Arquitetura

Opinião: “A ameaça a Notre-Dame: o incêndio foi péssimo, mas o restauro pode ser ainda pior”

Theodore Dalrymple*
29/04/2019 20:27
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Gárgula e quimera no alto da Catedral de Notre-Dame, que terá um concurso internacional para reconstruir as estruturas que desabaram com o incêndio. Foto: Bigstock

O discurso do presidente Emmanuel Macron à nação francesa sobre o incêndio que destruiu boa parte da catedral de Notre-Dame continha em si uma terrível ameaça: ele disse que a catedral seria reconstruída e que ficaria ainda mais linda do que antes. Isso pode parecer algo inócuo e um objetivo até mesmo louvável, mas o anúncio do primeiro-ministro Édouard Philippe de que um concurso seria organizado a fim de se criar “um pináculo que combine com as técnicas e desafios do nosso tempo” deveria causar arrepios em qualquer um que conheça os esforços dos arquitetos modernos em Paris, cujas obras podem ser vistas por toda a cidade.
Entre os monumentais prédios públicos construídos de acordo com técnicas mais adequadas aos desafios do nosso tempo estão o Centro Georges Pompidou, a Torre Montparnasse, a Ópera da Bastilha, o Museu do Quai Branly e a nova Philharmonie de Paris. Todos receberiam ao menos menção honrosa num concurso para escolher o prédio mais feio do mundo.
Foto: François Guillot/AFP
Foto: François Guillot/AFP
A Biblioteca Nacional da França foi praticamente reconstruída usando-se as técnicas do nosso tempo, entre as quais a incapacidade de se notar que a umidade causada por calhas baixas e o sol entrando pelas paredes de vidro não é muito boa para livros do século XV. Quanto às obras pós-Segunda Guerra Mundial, com suas paredes recobertas por cortinas e suas janelas compridas, elas são completamente deprimentes: basta um desses prédios para arruinar a harmonia de toda uma rua. No centro de Paris, a arquitetura moderna é vandalismo; nos bairros mais afastados, é o inferno.
O pináculo do século XIX e outras alterações feitas em Notre-Dame também foram alvo de críticas, tanto estéticas quanto por sua falta de autenticidade, mas ao menos Viollet-Le-Duc, o arquiteto da época, estava tentando ser medieval. Quando voltamos os olhos para o narcisismo óbvio dos arquitetos modernos, sobretudo dos estrelinhas que são chamados para fazerem intervenções em prédios antigos, não se pode deixar de pensar que uma restauração conservadora seria algo mais seguro – não haveria concurso, a não ser entre artesãos e pessoas capazes de sugerir novas formas de se fazer o novo parecer antigo. Deixar que um arquiteto estrelinha chegue perto de Notre-Dame seria – como ateu, ouso dizer – um sacrilégio.
Foto: Tourisminfrance.org/Divulgação
Foto: Tourisminfrance.org/Divulgação
Macron disse querer a catedral restaurada em cinco anos – a tempo da abertura dos Jogos Olímpicos de 2024. Seria até difícil pensar numa ideia mais kitsch, à moda soviética, do que essa. Ninguém quer que a restauração dure mais do que o necessário, claro, mas ela tampouco deveria demorar menos do que o necessário. Há um quê de provincianismo no tempo e no espaço, como Macron ilustra muito bem.
Tradução de Paulo Polzonoff Jr.
©2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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