Bioclimática

Arquitetura

Ar-condicionado natural ressurge como solução que resfria, circula o ar e quase não gasta energia

Luan Galani
10/03/2021 20:56
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Nem sempre a modernidade e o mundo contemporâneo geram as melhores soluções. Veja o caso do ar-condicionado. De fato ele é necessário em apartamentos muito altos, em que não é possível abrir as janelas, por exemplo, ou em locais muito quentes do Brasil tropical, como o Rio de Janeiro ou Salvador. Mas sabia que a melhor solução arquitetônica - e de quebra mais barata e realmente sustentável - para o conforto térmico das construções é uma ideia que os povos da antiguidade desenvolveram há mais de 2 mil anos? Hoje essa tecnologia é conhecida como ar-condicionado natural.

Origem na arquitetura antiga

"Gosto sempre de lembrar que quem não estuda história está condenada a repeti-la. E quando a gente se debruça sobre a refrigeração, existem registros de povos do deserto no Irã e na Turquia, 400 anos antes de Cristo, que aprenderam que é possível resfriar ambientes, alimentos e até criar gelo por meio dos yakhchals", explica a arquiteta Silvana Laynes de Castro, que atua em escritório próprio especializado em bioclimática e leciona no curso de Arquitetura e Urbanismo da UniCuritiba.
"Essas estruturas eram verdadeiras geladeiras do deserto, em que os povos utilizavam o subsolo, que eles já sabiam que é mais frio porque conserva a média de temperatura do local; o formato conífero, que atende à física necessária para o resfriamento; e materiais locais, o que chamamos de arquitetura vernacular", esclarece Silvana.
Yakhchal ainda de pé no Irã. A estrutura ficou conhecida como 'geladeira do deserto' e, por meio do ar-condicionado natural, os persas criavam ali até gelo.
Yakhchal ainda de pé no Irã. A estrutura ficou conhecida como 'geladeira do deserto' e, por meio do ar-condicionado natural, os persas criavam ali até gelo.
A arquiteta também lembra o exemplo das torres de vento, bastante presentes no Irã até os dias de hoje. "É uma engenhosidade criada para arrefecer o ar interno a partir do ar e da água, de dutos subterrâneos dos aquíferos da região. E que também foi utilizada pelos espanhóis mais tarde de uma forma artificial. Aproveitavam-se as paredes que recebiam os ventos dominantes e ali se construíam muxarabis (cobogós) com jarros altos de 80 centímetros cheios de água. Quando o vento passasse pela treliça, ele perderia velocidade, seria umidificado pela água e diminuiria um pouco a sua temperatura, uma vez que a água rouba calor", exemplifica.
Segundo a arquiteta, é por isso que Brasília tem tantos espelhos da água. É uma solução não apenas estética, mas que tenta equalizar os incômodos com a alta temperatura, principalmente a baixa umidade do ar, como lembra Silvana.
Torre de vento utilizada na cidade de Yazd, no Irã.
Torre de vento utilizada na cidade de Yazd, no Irã.

Climatização pelo uso do subsolo

Em Curitiba e Região Metropolitana existem dois exemplos contemporâneos de ar-condicionado natural em uso. Um no Santuário Cristo Rei e São Judas Tadeu, entre os bairros Alto da XV e Cristo Rei, e outro na loja Eletrorastro, no Boqueirão. Ambos os projetos foram feitos pelos arquitetos Luiz Reis e Myrian Müller, do escritório ArchiMundi Arquitetos, com consultoria do engenheiro mecânico Aloísio Schmid, que também é professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Nos dois projetos os profissionais utilizaram o subsolo para resfriar o ar. "São basicamente ventiladores externos que jogam o ar natural para um sistema de dutos abaixo da calçada. O ar circula pelo subterrâneo, onde a temperatura é estável, passa a ser resfriado e é purificado por um sistema de luzes ultravioleta, que elimina vírus e germes", ensina Reis. "E a saída do ar é feita por uma série de tubos menores, para homogeneizar a corrente do ar."
Detalhe de uma implantação do duto principal e dos canos menores de saída do ar-condicionado natural.
Detalhe de uma implantação do duto principal e dos canos menores de saída do ar-condicionado natural.
De acordo com Schmid, o tamanho da tubulação varia de projeto para projeto. "No caso da igreja do Cristo Rei, por exemplo, foi necessários construir um duto subterrâneo de 90 metros para que o ar chegasse na temperatura e na quantidade ideal para fazer uma circulação de ar saudável no espaço", conta.
No projeto da construção religiosa, os arquitetos e engenheiro mantiveram o granito antigo do piso e furaram o material apenas em algumas áreas de circulação, transformando algumas pedras em grelhas, por onde o ar entra no templo, sem mudar a linguagem arquitetônica original.
Santuário Cristo Rei e São Judas Tadeu utiliza ar-condicionado natural para circular e purificar o ar.
Santuário Cristo Rei e São Judas Tadeu utiliza ar-condicionado natural para circular e purificar o ar.
Um 'pulo do gato' da atuação dos profissionais é que Schmid criou um software inédito que calcula o tamanho do duto e a vazão necessária para cada necessidade. "Fiz do zero. Para facilitar a matemática, que começa a ficar complicada nesse caso, é muito comum na engenharia criar softwares. Coloquei todas as variáveis e utilizei cálculo matricial, como é costume utilizar na área de comportamento estrutural", relata o engenheiro.
"A capacidade do solo de diminuir o calor tem um limite. O solo não é muito condutivo do calor. Então, para um edifício que é usado por muitas pessoas, ou que entra sol em determinada intensidade, vai precisar de uma tubulação maior. E isso precisa ser calculado, se não o investimento é em vão", aconselha Schmid.
Esquema mostra como funciona o princípio do ar-condicionado natural. Nos dias frios, a temperatura do solo permanece amena e leva ao espaço um ar um pouco mais quente, mesmo com o exterior gelado.
Esquema mostra como funciona o princípio do ar-condicionado natural. Nos dias frios, a temperatura do solo permanece amena e leva ao espaço um ar um pouco mais quente, mesmo com o exterior gelado.

Exemplo internacional

Uma das construções contemporâneas que melhor utiliza o ar-condicionado natural é um projeto do arquiteto chileno Guillermo Hevia para uma unidade das Farmácias Ahumada. "Ele utiliza uma serpentina que passa pelo subsolo e refresca os produtos, que não podem ter alteração térmica", explica Silvana. "Remédio é um item de alto valor agregado e a utilização do ar-condicionado natural nessa situação só prova sua eficácia e confiabilidade."
Unidade das Farmácias Ahumada utiliza ar-condicionado natural para manter os medicamentos na temperatura ideal.
Unidade das Farmácias Ahumada utiliza ar-condicionado natural para manter os medicamentos na temperatura ideal.

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