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As big techs derretem e as pequenas demitem: qual o futuro das startups brasileiras?

Demissões

As big techs derretem e as pequenas demitem: qual o futuro das startups brasileiras?

Maria Clara Dias, especial para o GazzConecta
22/06/2022 16:30
O mercado de venture capital vinha vivenciado uma boa fase desde 2021. Com volumes recordes de investimentos,  as startups brasileiras somaram mais de R$ 46 bilhões em captações no último ano, mais do que o triplo de 2020, mostram dados da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). Em 2022, a bolha estourou — e as startups já têm sentido isso na pele.
Os valores altos enviados por investidores, ao que tudo indica, parecem estar freando. O Banco Central dos Estados Unidos, responsável por definir as políticas monetárias do país, aumentou a taxa básica de juros, na maior alta desde 1994. O esforço para conter uma inflação crescente, copiado por várias nações, migrou, em boa medida, a preferência para a renda fixa.
Trata-se de um cenário que já tem seus primeiros reflexos no Brasil: desarranjos logísticos, de abastecimento e a Guerra na Ucrânia, que elevou numa alta histórica os preços dos combustíveis globalmente, são alguns exemplos.
A onda de pessimismo no mercado de investimento de risco também acompanha os fundos que historicamente se dedicam a empresas de tecnologia. Na Tiger Global, o desarranjo macroeconômico espantou até mesmo investidores mais experientes, na medida em que papéis de companhias como Microsoft e Nubank despencavam nas bolsas. Segundo um levantamento do Financial Times, o fundo hedge da Tiger perdeu US$ 17 bilhões nos primeiros quatro meses deste ano.
O momento agora é de cautela. Com investidores menos dispostos a injetar capital de risco em empresas em fase de crescimento gigantes de tecnologia derretendo nas bolsas — o que exemplifica a existência de risco financeiro até em empresas líderes de mercado — é hora das pequenas readequarem as estratégias para lidar com as contas e a pressão por crescimento em um momento que novos cheques não devem ser tão facilmente distribuídos como em 2021.
Com recursos escassos, o corte de funcionários se tornou comum em empresas que encaram a urgência em cortar despesas e organizar o caixa. Nos primeiros seis meses do ano, mais de 21 mil trabalhadores no setor de tecnologia dos EUA foram demitidos em cortes de empregos em massa, de acordo com uma contagem da Crunchbase, banco de dados sobre empresas de tecnologia. Na Better, de crédito imobiliário, o corte foi de 50% do quadro, após mais de 5 mil demissões.
Nesse cenário, empresas brasileiras em diferentes graus de maturidade, incluindo unicórnios (empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), também tiveram de enxugar suas forças de trabalho. Entre elas, veteranas como a VTEX, o EBANX e a empresa de social commerce recém-intitulada unicórnio Facily.
No final de maio, a VTEX demitiu 193 funcionários, cerca de 11% de seu quadro total. A decisão, segundo a empresa, está ligada à exigência por mais eficiência. “A decisão de reduzir nossa força de trabalho foi tomada como um julgamento estratégico sobre qual estrutura organizacional pode entregar nossas prioridades ajustadas e alinhadas a esse ciclo orientado a crescimento com eficiência”, disse a VTEX em nota.
Entre as que enxugaram suas folhas estão também a Loft, Creditas e QuintoAndar. O contexto global de incertezas também levou a peruana Favo a demitir 170 funcionários e deixar o Brasil.
No final de maio, a startup de e-commerce Olist também demitiu funcionários. Empresas ligadas ao setor estimam um corte de 150 pessoas. Reforçando que captações milionárias recentes não são sinônimo de eficiência, a Facily e Olist receberam aportes nos últimos meses. No caso da curitibana, o quadro de funcionários havia mais do que dobrado no último ano, e a Facily, captou US$ 135 milhões em uma série D em dezembro de 2021.
Entre especialistas ouvidos pelo GazzConecta, há o consenso de que a readequação nada mais é do que um movimento natural para conter os cheques super inflacionados dos últimos anos. Com a pandemia e a doação em massa de recursos de tecnologia em diversas áreas do dia a dia, soluções inovadoras de startups em todo o mundo chamaram a atenção e, por consequência, atraíram vertiginosos cheques. Agora, é hora de voltar duas casas.

Pânico chegou ao venture capital

A crescente aversão ao risco passa a atingir também as startups, que veem uma queda significativa no volume aportado. Dados do mais recente relatório do hub de inovação aberta Distrito mostram que, em um ano, o decréscimo nos cheques assinados a pequenas empresas de tecnologia do Brasil foi superior a 60%. Em maio de 2022, as startups brasileiras receberam US$ 298,5 milhões, ante US$ 772,6 milhões de maio de 2021.
“Vivemos um momento de alta de juros e redução de liquidez que irá impactar a velocidade de investimentos em empresas de alto crescimento. Assim, as captações tendem a ser mais longas e criteriosas, o que pode impactar as operações financeiras das startups. Com isso, os empreendedores irão buscar equilibrar as suas contas a fim de criar sustentabilidade financeira”, disse Gustavo Gierun, CEO do Distrito.

E agora?

Em meio a táticas adotadas no curto prazo para reorganizar as finanças, há espaço para discutir o que esperar no cenário das startups brasileiras daqui em diante. Para Gierun, a alocação cautelosa de capital deve continuar sendo uma máxima entre investidores, que passarão a pensar mais estrategicamente ao escolher suas investidas em growth stage. “A captação para essas empresas será mais lenta e desafiadora. Por outro lado, o momento atual deverá gerar excelentes oportunidades de investimentos”, afirma.
Investidores ouvidos pelo GazzConecta afirmam que, no longo prazo, pouco será afetada a estratégia de alocação de capital. Será um reflexo de teses já consolidadas e que não esperam, necessariamente, retorno rápido. Sendo assim, o Brasil continuará sendo um oceano azul para cheques generosos em tecnologia, especialmente para empresas com boas propostas de valor e, em meio ao risco, que exijam cheques menores e em fases mais iniciais para crescer e sobreviver.
O desafio agora está em observar como startups irão lidar com a necessidade de ações emergenciais de curto prazo sem perder eficiência, entregando resultados que acompanhem o otimismo de quem aloca capital. Tudo isso ao olhar de forma inteligente para os processos de contratação e demissões, considerando mais que os fatores sazonais para decidir quantas pessoas, de fato, tocam o barco.
Além disso, devem levar a melhor empresas que provem ser capazes de manter um modelo de negócio sustentável e menos dependente de rodadas constantes. “Para os empreendedores, o momento é de ajustar a operação para não ser refém de novas captações”, diz Gierun, CEO do Distrito.

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