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Bruno Guimarães, de desconhecido a ídolo num piscar de olhos
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Em um boteco de chão batido na periferia de Osasco, na grande São Paulo, sentado em banco improvisado feito de blocos de concreto, Mario Celso Petraglia sacramentou a mais importante contratação da história recente do Athletico.

Era abril de 2017 e o homem-forte do Furacão passou a tarde reunido com Mario Teixeira, dono do Audax, no modesto bar com vista para o centro de treinamento do clube. A longa visita tinha como objetivo convencer o ex-conselheiro do banco Bradesco a fechar negócio por um promissor, mas pouco conhecido volante. O nome dele? Bruno Guimarães.

O jogador, na época com 19 anos, foi um dos poucos destaques da campanha que rebaixou o time comandado por Fernando Diniz para a segunda divisão estadual – um ano após o mesmo treinador conduzir a equipe ao inesperado vice-campeonato do Paulistão. A qualidade do garoto era latente e Teixeira já havia recusado uma oferta de 400 mil euros por 80% dos direitos econômicos do atleta vinda da Hungria.

A negociação entre Athletico e Audax já acontecia há algumas semanas – e Bruno inclusive já treinava no CT do Caju –, mas o contrato ainda não tinha sido assinado formalmente. Foi aí que o encontro cara a cara entre os dirigentes, velhos conhecidos, se tornou fundamental.

"Meu pai ficou muito honrado pelo fato de o Petraglia ter ido lá pessoalmente e passado a tarde com ele para contratar um jogador para o sub-23. Se não fosse isso, acho que não teríamos negociado o atleta", recorda Gustavo Teixeira, filho de Mario Teixeira e gerente do Audax.

Petraglia soube do potencial de Bruno Guimarães por causa de Antônio Carletto Sobrinho, histórico descobridor de talentos do Rubro-Negro paranaense. Responsável por indicar ídolos como Adriano Gabiru, Alex Mineiro e Kléber Pereira, Carletto observou o meio-campista pela primeira vez alguns meses antes, em janeiro, durante a Copa São Paulo de Futebol Júnior, junto com o então gerente de futebol Sidiclei Menezes.

Ficha de desempenho de Bruno no Audax Osasco
Ficha de desempenho de Bruno no Audax Osasco

Precoce, Bruno estreou como profissional em 2015, com apenas 17 anos. E foi justamente sua maturidade, aliada à técnica acima da média, perfil atlético e capacidade de atuar em vários setores do campo, que convenceu os olheiros que a contratação deveria ser feita. Seria um tiro certeiro.

O martelo foi finalmente batido da seguinte maneira: empréstimo por um ano, com opção de compra de 70% dos direitos econômicos por R$ 800 mil. O Audax permaneceria com 30% para lucrar em uma futura venda.

Anunciado em maio, Guimarães chegou para atuar na equipe sub-23, pela qual disputou o Paranaense sob o comando de um desconhecido técnico chamado... Tiago Nunes. Parceira que renderia muito para o clube.

Bruno também fez cinco partidas pelo time principal em 2017 – todas entrando no segundo tempo. Ao todo, jogou 73 minutos com o técnico Fabiano Soares, que deixou o Athletico no fim daquela temporada para a chegada de Diniz.

Gustavo Teixeira e Bruno Guimarães
Gustavo Teixeira e Bruno Guimarães

Quando o volante ganhou rodagem na equipe que disputava o Paranaense 2018, o clube não demorou a perceber que havia feito um negócio da China. No início de fevereiro, o pagamento da opção de compra foi depositado na conta do Audax.

Hoje, com 22 anos, o camisa 39 tem vínculo até fevereiro 2023. A multa rescisória é de 40 milhões de euros – quase R$ 200 milhões. A saída iminente, no entanto, deve acontecer ainda na janela europeia de inverno, que se encerra no fim de janeiro de 2020. O destino deve ser o Atlético de Madrid.

A evolução foi espantosa. Em 2018, trocou o status de figura central na conquista do Estadual (com direito a gol na final contra o Coritiba) para o patamar de titular absoluto no inédito título da Copa Sul-Americana. Virou ídolo da torcida e já está na seleção brasileira sub-23.

| Fernando Rudnick

O clássico contra o Coxa, aliás, teve um peso extra para a confirmação do carioca de Engenho Novo como joia do CT do Caju, de acordo com o ex-companheiro Diego Ferreira.

"Fiz a jogada e toquei para ele driblar e fazer o gol contra o Coritiba na Arena da Baixada. Foi o momento mais marcante das nossas carreiras até ali", garante.

O lateral-direito, hoje no América-MG, formava um trio inseparável com Bruno e Renan Lodi, que se transferiu par ao Atlético de Madrid em julho. E o contato, apesar da distância, continua quase que diariamente pelo WhatsApp.

Guimarães seguiu melhorando em 2019. Foi o maestro do time na Copa Libertadores e também na caminhada do Furacão rumo ao título da Copa do Brasil.

De perna direita, marcou o gol solitário do primeiro jogo da final, em Curitiba. Em Porto Alegre, no Beira-Rio, comemorou a conquista inédita após a vitória épica, por 2 a 1, sobre o Internacional.

Um acerto gigantesco.

"Não tínhamos noção [que o Bruno poderia chegar ao nível atual]. A gente sabia que ele, sem dúvida nenhuma, era um bom jogador. Tanto que estava no profissional desde muito novo. Mas como ele havia vários outros meninos aqui", admite Gustavo Teixeira, que sonha ver o pupilo do Audax voar ainda mais alto.

"Nosso sonho é ver o Bruno vestindo a camisa da seleção. E o Athletico virou nosso segundo time".

  • Nos tempos de Audax Osasco

Foco, futsal e a saga do táxi

Filho de um taxista com uma vendedora de motocicletas, Bruno Guimarães Rodriguez Moura nunca pensou em seguir uma carreira 'comum' como a dos pais. Sua profissão dos sonhos sempre envolveu um campo, dois times e uma bola.

"Desde pequeno ele falava pra ficarmos tranquilos porque ele seria jogador de futebol. Sempre teve isso na cabeça, sempre foi comprometido com os treinos, com os horários. Sempre foi muito focado no objetivo", lembra Dick Gomez Rodriguez Moura, pai do volante do Athletico.

Por volta dos seis anos de idade, quando Bruno enfrentou duas pneumonias, a mãe dele, Márcia Guimarães Rodriguez Moura, seguiu a recomendação médica e o colocou na aula de natação. No fundo, ela também esperava que o filho deixasse o futebol de lado – pelo menos um pouco. Não funcionou.

A paixão estava escancarada no sangue espanhol do avô Paulino, de quem Bruno herdou o passaporte europeu. A tradição esportiva seguiu firme e forte com o pai. Resultado? Era futebol todo dia, toda hora. Seja jogando uma pelada descalço ou assistindo na televisão.

"A diversão dele era ver jogos do mundo inteiro. Podia ser da terceira divisão ou de campeonatos europeus. E é assim até hoje", diz Márcia.

"Ele gostava muito do Borussia Dortmund, da Alemanha, que tinha um jogador chamado Gündoğan [hoje no Manchester City]. Assim como o Iniesta, do Barcelona".

Quando não parava em frente à televisão, o pequeno Bruno estava com a bola no pé. O início foi na escolinha de futsal do Helênico, clube da Zona Norte carioca onde também surgiu o consagrado lateral-esquerdo da seleção brasileira e do Real Madrid, Marcelo.

Início de Bruno Guimarães foi no futsal do Helênico
Início de Bruno Guimarães foi no futsal do Helênico

Com oito anos de idade, a coisa começou a ficar séria. O garoto passou a integrar a equipe do clube e já demonstrava ser diferente dos demais.

"O Bruno tem uma inteligência acima da média, uma assimilação incrível. Ele consegue transformar informação em ação de uma maneira fora do comum", elogia o técnico Mário Jorge, primeiro treinador do atleticano, atualmente comandante do sub-15 do Flamengo.

"Além de ser um garoto humilde e de caráter, que não esqueceu as raízes de quem nasceu em um local não muito favorecido financeiramente e que se divertia soltando pipa na laje e jogando bola de gude".

Aos 13 anos, quando conheceu a primeira namorada no recreio da escola, Bruno já tinha uma mentalidade muito próxima a de profissional. Ele se dividia entre os treinos de futebol de campo no Audax Rio, pela manhã e os estudos à tarde. À noite, ele ainda completava a rotina pesada no futsal do Flamengo.

Quer outro exemplo da obstinação de Bruno Guimarães para não ficar pelo caminho e conseguir se tornar um atleta de ponta?

Dick com o táxi número e a camisa 39, que foi escolhida ao acaso pelo Athletico
Dick com o táxi número e a camisa 39, que foi escolhida ao acaso pelo Athletico

"Meu marido sempre falou que se ele colocasse um copo de cerveja na boca não iria mais acompanhá-lo jogar porque aquilo não condizia com a carreira de jogador. Então o Bruno sempre foi muito regrado, não gosta de dormir tarde, não gosta de balada, não bebe. Ele sabe que isso atrapalharia a carreira que sempre sonhou", revela Márcia.

Os pais, claro, também renunciaram muita coisa em prol do objetivo do filho. A partir de 2015, quando Bruno foi chamado para defender o Audax Osasco, os finais de semana eram quase sempre na estrada, no táxi amarelo número 39.

Para ficarem próximos, o jeito era encarar cinco horas de viagem entre Rio e São Paulo, muitas vezes seguindo o ônibus da delegação para chegar aos estádios mais distantes.

Bruno, Diego Ferreira e Renan Lodi na final do Paranaense 2018
Bruno, Diego Ferreira e Renan Lodi na final do Paranaense 2018

Tiago Nunes, caráter e o futuro

Quando a oportunidade de se transferir para o Athletico apareceu, em 2017, Bruno Guimarães se deparou com um treinador que, assim como ele, buscava seu espaço à base de trabalho duro.

O santo bateu e a parceria rendeu frutos imediatamente. Primeiro no sub-23, com o título paranaense, depois na equipe principal, com a Sul-Americana.

O volante se tornou um dos melhores do país, idolatrado pela torcida, enquanto o treinador também ganhou destaque nacional e o mesmo respeito das arquibancada, pelo menos a até a conturbada saída para o Corinthians.

"Ele tem um carinho muito especial pelo Tiago, conversava muito com ele. Eles se ajudaram muito e deslancharam juntos na carreira", ressalta o pai do meio-campo.

Com o sucesso exponencial, o futuro de Bruno Guimarães é inevitável. Jogar na Europa é um sonho que está cada vez mais próximo de virar realidade para o melhor volante do Brasileirão 2019.

Mas o carinho pelo clube onde ele fez história permanece intacto. Da mesma forma que, antes dessa incrível trajetória começar a ser escrita no Furacão, ele mostrou caráter e manteve a palavra ao recusar um salário quatro vezes maior para defender o rival.

“Quando eu peguei o avião para ir pra Curitiba [abril de 2017], estava com meu empresário. Aí entrou no voo o Alex Brasil, diretor de futebol do Coritiba. Ele chegou e sentou do lado do meu empresário, fui para a parte de trás do avião e eles ficaram conversando. Quando voltei, meu empresário disse que ele queria me levar para o Coritiba. Só que não tinha como, eu tinha dado a minha palavra. Eles tentaram me convencer, mas não tinha jeito", revelou Bruno, no programa 'Bola da Vez', da ESPN Brasil.

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