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“Diversidade é prosperidade porque a partir do momento que você consegue refletir dentro da sua empresa o que está do lado de fora, você vai conseguir aumentar a quantidade de clientes, de inovação e criatividade”, diz Ana Minuto.

Entrevista

“Diversidade é prosperidade”, esclarece consultora empresarial Ana Minuto

Stephanie Abdalla, especial para o GazzConecta
30/03/2021 11:03
Reflita sobre seu trabalho e as
pessoas que o exercem ao seu lado. Quantas delas são negras? As que são, desempenham
quais funções? Elas ganham proporcionalmente ao trabalho que fazem? Quantas
delas ascenderam de cargo?
Essas foram perguntas sobre as quais Ana Minuto, consultora empresarial e coach de carreiras, pensou muito. Sua trajetória militante pela equidade racial e de gênero começou cedo; diz ela, “desde a barriga da mãe”, Maria da Penha Nascimento de Campos que, ainda grávida, criou a ONG “Fala Negão, Fala Mulher” e foi ávida combatente da violência doméstica e discriminação racial.
Mesmo com a predisposição ao trabalho social, Ana fez de tudo antes de chegar ao cargo que ocupa hoje, ela foi desde assistente de costureira à funcionária pública dos Correios.
Após desencontros e reencontros com seus objetivos pessoais e profissionais, a empresária começou a atuar como coach de desenvolvimento em 2010, com o intuito de ressignificar trabalho e dinheiro e, em 2012, desenvolveu uma metodologia focada na questão racial.
"Uma coisa que eu aprendi com minha mãe e com minha vida é que precisamos estar onde faz sentido, onde gostamos de estar e onde podemos entregar nosso melhor”, disse. “Eu percebi o desafio que a população negra tinha no mercado de trabalho e a pergunta que eu sempre fazia era ‘por que que nós somos tão potentes e não conseguimos ir para o próximo nível?’”, completa.
Atualmente, após ter treinado mais de 50 mil pessoas, Ana, novamente, resolveu ir além e ressignificar o que faz: em parceria com a Escola Profissas ela idealizou o Potências Negras Summit, evento que acontece nesta terça-feira (30) para impulsionar a carreira de negros e negras e combater a desigualdade racial.
Em entrevista exclusiva ao GazzConecta, Ana Minuto conta um pouco mais sobre sua trajetória, os entraves da comunidade negra no mercado de trabalho, o futuro desse mercado e sobre o evento que está para começar. Confira na íntegra.
 "O importante é que estamos aí, que estamos ativos, que podemos falar e falar do que nós quisermos". Foto: Divulgação/Potências Negras Summit
"O importante é que estamos aí, que estamos ativos, que podemos falar e falar do que nós quisermos". Foto: Divulgação/Potências Negras Summit
Como você desenvolveu a sua metodologia de coaching e como ela
funciona?
Como pessoa eu acredito que um dos maiores desafios é a questão emocional em lidarmos com várias demandas e quando falamos de mulheres – especialmente mulheres pretas – isso é muito mais desafiador. Nós somos a camada com o piores trabalhos da população brasileira. No âmbito empresarial, somos apenas 0,4% da liderança.
Essa era uma coisa que me
incomodava muito e eu comecei a perceber que o processo do racismo adoece a
gente, que ele limita nosso poder de alcance de visão para conseguir e
conquistar as coisas, mas que era
algo que nós precisávamos aprender a ressignificar. A primeira ressignificação
deve ser sobre nosso valor como seres humanos, como pessoas que merecem um bom
trabalho e bons salários. A partir daí eu comecei a criar exercícios que
levavam em consideração essa realidade.
A metodologia envolve trabalhar
com o conhecimento do indivíduo porque o indivíduo forte consegue dar conte do
ambiente onde ele está, mesmo que seja um ambiente adoecido, mas o indivíduo
adoecido, dentro do ambiente adoecido, vai piorar. Quando a pessoa pensa que precisa
desenvolver uma carreira e que ela não envolve só trabalho, ela enxerga uma
nova realidade e novas possibilidades.
Quais são os maiores entraves que a pessoa negra (e especificamente a mulher negra) encontram no ambiente de trabalho e também na hora da contratação?
Quando paramos para pensar, o
Brasil passou 74% do seu tempo sob regime escravocrata e a gente percebe como
isso influenciou o atual momento, quais são as condições e os pontos de partida
das pessoas que vieram desse sistema?
Ninguém fala que não posso trabalhar nas empresas, mas as empresas falam que eu tenho que ter determinadas faculdades, que eu tenho que falar inglês minimamente, que eu tenho que ter feito um intercâmbio (isso quando apenas 5% da população brasileira fala inglês e 1% é fluente). Esses entraves no processo seletivo já demonstram para a gente que ali não é nosso lugar, que não nos querem lá.
O segundo entrave é a questão de
acreditar na meritocracia, de achar que eu não falo inglês porque eu não quero
realmente falar. Ou que você fala inglês porque quis, mesmo que tenhamos
partido de lugares diferentes e pertençamos a fatias diferentes da sociedade.
O terceiro entrave é o não reconhecimento
do racismo. Nós ainda estamos nessa negação, acreditando que somos todos
iguais. Mas daí quando vamos buscar um emprego, nós não estamos lá, e se
estamos, nós, mulheres pretas, ganhamos 60% a menos do que o homem branco na
mesma atividade.
Quais são os
estereótipos que as mulheres negras, uma vez contratadas, têm que ajudar a
desmistificar enquanto exercem suas carreiras?
O primeiro é o de que a mulher
negra só serve para ser empregada doméstica, o que não tem problema nenhum,
desde que ela possa escolher se quer ser empregada doméstica ou qualquer outra
coisa. Esses vieses internos e externos dificultam a nossa ação.
A segunda coisa é que nós vivemos
em um país machista que acredita realmente que a mulher não merece estar no
próximo nível. Existem mulheres que são brilhantes, mas passam 10-20 anos na
mesma profissão, fazendo a mesma coisa. Isso quando não pedem para você servir
o cafezinho, ou para você fazer a ata; ou quando não te interrompem para pegar
sua ideia; ou simplesmente quando não deixam você se posicionar.
São essas coisas diárias que
acontecem em relação à mulher preta, sem falar que nós dificilmente chegamos às
grandes corporações, por questões de mobilidade e, quando chegamos, temos
dificuldade de avançar para o próximo nível porque isso exige tempo e
possibilidade financeira para estudar – coisas que muitas de nós não temos.
O que a inclusão
racial significa para o futuro do mercado?
Eu sempre digo que a diversidade é prosperidade porque a partir do momento que você consegue refletir dentro da sua empresa o que está do lado de fora, você vai automaticamente conseguir aumentar a quantidade de clientes, de inovação e criatividade.
Pensando especificamente na minha área de formação, que é a tecnológica, nós temos mais de 425 mil vagas que serão abertas até 2025. Hoje, nós só conseguimos formar um total de 42 mil pessoas, menos de 10%. Isso significa que temos 90% de um contingente que não será suprido.
Se a gente não colocar os pretos,
não colocar as mulheres, os lgbtquia+, pessoas idosas e com deficiência nesses
espaços, as empresas de parte tecnológica terão um problema seríssimo para dar
continuidade. Então, quando a gente fala de diversidade, a gente está falando
minimamente de trazer mais pessoas para a roda para que as empresas possam se
manter.
Como eventos como o Potências Negras Summit contribuem para a
disseminação do conhecimento e para o fortalecimento do autoconhecimento das
pessoas?
Eu digo que o Potências Negras é
de nós para nós porque quando eu pensei nele, eu não pensei nele para a
população negra; eu pensei nele para as pessoas e ponto final. As pessoas
precisam entender minimamente o que é a questão racial, como ela influencia e
como cada um de nós tem esse viés que faz com que a gente repita ações,
pensamentos e sentimentos racistas.
Nosso país foi fundado em cima
das questões escravocratas, onde a gente nunca falou que o homem preto e a
mulher preta têm condições de ser diretor. A gente tem no nosso imaginário que
a gente só pode ser parte do setor operacional. Eu me lembro de quando
trabalhava na área de tecnologia, eu conversava com alguém por horas numa
reunião por ligação e daí, quando a pessoa me via, ela falava “nossa, eu não
imaginava que você fosse assim”.
Quando a gente consegue trazer
pessoas pretas para falar de assuntos diferentes do que se está habituado, se
está criando um novo viés: estamos criando novas formas de rever pessoas
pretas; estamos demonstrando que nós também criamos, que nós também temos
empresas, que nós também podemos virar diretoria. E é esse processo de falar
mais sobre o assunto que vai gerando novas ideias e novos conhecimentos.
Quando a gente fala que vamos
trazer esse evento, com todos os grandes patrocinadores que estão acreditando
na causa, a gente está minimamente mandando um sinal para a sociedade de que
precisamos fazer diferente.
Podem copiar esse evento, fazer vários iguais a ele porque o importante é isso: que estamos aí, que estamos ativos, que podemos falar e falar do que nós quisermos.

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