Em abril, o Brasil produziu 113 milhões de m3/ dia de gás natural. Só o setor industrial consome 52% do total produzido.
Em abril, o Brasil produziu 113 milhões de m3/ dia de gás natural. Só o setor industrial consome 52% do total produzido.| Foto: Divulgação

O consumo de energia deve aumentar 2,2% ao ano no Brasil até 2040, segundo um relatório global do grupo britânico BP. A marca é quase o dobro da média global, prevista em 1,2% ao ano. Esse é apenas um dos aspectos que colocam o gás natural como a principal alternativa de matriz energética viável e acessível para garantir o abastecimento industrial, comercial, automotivo e residencial no país. O próximo passo nessa direção é a regulamentação. O assunto está em discussão no Congresso Nacional, com a tramitação do projeto de lei (PL 6407/13) que estabelece o novo marco legal para o mercado de gás natural no Brasil. O PL deve entrar em votação nos próximos dias.

O relatório, aprovado na Comissão de Minas e Energia em 2019, muda o formato de exploração de gasodutos no Brasil. As empresas interessadas em atuar no segmento deixam de depender de uma concessão, precisando apenas de uma autorização.

MONOPÓLIO

Atualmente, a Petrobras é a maior produtora de gás natural do país, com cerca de 77% da produção e por 100% do que é importado. Além dela, existem ainda cerca de outras 30 empresas que atuam no setor. A estatal federal também é sócia de 20 das 27 distribuidoras brasileiras e consome 40% da oferta total. A quase totalidade da infraestrutura de gás natural do Brasil é operada pela estatal, que detém toda a capacidade da malha de transporte, com participação em todos os dutos.

“Estamos diante de uma oportunidade única para darmos um salto importante na competitividade das empresas brasileiras, com atração de investimentos, execução de novos projetos, geração de empregos, entre tantos outros possíveis benefícios”, destaca o CEO da petroquímica Unipar, Mauricio Russomanno.

Segundo Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), o modelo de legislação vigente atende a um setor que depende do monopólio para atuar, com regras que não se ajustam a um modelo competitivo desenhado pelo novo mercado de gás. “O novo texto da lei pode trazer maior acesso de empresas às infraestruturas essenciais de tratamento, escoamento e transporte de gás. Além de permitir a desburocratização e a harmonização das regras para o mercado livre nos estados, com garantias tributárias”, pontua.

Pedrosa salienta que algumas mudanças podem ser feitas pela própria ANP. Outras, no entanto, dependem de alterações no marco legal para trazer mais segurança jurídica ao setor.

VOLUME

De acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em abril deste ano o Brasil produziu 113 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. O setor industrial aparece como o maior consumidor, respondendo por 52% do total produzido, seguido do setor elétrico, que consome 33%, nas usinas termoelétricas.

Já o uso do gás natural como combustível automotivo (GNV) representa apenas 9% do volume produzido, enquanto residências e comércio consomem apenas 1% cada um. Projetos de cogeração de energia respondem pelos 4% restantes.

Pedrosa salienta que grande parte da produção atual de gás natural precisa ser reinjetada, ou seja, usada nas próprias plataformas de extração de petróleo ou queimadas. “A expectativa é dobrar essa oferta nos próximos dez anos com o gás que virá das reservas do pré-sal. A lei do gás visa à criação de um ambiente regulatório propício para que esse potencial seja aproveitado para desenvolver a economia brasileira”, reforça.

AGILIDADE

Para o CEO da Unipar, essa nova configuração legal vai deixar o processo muito mais ágil e atrair potenciais investidores para o setor de infraestrutura no país. “O gás natural é extremamente estratégico para o desenvolvimento do Brasil e para tornar a indústria nacional mais competitiva no cenário internacional”.

Segundo ele, projetos industriais que tinham sido arquivados por serem considerados “inviáveis economicamente” – devido ao alto custo de produção – poderão, finalmente, ser reavaliados a partir desse novo cenário. Na Unipar, que é a maior produtora de cloro e soda cáustica da América Latina, as despesas com eletricidade representam cerca de 50% dos custos de produção.

MODERNIZAÇÃO

Russomano, que também é presidente do conselho diretor da Associação Brasileira da Indústria de Cloro Álcalis e Derivados (Abiclor), destaca ainda a importância da modernização regulatória para corrigir as distorções existentes no atual cenário. “É necessário promover uma transição clara e transparente nesse novo mercado do gás, até aqui operado por poucas empresas estatais, buscando criar um ambiente competitivo e que permita a atração de investimentos, a aceleração do desenvolvimento e a adoção de tarifas justas”, salienta.

Geração de empregos, riquezas e investimentos são alguns dos reflexos diretos da redução do custo do gás natural. Estimativas da Abrace mostram que o PIB pode crescer a um ritmo maior, de quase 1% a mais, todo ano, com uma projeção de investimentos estimada em R$ 63 bilhões por ano. Segundo Paulo Pedrosa, o gás do pré-sal poderá trazer, em dez anos, US$ 120 bilhões de investimentos para o Brasil, dentre os quais US$ 40 bilhões serão royalties redistribuídos pelos estados.

DESAFIOS

Para o CEO da Bley Energias, Cícero Bley Jr., o Brasil só começou a discutir a Nova Lei do Gás em 2013, como consequência da necessidade de atualizar as regras estabelecidas pela Lei do Gás de 1999. Com isso, perdeu um tempo importante para abrir o debate sobre a matriz energética. “Durante este tempo, deixamos de investir em infraestrutura para escoar o gás natural. Isso chegou ao ponto de a nossa malha de gasodutos ser equivalente a 1% da malha americana”, compara Bley, apontando os preços praticados internamente: “O gás natural no Brasil custa US$ 12 por milhão de BTUs, enquanto nos Estados Unidos custa US$ 3. A Europa, que compra todo o gás que usa, paga US$ 6 por milhão de BTUs”.

Bley reforça a necessidade de se modificar rapidamente as regras de produção, distribuição e uso do gás natural para evitar ainda mais atrasos ao desenvolvimento do país. “Em 2019 o pré-sal da Costa Fluminense reinjetou nos poços profundos o gás natural equivalente a toda demanda da indústria brasileira, por não ter o que fazer com os volumes disponíveis. Isso dá a noção do que temos de riqueza em nossas mãos”, exemplifica.

RECUPERAÇÃO ECONÔMICA

Para Bley, o gás natural é o que ele chama de “mola propulsora” da recuperação do desenvolvimento pós-Covid. Porém, ele destaca que para isso se tornar real é necessário grande esforço coletivo. “A Nova Lei do Gás Natural não é uma varinha mágica que modificará a realidade com apenas um toque. Será necessário grande esforço político, determinação e criatividade das lideranças de mercado para conseguirem fazer valer os seus dispositivos legais”, observa.

Para o relator do PL 6407/2013 – a Nova Lei do Gás –, o deputado federal Laércio Oliveira (PP/SE), a geração de energia no Brasil deve aumentar cerca de 35% com investimentos em termoelétricas, que usam o gás natural como um dos principais insumos e com a vantagem de um menor impacto ambiental no comparativo com outras fontes energéticas. “Esse gás vai gerar energia mais barata e mais limpa para todos. Ele tem larga aplicação industrial, no abastecimento de veículos, na fabricação de fertilizantes, além de muitos outros usos”, analisa.

Oliveira ressalta que o gás natural é o principal insumo para a produção de fertilizantes nitrogenados. No entanto, o relator destaca que o Brasil ocupa a quarta posição entre os maiores consumidores de nutrientes minerais para fertilizantes no mundo – atrás da China, Índia e Estados Unidos – e é o único que produz menos de 50% da sua demanda de fertilizantes no próprio solo. “Isso gera uma saída de divisas para o setor agrícola, deixa o país vulnerável e totalmente dependente desse produto comprado no mercado internacional”, reforça.

PARANÁ

O cenário no Paraná não é muito diferente da realidade brasileira. O diretor-presidente da Companhia Paranaense de Gás (Compagas), Rafael Lamastra Jr., fala que o estado tem os mesmos desafios que as outras entidades da federação: a falta de infraestrutura para interiorização do uso do gás natural, a necessidade de maior competitividade para o combustível, a ampliação de suas redes locais para atendimento a novos mercados, além de maior segurança jurídica para novas operações.

Segundo Lamastra, a cadeia do gás natural está em transição no Brasil e existem três grandes desafios no setor: a ampliação da rede de transporte; do número de supridores, que vai gerar o aumento da competitividade e a redução de preço do produto. “A Nova Lei do Gás vem para auxiliar nesses pontos. No entanto, o texto precisa prever, permitir e estimular essa interiorização”, reforça.

PRIORIDADE

No momento, o tema está nas mãos da Câmara dos Deputados, que aprovou no dia 29 de julho o regime de urgência para a tramitação do projeto de lei da Nova Lei do Gás. Na avaliação de Mauricio Russomano, da Unipar, isso demonstra o senso de prioridade que está sendo dado à questão, em especial pelo presidente da Casa, o deputado Rodrigo Maia. “Agora é o momento. O assunto amadureceu e se apresenta como ponto central dos esforços de retomada do crescimento”, reforça.

Russomano classifica essa medida como parte de um “ciclo virtuoso” para acelerar o desenvolvimento do Brasil. “Começou com o Marco Legal do Saneamento. Agora é o capítulo do PL do gás que representa não só um avanço econômico, mas promove a melhoria de vida de milhares de pessoas”, conclui o CEO da Unipar.