Apreensões foram registradas no dia 20 de agosto, em ação conjunta de equipes da PRF, PF, Exército e Receita Federal; valor de mercado das cargas ilícitas supera R$ 4,75 milhões
Apreensões foram registradas no dia 20 de agosto, em ação conjunta de equipes da PRF, PF, Exército e Receita Federal; valor de mercado das cargas ilícitas supera R$ 4,75 milhões| Foto: Divulgação / PRF

No mesmo mês em que uma pesquisa do Ibope apontou novo aumento no consumo de cigarros contrabandeados no Brasil, um grupo de trabalho montado no governo federal entregou um relatório recomendando uma série de novos estudos e medidas para enfrentar o problema. E sem descartar, a médio prazo, medidas econômicas e tributárias que possam ajudar a reduzir o contrabando.

A pesquisa, feita anualmente pelo Ibope desde 2014, e cuja última edição foi divulgada no início de agosto, mostra que pelo segundo ano consecutivo foram consumidos, no país, mais cigarros ilegais do que regulares.

A fatia de mercado abocanhada pelos cigarros ilegais já tinha passado de 48% em 2017 para 54% em 2018. Este ano, a taxa disparou para 57%. Estão incluídos nela itens contrabandeados do Paraguai, que representam quase a metade (49%) e, em menor número, os produzidos aqui mesmo no Brasil, por empresas que não pagam impostos sistematicamente (8%).

Enquanto isso, no último dia 13, o Grupo de Trabalho instituído pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para avaliar a possibilidade de reduzir a tributação de cigarros nacionais como forma de combater o contrabando entregava ao ministro Sergio Moro seu relatório final (leia aqui).

O grupo foi formado por representantes dos ministérios das Relações Exteriores, Saúde e Economia, além de membros das polícias Federal e Rodoviária Federal, da Secretaria Nacional do Consumidor e da Assessoria Especial de Assuntos Legislavos, todos assistidos pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP).

Outras realidades

O relatório do GT, assinado pelo secretário nacional do Consumidor, Luciano Timm, apontou que estudos internacionais que mostram aumento no consumo de cigarros após a redução do seu preço levam em conta realidades de outros países. Portanto, há necessidade de aprofundamento nesse aspecto.

Dessa forma, o documento recomenda a continuidade das discussões no âmbito dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Economia e da Saúde e em fóruns internos e externos, deixando aberta a possibilidade de novas abordagens de enfrentamento ao problema.

À Gazeta do Povo, Timm ressaltou que o MJSP tem investido em reforçar as ações de inteligência e de cooperação entre as diversas agências que tratam do tema. Na prática, isso significa reuniões mensais dos órgãos de governo que compõem o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade intelectual (CNCP) e as ações da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) como a operação Horus.

"O intuito destas ações é desarticular as quadrilhas de forma mais abrangente, em toda a sua estrutura e não apenas em ações pontuais, o que terá mais eficácia a longo prazo. Além disso, é fundamental trabalhar em conjunto com o Governo Paraguaio na solução do problema", explicou.

"Tudo isso, sem prejuízo de uma discussão a médio prazo baseada em evidências sobre aspectos econômicos do crime e da tributação, conforme apontado no Relatório", completou.

Compromissos

Sessão do Senado paraguaio que rejeitou aumento de impostos ao cigarro: justificativa é de que tema voltará à pauta nas discussões sobre novo marco tributário no país. | Divulgação/Congreso Nacional (Paraguay)
Sessão do Senado paraguaio que rejeitou aumento de impostos ao cigarro: justificativa é de que tema voltará à pauta nas discussões sobre novo marco tributário no país.

Em relação ao Paraguai, o Ministério das Relações Exteriores se dispôs a continuar com os esforços para adoção de acordos e providências bilaterais com o país vizinho, que contribuam para a diminuição do problema.

No documento, a Polícia Federal foi mais incisiva, registrando que "a repressão policial pura e simples não tem conseguido frear, sozinha, o contrabando de cigarros na região". E acrescentando que o contrabando, em especial de cigarros, movimenta "intensa rede criminosa, acarretando diversos outros crimes".

O órgão ainda defendeu, nas reuniões do GT, a adoção de uma faixa de cigarros populares, menos tributados, como estratégia para desestruturar as redes formadas para o contrabando.

Já ministérios como os da Economia e da Saúde foram contrários a reduções nos tributos, ficando ainda em dúvida em relação à efetividade da medida. O relatório termina ressaltando que os levantamentos realizados "não foram exaustivos e novos estudos e discussões devem ser promovidos".

Apreensão  de cerca de 450 mil carteiras de cigarros pela PRF em Guaíra (PR), no último dia 26 de agosto. O valor estimado da carga chega a R$ 2,25 milhões
Apreensão de cerca de 450 mil carteiras de cigarros pela PRF em Guaíra (PR), no último dia 26 de agosto. O valor estimado da carga chega a R$ 2,25 milhões| Divulgação / PRF

Outra contribuição indicada no relatório foi da Polícia Rodoviária Federal, com informações sobre a complexa logística das quadrilhas de criminosos envolvidas no contrabando do produto, reconhecendo que o contrabando de cigarros implica o financiamento e cometimento de outros crimes (roubo, furto, receptação, homicídios, lavagem de dinheiro, corrupção de agentes públicos, ameaças a agentes públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas) e influi na dinâmica social nas regiões fronteiriças envolvidas. Também estimula que o crime organizado seja atraído pelas altas margens de lucro.

Diversificação

O coordenador do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luciano Godoy afirma que apesar do crime do contrabando remeter a questões de segurança nas fronteiras, que para ele devem continuar sendo objeto de preocupação, é necessário diversificar a atuação: "Também tem que atuar em um front muito importante que é a reflexão sobre a carga tributária", recomenda, a partir de conclusões do próprio Cedes.

De acordo com Godoy, os altos índices de cigarros ilegais no mercado brasileiro carregam uma grande preocupação ao país. Ele aponta como principais causas disso a recessão que desde 2015 diminuiu o rendimento dos consumidores e o aumento da tributação dos cigarros regulares, especialmente por conta de ajustes no ICMS dos estados.

"Isso aumentou muito as oportunidades para os contrabandistas, que oferecem um produto mais barato a uma população com renda mais baixa", avalia. "Isso para o Brasil é muito ruim nem só pela perda de arrecadação, mas também pelo efeito indireto que é o financiamento do crime organizado pelos contrabandistas."