A mobilidade urbana no Brasil privilegia o transporte individual de passageiros, seja através do investimento em infraestrutura para acomodar automóveis nas pistas ou através da isenção de impostos e políticas de controle tarifário dos combustíveis. É preciso que esta lógica seja invertida e passe a financiar o sistema coletivo de transporte, que está próximo do colapso financeiro. É esta a argumentação central dos especialistas reunidos no terceiro episódio do Papo Mobilidade, uma série criada pelo GazzConecta em parceria com a Metrocard para discutir como será o transporte público do futuro.

A associação Metrocard, que representa as 18 empresas operadoras do transporte público da Região Metropolitana de Curitiba, promoveu o debate veiculado em vídeo e podcast, que pode ser acessado nas plataformas Youtube, Spreaker e Spotify. Representando a associação, o diretor-geral da Viação Santo Ângelo, Edilson Miranda, esteve com o secretário extraordinário de mobilidade urbana de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello, e o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira.

Os especialistas discutiram como tornar a operação do transporte coletivo no Brasil sustentável economicamente. Para introduzir o assunto, Vieira comentou a grave situação em que as empresas se encontram, na qual seis em cada dez companhias estão com um endividamento superior a 40% do faturamento anual. “Neste momento de dificuldade econômica, que vem desde os anos 1990, acentuada em 2013 e agora agravada pela pandemia, precisamos de uma ajuda emergencial do governo. Foi aprovado um valor de R$ 4 bilhões para o socorro, que é bem-vindo, mas o déficit das empresas já é superior a isto. Para além desta ajuda emergencial é preciso trabalhar em uma situação definitiva para o transporte público multimodal. O modelo atual está esgotado”, garante Vieira.

Já uma solução em longo prazo, na opinião da NTU, passaria pela revisão dos contratos com os empresários, dando maior segurança jurídica para quem opera linhas públicas, aumentando a participação do poder público no risco de queda de demandas e estabelecendo modelos de parcerias público-privadas (PPP). “Acreditamos que a concessão patrocinada deve envolver a participação do poder público no equilíbrio da demanda pelo transporte. É preciso rever a questão da tarifa, que deve ser de responsabilidade do poder público local e fixar uma tarifa que caiba no bolso do usuário. Mas o serviço precisa ser remunerado de acordo com os custos desta atividade, independente do quanto está sendo cobrado do passageiro. Essa remuneração precisa ser feita por um fundo extra tarifário, que pode vir de diferentes fontes como uma taxação sobre a gasolina, estacionamentos públicos e privados, saída do licenciamento anual. É o transporte individual financiando o coletivo”, resume o presidente da NTU.

O empresário Edilson Miranda lembrou que 75% dos custos envolvidos para operar linhas urbanas passam pela remuneração de pessoal (50%) e a aquisição de diesel (25%). “É fácil entender que estas duas rubricas não possuem flexibilidade para trabalharmos em questão de redução de custos. O consumo de combustível é restrito à tecnologia dos veículos e a operação com pessoal precisa ser mantida em 100% nos horários de pico. Então existe apenas uma faixa de 25% de custos em que podemos atuar para tentar baixar os gastos da operação”, explica. Para Miranda, é preciso pensar em mudanças estruturais, capazes de eliminar a remuneração exclusiva pela tarifa.

“Existem modelos que inclusive cobram taxas fixas das empresas pelo número de funcionários contratados, deixando o transporte público para uso livre. Somando isso a outras formas de financiamento podemos ter uma evolução significativa do transporte no Brasil e inverter a ideia de que o transporte público é usado apenas pela população menos favorecida”, pontua.

Conduzindo algumas experiências semelhantes a esta em Porto Alegre, o secretário extraordinário de mobilidade urbana da capital gaúcha, Rodrigo Tortoriello, explicou alguns dos projetos que estão para serem votados na câmara da capital gaúcha. O pacote de medidas promete reduzir o valor da passagem de R$ 4,70 para R$ 2 para a população em geral, R$ 1 para estudantes e isentar trabalhadores, caso seja aprovado em sua integralidade.

Entre as medidas está a criação de uma taxa de congestionamento, que envolve a cobrança para veículos particulares acessarem o Centro Histórico de Porto Alegre. A tarifa promete reduzir em 34% os custos diretos com as passagens de ônibus. Outra importante medida seria a exclusão da taxa municipal de gestão do sistema, que hoje fica com 3% do que é arrecadado dentro dos ônibus, e a cobrança de R$ 0,28 por quilômetro rodado de aplicativos de transporte individual, com reversão integral dos valores para o subsídio do transporte público.

“No Brasil, nós sempre financiamos o transporte individual sem perceber. Quando a gente pinta vagas de estacionamento nos centros da cidade, estamos financiando o individual, sem perguntar para o cidadão que anda de ônibus se ele concorda com aquilo ou não. A instalação viária é feita para atender o individual, com a construção de avenidas com três a cinco faixas de rolamento. O transporte público só precisa de uma faixa para levar até 20 mil pessoas por hora em um sentido”, explica Tortoriello.

Para o secretário, é chegada a hora de a sociedade brasileira tomar consciência de que o transporte privado precisa devolver o subsídio recebido nas últimas décadas através da redução de impostos — como o IPI e o controle artificial dos preços de etanol e gasolina — ao sistema público. “Trata-se de uma mudança de postura e cultura, entendendo que o transporte individual não precisa ser demonizado, mas sim tratado como colaborador e financiador do transporte coletivo”, finaliza.

O quarto episódio da série Papo Mobilidade será sobre tendências em pagamentos digitais dentro do transporte público. Acompanhe pela página especial da Metrocard na Gazeta do Povo.