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Curitibano Wanderlei Silva deixa o esporte com 49 lutas, sendo apenas 12 derrotas | Divulgação
Curitibano Wanderlei Silva deixa o esporte com 49 lutas, sendo apenas 12 derrotas| Foto: Divulgação

"Ele batia forte. Tinha um soco muito seco, a joelhada também. Me recordo bem que o início dele foi feroz. A maioria não aguentaria. Jamais tinha sofrido uma pressão tão forte".

INFOGRÁFICO: Veja o histórico de lutas da carreira

No relato do atual presidente de Confederação Brasileira de Muay Thai, o carioca Artur Mariano, ‘ele’ era Wanderlei Silva, em setembro de 1997, então com 21 anos. O curitibano fazia a decisão do International Vale-Tudo Championship (IVC), em São Paulo. Era sua terceira luta na mesma noite — a quinta em menos de um ano de carreira.

Wanderlei subiu ao ringue sem luvas, conforme as regras da época, vestindo uma sunga preta e uma jaqueta da mesma cor com o emblema da Chute Boxe. No córner estavam Rudimar Fedrigo, treinador e dono da academia, o técnico Rafael Cordeiro e o lutador José ‘Pelé’ Landi-Jons.

"Pra essa final eu só vou prometer uma coisa: muita violência", ameaçou, com cara de mau e forte sotaque curitiboca. O vídeo está no Youtube e tem 723 mil visualizações.

Depois de 13min10s de combate, que correu exatamente como a prometido, o juiz interrompeu pela segunda vez para o médico reavaliar um profundo corte no supercílio esquerdo de Wanderlei. Não adiantaram os gritos de ‘aqui é profissional’, nem os xingamentos do estafe à mãe do árbitro e promotor do IVC, Sérgio Batarelli. Cabisbaixo, o jovem paranaense balançou a cabeça negativamente, enquanto Mariano vibrava ao ter o braço erguido.

A primeira derrota da carreira de Wanderlei Silva completou 17 anos no último dia 15. Quatro dias depois (19/9), com uma trajetória de 35 vitórias, cinco defesas de cinturão no Pride e milhares de fãs, o carismático e polêmico lutador anunciou a aposentadoria, aos 38 anos. Brigado com o UFC, ele garantiu que não voltará ao centro do octógono.

Seu legado como alguém que viveu duas eras do esporte, no entanto, continua. "Pelo físico, melhor que muito menino de 22, 23 anos, ele poderia seguir lutando", opina Cordeiro, eleito melhor técnico de MMA em 2013, com quem Wanderlei trabalhou durante toda a carreira. "Mas a partir do momento que você está desmotivado, tem que procurar outro lado… Foi um ciclo que acabou e começa outro. Ele vai representar um grande grupo que vai lutar pelo direito dos atletas", confia.

Popularidade a cria de Santa Felicidade, bairro italiano de Curitiba, tem de sobra. São 616 mil seguidores no Twitter, um milhão no Facebook e 187 no Instagram. Tornou-se assim um dos principais angariadores de fãs da violenta modalidade.

Para Rudimar Fedrigo, o ‘Cachorro Louco’ foi quem abriu caminho para a Chute Boxe se tornar conhecida mundialmente e, consequentemente, outros lutadores, como Anderson Silva e Maurício Shogun, despontarem. "Sou um privilegiado por ter acompanhado o Wanderlei por dez anos como seu gestor de treinos e empresário. Vi o auge da técnica dele, da velocidade. Ele deu a abertura para os outros serem conhecidos hoje", reconhece.

Se Wand aprendeu a técnica do muay thai na academia, sua agressividade era algo nato. O piá gordinho que com 14 anos decidiu aprender artes marciais para emagrecer nunca foi um expoente de coordenação. Demorava a aprender os golpes. Mas sempre mostrava uma vontade fora do normal, característica que acabou virando seu estilo inconfundível.

"O povo gosta de porrada. O cara quer ver agressividade. E o Wanderlei fazia isso, ia para definir. Com ele é matar ou morrer. Não tem meio termo", explica o ex-lutador do UFC Cristiano Marcello, responsável pela faixa preta de jiu-jítsu do atleta. Ao todo, foram 25 triunfos por nocaute ou nocaute técnico.

"É um lutador fora de série, com um baita coração. Sempre muito aguerrido, lutas épicas. Se você visse um cartaz do Wanderlei, tinha que conferir", concorda Pelé, que aos 41 anos continua na ativa.

A grande competitividade interna na Chute Boxe foi o segredo para a evolução de Wanderlei, que ficou 20 lutas invicto no japonês Pride, principal organização de vale-tudo da virada do século. "No dia do sparring, todo mundo sabia que alguém ia dormir mesmo", atesta Cordeiro.

Os treinos em ritmo de luta o prepararam para o grande divisor de águas na carreira, um japonês chamado Kazushi Sakuraba. Famoso por derrotar brasileiros, especialmente da família Gracie, o ídolo nipônico foi nocauteado três vezes, entre 2001 e 2003. A partir daí, o Cachorro Louco, campeão dos médios, se tornou uma lenda e ganhou o apelido de Mr. Pride.

"Era como se ele fosse o Neymar hoje em dia. Abriam as portas do avião e tinha mais de 60 jornalistas esperando no aeroporto", lembra Pelé, que certa vez teve de correr com Wanderlei para fugir do assédio de dezenas de fãs.

Além de Sakuraba, a rivalidade com o americano Quinton Rampage Jackson também marcou época no Pride. Foram duas lutas, entre 2003 e 2004, ambas vencidas pelo brasileiro. Naquelas lutas, o clinch do muay thai desenvolvido em Curitiba ganhou o mundo com suas potentes joelhadas. Rampage acabou literalmente nas cordas.

Também foi no Oriente que Wand – The Axe Murderer (‘O Machado Assassino’) – aprendeu a fazer seu marketing pessoal.  As provocações, muitas vezes com empurrões e tudo, apimentavam as pesagens. Coisa que ele aperfeiçoaria nos Estados Unidos.

Apesar de fazer lutas empolgantes no UFC, com cinco prêmios em dinheiro, o octógono nunca foi o habitat natural do paranaense. Ele perdeu mais do que ganhou no evento americano (quatro vitórias e cinco derrotas) e não chegou perto do nível demonstrado no Japão.

A vida de Wanderlei, no entanto, já estava em Las Vegas, para onde se mudou após romper com a Chute Boxe, em 2007. Por outro lado, o lutador participou de duas edições do reality show The Ultimate Fighter Brasil e ficou conhecido até por quem não gosta de MMA.

As esperadas lutas contra Vitor Belfort e Chael Sonnen não aconteceram e, depois de fugir de um teste antidoping surpresa em maio, o paranaense foi banido pela Comissão Atlética de Nevada, a mais importante dos Estados Unidos. Ele promete recorrer da decisão e agora quer lutar fora do ringue para que os atletas sejam mais valorizados.

Poucos têm história para tanto. "Ele é um dos maiores ícones do esporte. Raros são casca-grossa assim. Viveu dois momentos distintos do esporte, do vale-tudo e do MMA. Foi de uma época sem regras até a era moderna. E foi um dos poucos que teve sucesso em ambos", lembra Artur Mariano, que venceu Wanderlei Silva no passado, mas hoje é mais um fã.

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