Alfandega Itajai Receita
Alfândega da Receita Federal no Porto de Itajaí (SC): investir em treinamento e tecnologia é fundamental no combate ao descaminho.| Foto: Divulgação/RFB

No ano passado, o Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes), em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), realizou o estudo Mercado Ilegal no Brasil – Diagnóstico e Soluções, que aponta caminhos que podem ser tomados para reduzir o tamanho do problema no Brasil. O estudo deu origem ao documento 10 Medidas Contra o Mercado Ilegal, que recomenda a adoção de iniciativas que abrangem soluções para a administração pública, para as regiões de fronteira, abordam aspectos penais e criminais e questões tributárias.

De acordo com o deputado federal Efraim Filho (DEM-PB), que preside a Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação, as medidas devem nortear um projeto de lei amplo sobre esse tema, cujo texto inicial poderá ser apresentado em 30 dias.

“A Frente traz uma abordagem interessante porque une, sob um mesmo tema, o viés da segurança pública e o da agenda econômica, na defesa do mercado legal e dos benefícios que isso traz”. Para o deputado o maior desafio está na “mudança de cultura” das pessoas em relação ao tema.

O presidente do Instituto de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona, expressa que essas medidas vêm sendo há muito tempo propostas com o objetivo de diminuir o espaço da ilegalidade e da ação das organizações criminosas, e que com a parceria do Etco com o Cedes foi possível aprofundar sua compreensão e aprimorar os meios para que sejam executadas.

As primeiras três propostas apontadas pelo grupo de estudos tratam de soluções relativas à gestão pública de recursos e colaboração entre diferentes órgãos.

MEDIDA 1: Criar sistema integrado de órgãos e entidades de inteligência para mapear possíveis rotas de escoamento de produtos do mercado ilegal

Marcos Aurélio Pereira de Moura, diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Marcos Aurélio Pereira de Moura, diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública| Marcos Corrêa/PR

Por ser uma atividade de escopo internacional e que se expande por todo o território brasileiro, o mercado ilegal impõe um desafio para a coordenação de ações das forças de repressão e fiscalização.

Por isso, a análise do Cedes aponta a importância da integração entre diferentes órgãos para a instituição de um sistema centralizado de vigilância nas fronteiras terrestres, além do compartilhamento de informações obtidas pelas forças de repressão e de fiscalização.

"É constitucionalmente possível ter compartilhamento de informações, por exemplo, entre a Receita Federal e a Polícia Federal no que se refere à informação estratégica para o combate à sonegação fiscal, contrabando e descaminho", aponta a coordenadora do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Vivian Valle.

O especialista em Direito Público José Vicente Mendonça, que é professor da UERJ e um dos membros do Cedes, lembra que essa integração em nível federal pode melhorar, mas que a comunicação com os braços estaduais e municipais é que precisa de mais atenção.

"Seria importante cruzar essas informações, especialmente em relação ao contrabando e à falsificação, que são crimes em que há muita mobilidade. Por isso é especialmente importante integrar esses bancos de dados e realizar operações conjuntas", opina.

De acordo com o Cedes, a implantação desta iniciativa possibilitaria a otimização de recursos e a realização de ajustes em pontos de redundância operacional.

MEDIDA 2: Definir as atribuições de cada órgão da Administração Pública para o combate ao mercado ilegal

Imagem exibe soldado do Exército com carabina fazendo patrulha das margens do Rio Paraná em Foz do Iguaçu, nas proximidades da Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai.
Patrulha das margens do Rio Paraná em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai: aumento da fiscalização na aduana da Ponte da Amizade mudou estratégia de contrabandistas.| Christian Rizzi/Arquivo/Gazeta do Povo

Devido à sua multiplicidade de frentes de combate, o enfrentamento ao contrabando é uma atividade que fica distribuída por diversos órgãos e entidades públicas.

"Tem o aspecto da segurança pública, que fica com as forças policiais, existe um aspecto de marcas e patentes, que fica com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), tem o aspecto da vigilância sanitária, que na União fica com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o controle de fronteiras, que é feito pela Polícia Federal e uma ação residual das Forças Militares", exemplifica Mendonça.

Além disso, ele explica que o contrabando e a falsificação também são fenômenos com diversos aspectos jurídicos.

"É uma questão frequentemente penal, mas também é tributária, de marcas e patentes, e implica em uma concorrência desleal com o mercado regular. Portanto, cada faceta desse fenômeno justifica a atuação de um órgão ou de uma entidade pública diferente. Não há um órgão único que atue ou possa atuar em todos os aspectos do contrabando e da falsificação. Mas a integração sempre é melhor", afirma o pesquisador.

Assim, o diagnóstico do Cedes é de que a efetividade plena do combate ao mercado ilegal só acontecerá quando forem resolvidas questões de sobreposição de atribuições destes órgãos.

"Os órgãos têm atribuições definidas, mas precisamos gerir melhor a informação, estabelecer condutas e fazer o planejamento de ações", acredita Valle.

Ela analisa, ainda, que pela dimensão do problema relacionado ao contrabando de larga escala e o tamanho de sua estrutura financeira, é necessário que os diferentes entes públicos estejam em sintonia.

"[O combate a esse crime] precisa de uma atuação conjunta macroeconômica com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público Federal. Porque são órgãos importantes que poderiam trazer, junto com o Ministério da Justiça na organização, uma atuação concertada", destaca.

MEDIDA 3: Destinar recursos específicos para o combate ao mercado ilegal

Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, no Paraguai, é um dos principais pontos de entrada do contrabando no Brasil.  | ALBARI ROSAgazeta
Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, no Paraguai, é um dos principais pontos de entrada do contrabando no Brasil. 

A atuação de cada um dos órgãos já citados depende de investimentos contínuos. O grupo considera que estes recursos não precisam ter vinculação específica e devem ser levados em conta principalmente os recursos humanos.

"Especialmente nas áreas de fronteira, tem que ter servidor público ali na ponta. É preciso criar incentivos para que o servidor queira ficar nas áreas de fronteira - como alguma gratificação ou com a criação de concursos específicos para aquela região", sugere o professor da UERJ.

Ele acredita, ainda, na importância da adoção de novas tecnologias e técnicas mais eficientes, como a inteligência artificial, para combater o mercado ilegal.

Ao Poder Executivo, caberia incluir nas previsões orçamentárias nacionais despesas com ações de repressão e controle e a manutenção dos órgãos de prevenção dos crimes relacionados ao mercado ilegal.

"A palavra fundamental, que determina sucesso e eficiência em qualquer ação administrativa, é planejamento. Desenvolvimento econômico se faz com planejamento. E combate ao contrabando e descaminho se faz com planejamento", conclui Valle.

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