O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresenta números do programa Vigia. Mesmo mais organizada, repressão não freia o contrabando.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresenta números do programa Vigia. Mesmo mais organizada, repressão não freia o contrabando.| Foto: Divulgação / MJSP

Apenas entre abril e outubro deste ano, a Operação Hórus estima que impediu a entrada de mais de 985 milhões de maços de cigarros ilegalmente no Brasil. Em cifras, o montante representaria R$ 4,93 bilhões de prejuízos aos cofres públicos. A Operação faz parte do Programa Vigia, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e é realizada com o apoio da Secretaria de Operações Integradas e outras diversas instituições.

Apesar do fortalecimento da atuação das forças de segurança pública para impedir a entrada do produto, o contrabando não foi recuado nas fronteiras. Para entender o porquê, o #DentroDaLei conversou com autoridades diretamente envolvidas no combate a esse crime.

Segundo Eduardo Bettini, coordenador-geral de fronteiras da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), braço do Ministério da Justiça criado este ano e que coordena a Operação Hórus, os bons resultados vêm acontecendo por conta de algumas inovações no estilo dos trabalhos das autoridades. Uma das principais, explica, é a adoção de uma operação permanente, com equipes menores, mas altamente confiáveis e com boa capacidade de adaptação.

"A Hórus é a nossa operação piloto, que nos deu uma nova visão sobre o que é possível fazer na fronteira", conta Bettini. Com mais tempo para planejarem, as autoridades conseguiram, na região de Guaíra (no oeste do Paraná), bloquear o fluxo de cerca de 200 lanchas por noite, que atravessavam a fronteira pelo rio Paraná transportando contrabando.

"Assim já evitamos R$ 111 milhões de prejuízos aos cofres públicos, em uma operação que até agora não custou nem perto de R$ 1 milhão", revela. "Não existe fronteira para as organizações criminosas. Nós buscamos trabalhar em cima da vitalidade financeira delas, e o contrabando é uma das atividades que dão vitalidade", completa.

Nem orçamentos bilionários resolvem o problema

Treinamento do Programa Vigia. Operações permanentes e mais organizadas conseguem bons resultados, mas crime organizado se adequa para continuar atravessando a fronteira.
Treinamento do Programa Vigia. Operações permanentes e mais organizadas conseguem bons resultados, mas crime organizado se adequa para continuar atravessando a fronteira.| Divulgação / MJSP

Mesmo com mais planejamento e eficiência, as operações continuam não conseguindo estancar toda entrada de contrabando. Recém-chegado da 24ª Conferência da Frontex – a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira –, em Varsóvia, na Polônia, Bettini percebeu que o trabalho tem que ser constante e envolver várias frentes. E que, mesmo na Europa, onde a área tem orçamento de bilhões de euros, o contrabando sempre vai estar à procura de brechas.

No Brasil, onde o orçamento é bem mais limitado e as fronteiras muito mais complexas, não seria diferente. Para o delegado executivo da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Fábio Seiji Tamura, que acompanha há mais de dez anos a situação na fronteira, "a repressão tem sido bem forte. Dificulta o contrabando, mas os contrabandistas continuam passando".

Para Tamura, a principal motivação é o preço. "Mesmo que haja apreensões de cargas, caminhões, e com o custo de advogados para representar [os criminosos], os produtos vão continuar entrando", avalia Tamura. Isso mesmo contando com uma logística complicada, que exige um transporte dedicado ao produto, ao contrário de eletrônicos, por exemplo, que podem ser escondidos em fundos falsos de veículos.

A entrada em massa desse produto na fronteira também traz outros problemas para o Brasil, como a corrupção de autoridades que acabam fazendo vista grossa para a entrada do item. "É uma questão cultural local", diz Tamura, explicando que muitas pessoas veem o produto como uma forma de sustento, sem perceber os crimes que vêm de carona, como o contrabando de drogas e armas, e disputas muitas vezes violentas entre contrabandistas.

Vista grossa também estimula o crime

Depois que o contrabando atravessa a fronteira para ser oferecido dentro do mercado brasileiro, o problema é até mais profundo. Para o analista de políticas públicas e consultor de segurança pública Paulo Storani, que já foi capitão da Polícia Militar e instrutor do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, não há como combater o comércio ilegal sem mais investimentos públicos.

"Veja a dificuldade que o Ministério da Justiça e Segurança Pública tem para aprovar um pacote anticrime", exemplifica. Para ele, produtos como o cigarro ilegal atingiram um nível de lucratividade que levou grupos criminosos como os traficantes de drogas e as milícias a investirem nesse comércio, ao menos no Rio de Janeiro, onde ele vive. "Às vezes o cigarro é mais viável que as drogas", alerta. "Não vai ter operação da polícia para coibir a venda de cigarros", completa.

E ainda levanta a questão de que "a penalização teria que ser aumentada. Não deveria haver arrefecimento como há hoje.(...) É necessária uma estrutura que faça com que o criminoso oportunista pense duas vezes antes de cometer o crime, seja por uma maior possibilidade de ser preso em flagrante ou por meio de investigação", conclui.

Mais apreensões não evitam crescimento do contrabando

Segundo dados da semestrais da Receita Federal, 2,5 bilhões de cigarros ilegais foram apreendidos no Brasil do início do ano até maio. O volume representa 56% do total de mercadorias – de todos os tipos – que o órgão recolheu neste período.

Dados anteriores mostram a dimensão do problema: o ano de 2018 testemunhou a quinta alta seguida no valor total de apreensões de mercadorias contrabandeadas no Brasil, de acordo também com dados da Receita. Na década atual, apenas em 2013 houve queda em relação ao ano anterior.

O valor recorde do ano passado é R$ 3,16 bilhões em mercadorias irregulares, um salto de 40% em relação a 2017, quando o total foi de R$ 2,3 bilhões. Em 2010, esse número era de R$ 1,27 bilhão.

Por mais que esses números comprovem que as forças de repressão continuam funcionando – mesmo sofrendo com efetivos que não aumentaram nesse período –, dados recentes indicam que a distância entre o que é apreendido e o que acaba entrando no mercado continua grande.

As estimativas do Ministério Público Federal e do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) são de que se apreenda apenas 10% do que entra ilegalmente no país. Ou seja, mais apreensões indicam que mais produtos ilegais entraram no país.

As perdas para o mercado ilegal também seguem evolução parecida com as apreensões. Os números vêm tendo altas consecutivas pelo menos desde 2014. Naquele ano, o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) calculava que o país perdeu R$ 100 bilhões para o mercado ilegal.

Em 2018, as perdas foram estimadas pelo FNCP em R$ 193 bilhões. Assim como nas apreensões registradas pela Receita, houve um salto significativo, de 32%, em relação a 2017, quando o valor fechou em R$ 146 bilhões. Esse valor é a soma das perdas registradas por 13 setores industriais e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados em função desse crime.

Ibope registra novo crescimento no mercado ilegal

Com margem de lucro alta e uma certa tolerância de parte das autoridades, os cigarros se tornaram, nesse período, a "menina dos olhos" para os contrabandistas que acessam o mercado brasileiro via Paraguai. Em números de uma nova pesquisa realizada pelo Ibope, o Brasil registra crescimento do mercado ilegal de tabaco pelo sexto ano consecutivo.

Segundo o Ibope, 57% de todos os cigarros consumidos no país em 2019 devem ser ilegais, sendo 49% contrabandeados (principalmente do Paraguai) e 8% produzidos por fabricantes nacionais cujos produtos chegam ao consumidor por valor abaixo do preço mínimo. Isso significa que 63,4 bilhões de cigarros ilegais circulando nas cidades brasileiras são ilegais. Um número que representa um crescimento de 3 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2018.

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