possível conflito de interesses na atuação do ex-juiz para a empresa. A Alvarez & Marsal auxiliou na recuperação judicial de empresas envolvidas em escândalos descobertos pela operação Lava Jato.
A consultoria emitiu comunicado à imprensa na terça-feira (25) para esclarecer os questionamento do representação do MP ao TCU e destacou que o contrato de Moro o impedia de atuar direta ou indiretamente no atendimento a clientes que tivessem qualquer envolvimento com a Lava Jato ou empresas investigadas por ele ao longo de sua carreira como juiz ou ministro.
As suspeitas de conflito de interesse que rondam Moro já foram descartadas pelo MP. O MPF arquivou uma denúncia contra o ex-juiz em resposta a denúncia apresentada pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que também propôs uma CPI na Câmara para apurar o caso. Também por não identificar indícios de irregularidade no contrato, a Procuradoria em Curitiba do MPF também arquivou um outro pedido de investigação.
O que diz a legislação sobre conflito de interesse
Moro foi formalmente exonerado do posto de ministro da Justiça e Segurança Pública em 24 de abril de 2020. Em 23 de novembro, ele foi anunciado como sócio-diretor da Alvarez & Marsal para atuar na área de Disputas e Investigações da sede da consultoria no Brasil, em São Paulo. Em dezembro, ele se mudou com a família para Washington, como previsto em contrato.
O anúncio da contratação de Moro pela Alvarez & Marsal ocorreu sete meses após o período de quarentena estabelecido pelo artigo 6º da Lei nº 12.813/2013, que estabelece as configurações de conflito de interesse após o exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal.
A lei prevê uma quarentena de seis meses para quem deixa a vida pública no Executivo federal. Ou seja, entre 24 de abril e 24 de outubro, Moro não poderia "prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego".
O ex-juiz também não poderia "aceitar cargo de administrador ou conselheiro, ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado."
A legislação também prevê que, durante a quarentena de seis meses, Moro não poderia "celebrar com órgãos ou entidades do Poder Executivo federal contratos de serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, vinculados, ainda que indiretamente, ao órgão ou entidade em que tenha ocupado o cargo ou emprego."
Por fim, a lei também veda no período de seis meses que Moro pudesse "intervir, direta ou indiretamente, em favor de interesse privado perante órgão ou entidade em que haja ocupado cargo ou emprego ou com o qual tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego."
Moro já é investigado pelo TCU por suposto conflito de interesses
Em 2 de junho de 2020, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República determinou que, no período de quarentena, Moro poderia receber o equivalente a seu salário mensal de quando era ministro da Justiça e Segurança Pública, de R$ 30.934,70, e ainda poderia dar aulas e escrever artigos no período. Contudo, ele não poderia trabalhar como advogado durante a quarentena.
Após a decisão da Comissão de Ética Pública da Presidência, Moro estreou em 3 de junho uma coluna no jornal O Globo, com um artigo intitulado "Contra o populismo". Em 15 de junho, foi anunciado revista digital Crusoé como colunista e teve seu primeiro artigo, intitulado "Honra e fuzis", publicado quatro dias depois.
Em 22 de junho, o subprocurador-geral Lucas Furtado — o mesmo que pediu ao TCU a atual investigação sobre Moro — entrou com uma medida cautelar junto à Corte de Contas para que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) suspendesse os salários ao ex-juiz no período de quarentena. O argumento apresentado por ele foi um suposto conflito de interesse, pautado na Lei nº 12.813/13.
O entendimento do subprocurador-geral era de que, além de receber salários até outubro de 2020, ele também seria remunerado por atuar como colunista em veículos de comunicação. "Há, sim, irregularidade quando o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública recebe recursos públicos para deixar de trabalhar quando, em verdade, está trabalhando. Acumulação essa que entendo ser indevida a ensejar possível dano ao erário", sustentou Furtado.
Em 24 de junho, o ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou a oitiva de Moro para que ele explicasse o suposto conflito de interesses e, cautelarmente, a suspensão de recursos públicos pela STN. No Portal da Transparência, o último vencimento do ex-juiz é datado de 9 de junho, em um valor de R$ 28.013,13.
O ministro do TCU ponderou que o Ministério Público (MP) não apresentou "qualquer elemento" que sugeriria ou demonstraria que as atividades como colunista eram, de fato, remuneradas. Por isso, Dantas determinou que seria importante ouvir Moro para que ele pudesse apresentar "manifestação acompanhada de informações acerca de contratos de trabalho, remunerados ou não, que tenha firmado desde que deixou o cargo".
Em 10 de julho, Moro apresentou sua resposta ao TCU por meio de seus advogados. A defesa sustentou que, respaldado pela decisão da Comissão de Ética da Presidência, ele não violou a quarentena e, portanto, teria direito ao salário de ministro. Ele também afirmou ter recebido autorização da comissão para atuar como colunista da revista Crusoé após consulta ao colegiado.
Mesmo com a autorização concedida pela Comissão de Ética da Presidência, Moro afirmou que, em respeito ao TCU, havia pedido "voluntariamente a suspensão dos pagamentos das remunerações que a Revista [Crusoé] faria pelo exercício da função de articulista, até o julgamento da representação."
Seus advogados também pediram a troca de relator. Segundo a defesa de Moro, o relator do processo no TCU deveria ser o ministro Augusto Sherman Cavalcanti. "Já que cabe a este a fiscalização do Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão responsável pelo pagamento da quarentena do ex-ministro".
O pedido de troca da relatoria foi acatada, mas não foi transferida para o ministro Sherman Cavalcanti. Em 10 de novembro de 2020, a relatoria foi transferida do ministro Bruno Dantas para o ministro Vital do Rêgo. O processo chegou a ser incluído na sessão telepresencial do plenário do TCU, mas foi retirada. A defesa de Moro teve atendido o pedido de sustentação oral apreciada e o processo está parado desde janeiro de 2021.
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