Arquitetura

A arquitetura em série dos tempos da locomotiva

Luan Galani
08/07/2015 01:00
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Nas casas de alvenaria, predomínio de elementos neocoloniais, como fundação em pedra e arcos. Fotos: Letícia Akemi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Os trens não cantam mais na Vila Capanema. Não mais da mesma maneira que costumavam apitar há 30 anos. Para ninguém mais essa constatação dói tanto quanto para o ex-chefe de estação Lucio Amo, 55 anos. Afinal, sua relação com as locomotivas é umbilical. Nasceu numa estação de trem do interior de São Paulo e, na vida adulta, não pensou duas vezes em trocar o trabalho de bancário pela labuta nos trilhos. “Nós achávamos que a Rede Ferroviária era para sempre”, conta.
Em 2007, a empresa estatal fechou as portas. Hoje Lucio vive como aposentado, mas não abre mão de morar em uma das últimas cinco casas da extinta Rede Ferroviária Federal que ainda restam na região. Na década de 1970, elas somavam mais de 70, entre casas de madeira e alvenaria. “Acho que viver aqui me lembra da minha infância e dos bons tempos do trabalho nas ferrovias”, brinca.
O arquiteto Fábio Domingos, que se debruçou sobre os projetos arquitetônicos da rede, explica que as casas eram construídas em série, uma do lado da outra, como que em escala industrial pelos técnicos da companhia para seus funcionários. Nelas moravam de maquinistas a engenheiros, que precisavam morar perto do local de trabalho. “O tamanho das casas dependia do cargo ocupado pelo trabalhador.
Operários costumavam morar em pequenas casas de madeira e engenheiros, por  sua vez, em casas de alvenaria, que são bem maiores.” Muitas dessas casas também eram financiadas pela Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários. Depois de quitada a dívida, a residência era repassada ao funcionário.
Ao longo da existência da rede, as casas ferroviárias refletiram diferentes estilos. Em Curitiba, predominam as casas ecléticas com elementos neocoloniais, como o arco de pedra na entrada da casa, a fundação em pedra, as telhas capicanais e as varandas. A partir de 1960, as construções passam a adotar características mais modernas. “Em comum, todas tem o refinamento construtivo e a precisão”, garante Domingos.
Novos núcleos urbanos
Dessas vilas ferroviárias, que mais pareciam condomínios fechados, é que começaram a surgir alguns novos núcleos urbanos. Foi o caso da Vila Oficinas, por exemplo, – 96 casas distribuídas em seis quadras – que deu origem ao bairro Cajuru. O comércio foi chegando aos poucos e, ao longo do tempo, foram construídas também escolas e hospitais para os funcionários ferroviários. Entre eles, o próprio Hospital Cajuru.
“A ferrovia foi condutora de desenvolvimento. A gente tende a conceber a urbanização como algo planejado e que vem sempre de uma instância superior. No caso da rede, não. A urbanização foi também uma prática das pessoas, uma iniciativa popular, que foi expandindo as vilas iniciais”, destaca a antropóloga Dayana Cordova, que, em conjunto com Aline Iubel, Fabiano Soiev e Leco de Souza, estudou as paisagens ferroviárias de Curitiba.
Junto da extinção da rede, foi-se pelo ralo também parte da vida nesses locais. De acordo com Kallil Assad, historiador do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, “muitas dessas regiões foram desvalorizadas após o fechamento da rede, viraram uma espécie de periferia dentro da cidade, mesmo aquelas localizadas no centro, e se tornaram fantasmagóricas”. E para ninguém mais isso dói tanto quanto para Lucio.

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