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A seleção brasileira do tri, incluindo o jogador do presidente, Dadá Maravilha (terceiro sentado da esquerda para direita). Foto tirada por Rogério, cortado por lesão, mas que acompanhou a seleção no México | Rogério Hetmanek
A seleção brasileira do tri, incluindo o jogador do presidente, Dadá Maravilha (terceiro sentado da esquerda para direita). Foto tirada por Rogério, cortado por lesão, mas que acompanhou a seleção no México| Foto: Rogério Hetmanek

Linha do tempo

1968 – Decreto do Ato Institucional nº 5 e excursão da seleção com o apoio da CBD.

1969 – Milésimo gol de Pelé é comemorado com desfile em carro aberto em Brasília. Jogador é recebido por Médici e premiado com medalha de mérito nacional e título de comendador.

1970 – João Saldanha, técnico da seleção e filiado ao PCB, é demitido; Médici assina o decreto que instaura a Loteria Esportiva, aliando esporte à potencial prosperidade e mobilidade social. Em junho a seleção brasileira ganha o tricampeonato mundial e é recebida em Brasília, com decreto de feriado nacional para celebração da taça.

1971 – Aliando a vitória da seleção ao "milagre econômico", são inaugurados, com cerimônias oficiais, alguns dos maiores estádios do país, como Morumbi (São Paulo), Rei Pelé (Maceió) e Castelão (Fortaleza).

1972 – João Havelange organiza a Taça Independência, em comemoração ao 150º aniversário da independência do Brasil. Alemanha, Inglaterra e Itália se recusam a participar, alegando que o campeonato possuía fins políticos.

1973 – CBD abole a segunda divisão e incha o campeonato, agora com 40 clubes.

1974 – Posse do general Ernesto Geisel, derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo e diminuição da interação entre futebol e propaganda política.

1977 – CBD aumenta para 62 o número de clubes disputando o Campeonato Brasileiro.

1978 – Reinaldo, centroavante do Atlético-MG, é tirado do Campeonato Brasileiro e alega boicote por comemorar gols erguendo o punho fechado.

1982 – Queda da seleção brasileira na Copa, já com o futebol nacional tocado pela CBF e abertura política em andamento.

Ditaduras e futebol

A operação política com objetivo de fortalecer os regimes totalitários em vigor no Cone Sul, nos anos 70 e 80, deixou suas marcas no futebol. No Chile, tomado por Augusto Pinochet em 1973, o Estádio Nacional de Santiago se transformou em palco de execuções de opositores ao governo e de uma das partidas de futebol mais controversas da história.

No jogo eliminatório para a Copa de 1974, a seleção chinela marcou seu gol classificatório aos 30 segundos do primeiro tempo, sem um time adversário em campo – a URSS se recusou a visitar o território de Pinochet.

O mundial de 1978, sediado pela Argentina, que vivia um regime militar imposto dois anos antes, terminou em vitória para a seleção da casa na decisão com a Holanda. Mas antes um polêmico 6 a 0 sobre o Peru, mais tarde denunciado por subornos e ameaças aos jogadores adversários, classificou os argentinos e eliminou o Brasil. "Além desse uso propagandístico que incentivava um nacionalismo histérico, a ditadura do General Videla influenciou diretamente no resultado da Copa do Mundo de 1978", diz Adriano Codato, cientista político da UFPR.

Na Alemanha, durante o nazismo, tanto a Federação como os clubes colaboraram com o regime de Adolf Hitler – o Bayern de Munique era exceção: a equipe carregava a fama de "clube de judeus" e seu presidente Kurt Landauer chegou a ir para um campo de concentração. No Mundial de 1938, a frase "levei 4 gols, mas salvei 11 vidas", do goleiro húngaro Antal Szabo, após a derrota por 4 a 2 para a Itália na final, ficou marcada na história: antes da partida o ditador Benito Mussolini teria dito a seus jogadores "Vençam ou morram".

  • O time titular do técnico Zagallo na Copa do México: Carlos Alberto, Félix, Piazza, Brito, Clodoaldo e Everaldo (em pé); Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivellino (agachados)
  • Comemoração de gol da seleção brasileira na Copa de 70
  • Amistoso entre a seleção brasileira - ainda treinada por Aymoré Moreira - e a seleção paranaense, em 1968, no Couto Pereira: 2 a 1 para o Brasil

Cinco décadas depois do dia que durou 20 anos, o último regime de exceção do Brasil ainda é cercado de mistério. Uma das maiores incógnitas diz respeito aos limites de sua influência em uma das grandes paixões nacionais: o Golpe de 1964 e a instauração da Ditadura Militar fez com que futebol legitimasse o regime perante a população.

"Não sei se havia grande aceitação, duvido do grau de independência que as pesquisas de opinião tinham à época. Sei que a história registra que Médici foi o ditador do período mais sombrio da história do Brasil e que os heróis do futebol daquela época, Pelé, Tostão, Gérson, Jairzinho, Rivellino, Carlos Alberto, não usavam fardas", diz o jornalista Juca Kfouri. Já na esteira do regime militar, a expectativa em torno do mundial de 1966 foi frustrada com a eliminação da seleção brasileira nas oitavas de final, mas nasceu a oportunidade de reformulação do time para a próxima Copa. A contratação de João Saldanha, três anos depois, mostrou-se o movimento chave para a mudança que a seleção precisava. Jornalista, membro do Partido Comunista Brasileiro e conhecido pela alcunha de João Sem Medo, o técnico tomou as decisões necessárias para garantir a classificação para o Mundial de 1970. Mas, apesar do ano frutífero, Saldanha não levou a seleção para o México.

Poucos meses antes do evento, foi demitido por motivos ainda não esclarecidos. Algumas teorias dizem que a recusa em escalar o atacante Dario Maravilha, indicado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, aliada à declaração "Nem eu escalo o ministério, nem o presidente escala o time", foram determinantes. Hoje, Dario Maravilha encara a situação com bom humor. "Saldanha falou na TV Globo que eu seria cortado. O desafiei e acabei desafiando a Globo ao dizer que no México iriam Dadá e o resto", afirma o ex-atacante. "Quando saiu a lista final ele começou a me perseguir, me chamando de protegido do Médici. Realmente o presidente me adorava, mas todos me adoravam. Eu era artilheiro e merecia estar em campo", completa. Outras teorias envolvendo a seleção tricampeã defendem como motivação o medo dos militares de que Saldanha se manifestasse em favor do PCB durante a estadia no México. O que se sabe de fato é que representantes militares passaram a acompanhar de perto a seleção desde as Eliminatórias, ocupando cargos na comissão técnica e na diretoria da extinta CBD – Confederação Brasileira de Desportos, que em 1979 deu lugar à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) –, com destaque para as visitas habituais do presidente Médici aos estádios, aumentando sua fama notória de fã do esporte.

Para Adriano Codato, cientista político da UFPR, os governos militares exerceram controle efetivo sobre seleção e clubes. "Logo após a demissão de Saldanha, o brigadeiro Jerônimo Bastos tornou-se o chefe da delegação no México e trouxe para a concentração do Brasil o agente da repressão e conhecido torturador major Roberto Câmara Ipiranga dos Guaranis", explica. "Ele deveria 'proteger a Seleção', ou seja, impedir que jornalistas de esquerda tivessem acesso aos jogadores ou que jogadores pudessem dar declarações desfavoráveis. Nos grandes clubes [como Flamengo e Vasco] também havia militares no setor de preparação física e que funcionavam como agentes de informação. Sua missão era monitorar qualquer movimento, declaração ou protesto". Guiada por Zagallo em terras astecas em 1970, a seleção brasileira conquistou o primeiro tricampeonato mundial, ganhando o direito de levar para casa a taça Jules Rimet. De volta ao Brasil, o time foi recebido com feriado, cheques e fuscas que renderam polêmica pelos próximos 36 anos – Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo, viria a ser absolvido pelo desvio de verba pública apenas em 2006. De qualquer forma, a vitória passou a ser vitória do povo, "todos juntos vamos, pra frente Brasil".

"Se a ditadura usou o futebol para alegrar a população eu não poderia fazer nada", pondera Dario. Jairzinho, artilheiro brasileiro no Mundial com sete gols, quando questionado sobre a influência militar na seleção e no cotidiano dos jogadores é curto e direto: "Não posso dizer nada sobre a ditadura porque ela não interferiu na minha carreira". Mesmo assim é evidente que, com a utilização pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional, partido político criado em 1965 para dar sustentação ao regime militar) das vitórias da seleção como base para campanhas, surgiram sinais da propaganda política atrelada ao entretenimento, o que levou intelectuais de esquerda a apropriarem-se da expressão "ópio do povo", parafraseando Karl Marx e sua postura em relação à religião, para se referir ao espetáculo esportivo.

Nesta época surge o Campeonato Brasileiro, naturalmente inchado pela política "onde a ARENA vai mal, mais um time no nacional". "Onde o partido do governo ditatorial tinha um mal desempenho eleitoral, perdendo para o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o governo pressionava a CBD para incluir o clube da cidade no campeonato. No fim dos anos 70 havia mais de 60 clubes no que hoje se chama série A", completa Codato, ao lembrar que em 1973 a segunda divisão nacional é extinta pela CBD, e o campeonato nacional passar a ter 40 clubes. Em 1976 o número já havia saltado para 62. "Essa medida lançou o futebol brasileiro em um buraco profundo do qual só conseguimos emergir em 2003 com o campeonato por pontos corridos e, mais tarde, com 20 clubes", analisa Kfouri.

Outro fruto da relação entre futebol e ditadura são alguns dos maiores estádios do país. Aliando a vitória da seleção ao "milagre econômico", em 1971 são inaugurados com cerimônias oficiais praças esportivas como Morumbi (São Paulo), Rei Pelé (Maceió) e Castelão (Fortaleza). Ainda na euforia estendida pela conquista da Jules Rimet, o então presidente da CBD João Havelange comemora o 150º aniversário da independência do Brasil com a Taça Independência. Sem o apoio de Alemanha, Inglaterra e Itália, que alegaram fins políticos no campeonato, o destaque ficou para a partida Brasil x Portugal, propagada como metáfora da luta da colônia, apesar da proximidade dos contextos ditatoriais de ambos os países, com Médici e Salazar, respectivamente, no poder.

Na mesma época Zico e sua família sofreram com as interferências do regime militar na seleção brasileira. "Em 1964 meu pai não assinou um contrato para o Antunes e ouviu que o filho não iria para a Seleção. O Edu, em 1969, foi eleito o melhor jogador do Brasil e não disputou a Copa", conta Zico sobre os dois irmãos. "Minha irmã bate na tecla de que fui impedido de ir à Olimpíada por causa do problema do meu irmão Nando, que foi pego pelos militares e passou cinco dias preso na Polícia do Exército, no Rio. Então é possível que a ditadura tenha me tirado da Olimpíada de 72". Anos mais tarde, em 78, o então presidente da CBD, Almirante Heleno Nunes, obrigou o técnico Cláudio Coutinho – também militar – a fazer alterações no time. "Diziam para não vibrar de tal forma, não comentar política. Antes da Copa o presidente Ernesto Geisel virou para mim e disse, com aquele tom de militar: 'Vai jogar bola. Deixa que política nós fazemos'", conta o ex-atacante Reinaldo, ídolo do Atlético-MG. "Medo de enfrentá-los eu não tinha, já que contava com respaldo popular. Não iam me sequestrar ou matar, como fizeram com vários outros brasileiros. Era preciso mostrar resistência ao regime militar para acelerar o processo democrático e, querendo ou não, o futebol sempre foi um meio reacionário", complementa o atacante, que, mesmo após a advertência de Geisel, comemorou com os punhos cerrados seu primeiro gol no Mundial da Argentina, contra a Suécia.

De qualquer forma, a interferência militar no futebol já diminuía consideravelmente desde 1974, após a eliminação da seleção na Copa da Alemanha. O marco final do período é 1982, já com a CBF dirigindo a seleção e a abertura política em andamento no país.

Seleção brasileira na ditadura

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