No segundo episódio da série especial Papo Mobilidade, que está mostrando como será o transporte público do futuro, especialistas em políticas públicas e transporte coletivo discutem quais são as principais estratégias que as cidades inteligentes já adotaram ou que são tendência para transformar o transporte coletivo em prioridade.

Participam da discussão o diretor do programa Cidades Sustentáveis do WRI Brasil (World Resources Institute), Luis Antonio Lindau, a coordenadora do programa Melhores Práticas da União Internacional de Transportes Públicos (UITP), Valeska Peres Pinto, e o CEO da Metrocard, Ayrton Amaral Filho. Este debate pode ser acessado em também no canal do Youtube do GazzConecta ou no formato de podcast nas plataformas Spreaker ou Spotify.

Um dos desafios dos convidados foi responder não só como manter os quase 40 milhões de brasileiros que já utilizam o transporte público diariamente dentro deste sistema, como também atrair novos passageiros para o coletivo em um cenário de surgimento de outros modais e modelos de negócio em transporte privado de passageiros.

Para a especialista da UITP, a saída para esta atração é encarar o transporte público como um sistema de redes: em vez de concorrer com outros modais, o coletivo passa a ser parte integrada do sistema de transporte urbano, oferecendo aos passageiros a possibilidade de percorrer um mesmo trecho utilizando diferentes veículos. “O transporte público não é uma ilha e não tem como se isolar do reflexo de tudo que está acontecendo em nossa sociedade. Precisamos sair desse modelo ‘tronco-alimentado’ e pensar como uma rede digital, entender a mobilidade como um serviço de plataformas interconectadas, entrando no século 21”, declara Valeska.

“Assim como a bicicleta, o estacionamento, e até as calçadas por onde os pedestres andam, bem como o sistema de cargas... Todos podem ser interconectados e têm um papel. Eles precisam ser chamados em conjunto a concorrer a uma mobilidade sustentável”.

Outro ponto fundamental defendido por Valeska para tornar o transporte prioritário é analisar o sistema pela ótica dos passageiros, o que eles querem e como precisam ser tratados. “O transporte coletivo será valorizado à medida que ele se aproprie do espírito do tempo que vivemos. A expectativa das pessoas é não serem tratadas como massa. Elas querem ser reconhecidas em sua singularidade. Então é preciso perceber que as mulheres não possuem os mesmos hábitos de locomoção do que os homens. Os jovens também fazem uso diferente do transporte público do que o trabalhador. A própria lógica da criação do sistema passa pela ideia de levar trabalhadores para suas indústrias, e hoje temos um módulo de trabalho muito mais voltado para o setor de serviços, ainda mais com o recém estabelecimento do home office, que não exige a mesma rigidez de transporte do passado”, opina a especialista da UITP.

“É preciso que o setor comece a estar online para conversar com as pessoas, multiplicar nossa capacidade de relacionamento até com que não usa transporte público. É preciso sair do campo técnico e passar a agir politicamente, rumo a ações de mudança concretas”, defende.

A lógica de enxergar o transporte público como parte integrante dos problemas e soluções das cidades também é uma pauta defendida por Lindau. O representante do WRI Brasil lembrou que congestionamentos causados pelo excesso de carros nas ruas consomem de 3% a 5% do PIB brasileiro anualmente. Além disso, a poluição do ar mata 40 mil pessoas no Brasil neste mesmo período, número similar ao registrado por mortes no trânsito. “Só uma faixa exclusiva dedicada ao transporte coletivo consegue transportar 10 vezes mais pessoas do que se estivesse sendo usada por automóveis. Então é chegada a hora de a população se apropriar de bandeiras como a priorização do transporte público. A sociedade já mostrou que tem interesse nisso em 2013, mas os projetos se perderam. Talvez a pandemia tenha essa capacidade de ser um marco para entrarmos em um novo século, nos despirmos de certas bagagens que nos impedem de construir uma nova mobilidade”.

Entre as estratégias citadas por Lindau para reverter a perda rotineira de passageiros estão maiores investimentos por parte do poder público neste setor através da taxação do transporte individual. “Faz toda a lógica econômica. Um bom exemplo é pensarmos na ocupação do espaço público por carros particulares. Isto deveria ser cobrado para os recursos melhorarem uma mobilidade coletiva, que atenda a todos. Podemos pensar no estacionamento de longa permanência próximo ao meio-fio, que não é cobrado, ou nos embarques e desembarques por transportes de aplicativo, que muitas vezes travam o trânsito. Outra saída é taxar o uso das vias em horário de pico, que nada mais é do que uma cobrança por congestionamento e pela geração de poluentes locais. Um veículo privado gera muito mais poluição por passageiro transportado do que o coletivo”, resume.

“Então se de um lado vamos ter este recurso, do outro é necessário que este dinheiro seja aplicado na eficiência e qualidade do transporte público, com um uso maior de dados coletados em tempo real e frotas mais limpas, caminhando rumo às tendências mundiais”.

Durante o debate, o CEO da Metrocard, Ayrton Amaral Filho, acrescentou sugestões de mudanças estruturais que precisam ser feitas, tais como o aumento de faixas prioritárias para o transporte em grandes cidades e a priorização semafórica. “Isso não é feito para não causar problemas em alguns cruzamentos, mas poderia ser facilmente resolvido com passagens de nível para os ônibus”, comenta.

Para Amaral, é necessário que haja uma política pública de estado e não partidária para que todas essas estratégias se alinhem. “O que percebemos é que não existe uma continuidade nos projetos, e as prioridades vão sendo modificadas. O nome do jogo é um só: velocidade. O passageiro vai escolher o transporte coletivo quando ele for mais rápido e seguro do que o transporte individual. E, para ter essa atratividade, é preciso ter política pública de estado”, arremata.

A Associação Metrocard, patrocinadora do programa Papo Mobilidade, responde institucionalmente pelos interesses das 18 empresas operadoras do transporte público da Região Metropolitana de Curitiba, uma soma de mais de 900 ônibus. Um dos papéis da associação é a interlocução com o governo, com a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) e a operacionalização do sistema de bilhetagem eletrônica, na venda de créditos pelo site, aplicativos e lojas físicas.

Através do projeto Move Metrocard na Gazeta do Povo, a associação promove o programa Papo Mobilidade. O terceiro episódio da série discutirá como o sistema público de transporte pode ser sustentável economicamente.