Superintendência da Receita Federal, em Brasília. Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado
Veto ao papel dos auditores da Receita na investigação de crimes não tributários foi apelidado de “emenda Gilmar Mendes”.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

"O mercado ilegal é movido por duas leis básicas da economia: oferta e procura. O combate à oferta se faz com repressão, desde as fronteiras até às cidades, passando pelas rodovias. Já a demanda se faz com conscientização do consumidor (o que leva tempo) e medidas para diminuir a lucratividade do ilegal". A afirmação é do presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona. Por isso, as discussões para tornar o sistema tributário mais eficiente e a punição aos devedores contumazes mais efetiva precisam estar inseridas nas ações de combate ao mercado ilegal.

Esses temas estão entre as 10 Medidas de Combate ao Mercado Ilegal propostas pelos integrantes do Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes). Em parceria com o Etco, o grupo, que inclui pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), analisou o quadro atual do mercado ilegal no Brasil. Os resultados deste diagnóstico podem embasar novas propostas legislativas e administrativas na área.

MEDIDA 9: Reequilibrar os regimes tributários que estimulam o mercado ilegal

 Eletrônicos importados e cosméticos são pesadamente taxados por não serem bens essenciais e serem de natureza de “consumo de luxo”. (Foto: Pixabay)
Eletrônicos importados e cosméticos são pesadamente taxados por não serem bens essenciais e serem de natureza de “consumo de luxo”. (Foto: Pixabay)

Produtos contrabandeados ou falsificados têm um apelo inegável: os preços são mais baixos do que os praticados pelo mercado formal. Isso acontece justamente porque mercadorias irregulares não se sujeitam aos sistemas de fiscalização e tributação que garantem não apenas o padrão de qualidade, mas também a arrecadação fiscal pelos cofres públicos.

No entanto, quando uma fatia muito grande do mercado de certos produtos, como cigarros ou vídeo games, acaba sendo abocanhada pela informalidade, pode ser necessário repensar o regime tributário.

"A lógica é como se tivesse um vaso comunicante entre tributação e mercado ilegal", exemplifica o especialista em Direito Público José Vicente Mendonça, professor da UERJ. "Se você chega a um certo limite de tributação, começa a esvaziar o mercado legal e a fomentar, indiretamente, o ilegal".

O Cedes considera fundamental uma "recalibragem da alta carga tributária" que incide sobre estes tipos de produtos, assim como perfumes e bebidas alcoólicas. Eletrônicos importados e cosméticos são pesadamente taxados por não serem bens essenciais e serem de natureza de “consumo de luxo”.

Já o caso das bebidas alcoólicas e derivados de tabaco está calcado em políticas de saúde pública, que buscam desincentivar o consumo dessas substâncias.

Cigarro de revenda ilegal do Paraguai
Cada vez mais o brasileiro busca onde comprar cigarro de revenda do Paraguai.| André Rodrigues / Gazeta do Povo

Vismona sugere que, no caso dos cigarros, um novo modelo tributário poderia impor menos impostos às marcas mais baratas e mais tributação às mais caras. "Assim, mesmo mantendo-se a carga tributária elevada, poderemos diminuir a enorme vantagem que o cigarro contrabandeado tem hoje, chegando ao consumidor por R$ 3 (e nada de imposto) enquanto o cigarro legal é vendido por, no mínimo, R$ 5,50 (e 71% de impostos)", explica.

A aposta do grupo de pesquisa é que um reequilíbrio tributário contribuiria para aumentar a arrecadação para os cofres públicos e para diminuir a receita de organizações criminosas associadas ao comércio ilegal. Também teria impacto na recuperação das indústrias nacionais.

"Imposto alto inibe o consumo, encarece os produtos legais e como o ilegal não paga nada, a indústria nacional é afetada na sua competitividade", aponta o porta-voz do Etco.

MEDIDA 10: Adotar medidas especiais de tributação para devedores contumazes

Governo Bolsonaro vai privatizar estatais. E os funcionários dessas empresas?
Empresas ultrapassam o limite da inadimplência e continuam operando com custos mais baixos do que as regularizadas. (Foto: José Cruz / Agência Brasil)

A última das medidas sugerida pela análise dos estudiosos diz respeito a um tipo específico de sonegação de impostos: o dos devedores contumazes.

De acordo com a legislação brasileira, sonegar impostos é crime e sua prática acarreta em condenação de dois a cinco anos de prisão (Lei 8.137, de 1990). No entanto, há empresas que ultrapassam o limite da inadimplência e burlam o fisco intencional e sistematicamente. Além de não sofrerem punições, elas continuam operando com custos muito mais baixos do que empresas que são regularizadas.

Estes empresários são os chamados devedores contumazes, que concorrem deslealmente com o mercado legal.

"A sonegação faz parte do negócio, não é eventual. Não pagando imposto, os produtos serão mais baratos. Essa prática ilegal desequilibra o mercado, pois os que pagam impostos terão dificuldade para manter a competitividade", ressalta Vismona. "Sem a defesa da ética e da lei não há segurança jurídica para novos investimentos e empregos formais".

"Essas empresas também são muitas vezes usadas como uma peça de apoio do mercado ilegal. Elas são abertas e fechadas rapidamente, sem pagar tributo algum – são um mercado cinza", acrescenta Mendonça.

Por isso, o grupo de pesquisa considera tão importante a punição ao devedor contumaz. Isso poderia se dar por meio da fiscalização constante no estabelecimento, adotando um controle especial do recolhimento do tributo e concentrando a incidência do tributo em determinada fase do ciclo econômico.

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