Marcelo Alves (dir) no projeto “Anjos da Alegria” do Hospital Nossa Senhora das Graças | Arquivo pessoal
Marcelo Alves (dir) no projeto “Anjos da Alegria” do Hospital Nossa Senhora das Graças| Foto: Arquivo pessoal

Quantas vezes já ouvimos que uma pessoa foi ajudar alguém e no final das contas quem se sentiu ajudada foi ela mesma? Os benefícios vão desde a satisfação por estar colaborando com uma causa, o aprendizado de novas habilidades, até mesmo uma nova maneira de ver os problemas, as pessoas ou o mundo. 

Jeniffer Sousa, jornalista, entrou para o voluntariado quase sem querer. A iniciativa surgiu como uma necessidade, por causa de um trabalho de conclusão de curso em que ela escreveria um livro-reportagem sobre um lugar que atendia pessoas carentes. Ela começou a fazer o trabalho em um abrigo e, em pouco tempo, acabou deixando de lado o bloquinho de anotações e começou a se envolver no trato com crianças em situação de abandono praticamente todos os dias da semana. 

“No começo era só para fazer o trabalho da faculdade. Eu ia lá só com o bloquinho de notas. Depois de um mês, eu ia todos os dias e, quando eu voltava para casa, ficava arrasada. Sentia um baque muito grande. As crianças pediam carinho. E acabei ficando muito próxima da coordenadora do abrigo, ela era uma mãe para eles, que me deixou ajudar muito. Eu saia de lá 9 horas da noite e ela me dava carona até em casa quando, por exemplo, faltava uma cuidadora. Eu ficava”.

“Não achava justo eu estar ali e não ajudar”. 

Jeniffer foi testada em uma situação limite e tirou muitas lições da experiência. “Tinham dois gêmeos de 6, 7 meses. Um deles ficou doente e eu fiquei no hospital com ele. Foi difícil. Eu não sou mãe e tinha aquele bebezinho para cuidar, dar banho, fazer dormir, dar ‘mamá’. Porque eu era a única acompanhante que ele tinha. E eu ficava pensando: ‘imagina se eu derrubo esse neném’. Já é difícil pegar um neném que você sabe quem é a mãe, imagina pegar um que você nem sabe Ele ficou internado quinze dias, mas graças a Deus melhorou. Depois desse acontecido no hospital, eu fiquei mais tocada ainda. Foi um choque de responsabilidade”. 

O maratonista extremo Marcelo Alves também acabou se envolvendo muito mais do que o “planejamento” inicial. A ideia de ajudar as crianças com câncer surgiu em 2012, após assistir a um vídeo alegre em que os pacientes do Hospital Nossa Senhora das Graças pediam para as pessoas fazerem o cadastro de doador de medula óssea. 

“Eu já era doador de sangue e nunca tinha feito doação de medula. Então fui me informar sobre como funcionava. Fui ao hospital e recebi todas as informações: que era muito simples, que só tira 5 ml de sangue e que somente se existisse alguém compatível é que você faria a doação. E neste momento eu descobri que o cadastro era mundial. Então você se cadastra para a doação de medula e pode salvar uma pessoa em qualquer lugar do mundo. Como eu estava indo fazer uma prova internacional, na Antártida, com uma cobertura muito grande da mídia, principalmente de fora, decidimos fazer uma réplica de um cartaz que é usado no vídeo e eu cruzei a linha de chegada com esse cartaz”, conta Marcelo. 

Depois disso ele ficou mais próximo do hospital e acabou se envolvendo em um projeto chamado “Anjos da Alegria”, em que voluntários se vestem de palhaço para alegrar as crianças do departamento de oncologia. O grupo se reúne uma vez por mês para tirar sorrisos de pacientes em situação tão delicada. 

“Anjos da Alegria” levam momento de descontração para crianças internadas em hospital Arquivo pessoal

Benefícios 

Os benefícios para as pessoas ajudadas por aquela ação voluntária são claros. Mas muita gente que decide fazer algo pelo próximo se surpreende pelos benefícios que ela percebe na própria vida. Mirian Midori Garcia, coordenadora e palestrante do Centro de Ação Voluntária, explica que, ao auxiliar pessoas que têm necessidades nas mais diversas áreas, seja saúde, educação, esporte, lazer, meio ambiente, entre outras, a pessoa acaba recebendo mais do que dá. 

“Através do trabalho voluntário, existe um desenvolvimento como pessoa, como ser humano, e também profissionalmente. A pessoa aprende, começa a descobrir outras potencialidades que nem imaginava que tinha. Aumenta o círculo de amizades. Sente que pode contribuir para uma sociedade mais justa, tem uma maior visão de mundo, percebe que existem pessoas em situações bem piores do que a nossa”. 

Mirian, que é especialista em planejamento educacional, desenvolvimento infantil e relações humanas, acredita que o voluntário, como cidadão, passa a influenciar na formulação das novas políticas públicas.

“Ele passa a contribuir para a qualidade de vida da sua comunidade, onde mora. O mais gratificante é ver que, mesmo que você seja apenas um grão, uma gota no oceano, você faz a diferença”. 

“O voluntariado transformou a minha relação com a minha família. Na época da faculdade, eu saia cedo, voltava tarde, mal falava com a minha mãe, só via meu irmão final de semana. Mas quanto mais eu percebia que aquele abrigo era uma família, mais eu me conectava com a minha. E isso ficou. Hoje em dia, mesmo morando longe, a minha relação com a minha mãe e meus irmãos é outra. A gente se fala todos os dias por telefone. Eu tinha uma relação muito difícil com meu irmão mais velho e hoje em dia ele vem de São Paulo me visitar. Eu voltava para casa tão mexida e, quando eu chegava, a gente conversava. E essa conversa acabou nos aproximando. Eu não me vejo mais sendo como era antes”, relata Jeniffer. 

Marcelo Alves recebeu um retorno imediato. Logo na primeira corrida que levou a bandeira das crianças que esperam uma doação de medula óssea, se sentiu “abraçado” por toda uma comunidade de médicos, pacientes e familiares. “Através das redes sociais eles eram a minha maior torcida. Mandavam mensagem de apoio, que estavam muito felizes por eu levar a mensagem deles para a Antártida”. 

Para o maratonista, estar perto daquelas crianças mudou a forma de enxergar muita coisa. “Você revê os seus conceitos de problema. Está muito claro hoje em dia que existem os problemas reais e os problemas imaginários. Muitos dos problemas que eu achava que tinha, eu vi que são coisas que eu posso contornar, ou que se resolvem com o tempo, ou que não dependem de mim. Mas os problemas reais é o que eles passam, estar entre a vida e a morte. Você para de reclamar de barriga cheia. Isso me deixou muito mais otimista, passei a ver a vida de outra maneira”. 

Disseminar o bem 

Outro sentimento comum à maioria das pessoas que realizam um trabalho voluntário é o desejo de levar outras pessoas para aquela causa. No caso de Jeniffer, ela se tornou ponto de referência dos colegas que perguntavam se era possível também colaborar com aquele abrigo. “E eu dizia que podia ser qualquer abrigo. Uma época eu arrecadei roupa na minha rua, nas vizinhas. E a gente acabou levando em outro abrigo porque todos eles precisam, todos estão na mesma situação”. 

Marcelo foi além. Ao perceber que ainda havia muita desinformação sobre a questão da doação de medula óssea, pensou em um projeto que levasse a informação correta para um grupo que costuma ter um grande engajamento, os corredores. Assim nasceu o The Hardest Run, uma iniciativa para chamar a atenção de pessoas em todo o mundo e aumentar, significativamente, o cadastro de doadores de medula óssea. 

“Muitas pessoas não fazem doação de medula por falta de informação. Mesmo pessoas com um bom nível cultural. A gente ajuda primeiro levando informação. Quando ela vai lá fazer a doação, ela vai ter contato com esse outro mundo. Por isso essa dinâmica do The Hardest Run é bem interessante. A gente trabalha essas outras corridas que cada um tem. Não é só da medula, da doação de sangue. É um grande grupo que está querendo se ajudar”. 

The Hardest Run 

Equipe The Hardest Run antes de uma corrida que terminou com uma doação de sangue coletiva Divulgação

O movimento The Hardest Run foi lançado em novembro do ano passado, durante a Maratona Volcano, no Chile. Em quatro meses, o projeto já cadastrou 3.500 participantes que recebem um Red Number para levar a mensagem em prol da doação de medula óssea em todas as provas que participarem. Hoje, existem Hardest Runners em 11 países de cinco continentes. 

Para participar 

Para fazer parte da equipe The Hardest Run basta se cadastrar no site e levar o Red Number onde puder. A pessoa recebe um número exclusivo e que será dela para sempre, para usar em provas de corrida que ela participar. Outras sugestões são: 

• Contar para amigos e familiares sobre o projeto, convidá-los para fazer parte e incentivar a contribuir com a causa, cadastrando-se como doador de medula ou como doador de plaquetas e granulócitos para pacientes. 

• Postar e compartilhar informações do projeto em suas redes sociais. Quando fizer postagens sobre corrida utilizar sempre a #thehardestrunners para reforçar que faz parte de uma equipe. 

• Se cadastrar como doador de medula óssea, plaquetas e granulócitos. 

• Ficar ligado nos canais do grupo, contribuir e/ou mobilizar pessoas quando chamados para entrar em ação. 

• Participar dos eventos e corridas temáticas.

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