tarifa de ônibus
| Foto: Antonio More/Gazeta do Povo

Diversas cidades estão discutindo a possibilidade de flexibilizar a cobrança da tarifa de passageiros. O sistema de transporte público é coordenado para suportar a necessidade dos horários de pico – no início da manhã e no fim da tarde –, mas, via de regra, fica ocioso no resto do dia. O custo, por outro lado, é fixo, pois, independentemente do número de passageiros, os veículos seguem rodando, conforme o planejamento estipulado pelos órgãos municipais ou regionais.

Um estudo realizado pela Associação Nacional dos Transportes Urbanos (NTU), em 2017, mostrou que o custo é o principal entrave para o retorno dos passageiros ao sistema de transporte público. Mais de seis em cada dez entrevistados (62,4%) afirmou que voltaria a usar o transporte coletivo em caso de redução de tarifas – houve uma mudança ao que foi indicado na última década, pois a mesma pesquisa realizada pela instituição colocava o conforto e a velocidade das viagens como a prioridade dos passageiros.

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É esse problema que os municípios estão tentando atacar ao solicitarem às Câmaras Municipais a possibilidade de ofertarem tarifas diferenciadas, conforme a demanda. A prefeitura de Curitiba, por exemplo, fez esse pedido aos vereadores no mês de junho, sem especificar como se daria o funcionamento. Para o professor do Departamento da Administração da UFPR e coordenador do Grupo de Tecnologia Aplicado à Otimização, Cassius Scarpin, a flexibilização da cobrança se tornou uma questão de sobrevivência do transporte coletivo.

“O modelo atual de cobrança está defasado e gera prejuízo a todos, à população em especial. Com a flexibilização, é possível estabelecer um valor mínimo de cobrança e o máximo. Ao estabelecer uma diferença de valores, traz-se atratividade e competitividade ao transporte público”, explica Scarpin. De acordo com ele, essa forma de cobrança é semelhante à adotada pelos aplicativos de transporte, que se tornaram uma concorrência recente para os ônibus.

Segundo Scarpin, a cobrança de valores diferenciados em horários de menor demanda seria um estímulo aos passageiros.

“Se as empresas tivessem essa liberdade, seria possível estabelecer uma concorrência mais justa, mais equalizada, com os aplicativos”, diz. “Por causa de R$ 1, muitas pessoas optam pelo aplicativo. Se o valor fosse menor, mais pessoas poderiam estar usando o ônibus”, revela.

Transporte individual

Uma pesquisa realizada pelo Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Carlos Henrique Ribeiro Carvalho determinou a elasticidade dos gastos com transporte urbano e a aquisição de veículos privados. No estudo, ele conclui que há um padrão de gastos dos brasileiros em relação ao transporte público e ao individual, conforme análise das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Recife e Belém.

“Observa-se claramente um padrão de forte crescimento de gastos das famílias com o uso e a aquisição de veículos privados à medida que a renda aumenta. Isto indica um padrão de gasto bastante elástico, ao mesmo tempo que os gastos com transporte coletivo são decrescentes a partir de um determinado ponto”, analisa Carvalho. A partir do momento em que a renda per capita atinge aproximadamente R$ 900, os gastos com o veículo privado já superam o do transporte coletivo.

O pesquisador menciona que os brasileiros são mais propensos a comprometer sua renda com a aquisição e uso do transporte privado. “Pode-se verificar que somente as famílias de mais baixa renda aumentam seus gastos com transporte coletivo quando há elevação de seus rendimentos, já que, nas famílias de maior poder aquisitivo, a elasticidade-renda dos gastos per capita com transporte coletivo passa a ser negativa, indicando uma fuga por parte destas pessoas da modalidade de transporte público”, avalia.

Diluição do pico

Se os ônibus rodam vazios no intervalo dos picos, eles estão sobrecarregados nos horários de maior demanda – a NTU indica que o principal uso para o transporte é o deslocamento para o trabalho. A possibilidade de flexibilizar o valor da passagem seria uma maneira de reduzir o problema, na avaliação de Scarpin.

“Hoje, as empresas funcionam nos mesmos horários, gerando o pico de uso. Se o empresário, responsável por arcar com o vale-transporte, tiver a possibilidade de reduzir esse custo com os horários diferenciados, ele o fará, criando demandas em horários diferentes, porque muitas companhias podem se adaptar a uma nova rotina”, explica.

Os benefícios, de acordo com o professor da UFPR, seriam sentidos em inúmeras áreas: menos poluição, menos trânsito nas ruas nos horários de maior movimento e maior competitividade para o transporte público. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou outro ponto a ser considerado: o aumento das viagens a lazer. Esse tipo de deslocamento é mais sensível ao valor do que o deslocamento para o trabalho – por questão de necessidade. Com menor custo, aumenta-se a atratividade.

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