Um novo olhar

Arquitetura

Arquitetos latino-americanos convidam a repensar a casa a partir da autoria, espaços e materiais

Luan Galani e Sharon Abdalla
23/07/2021 22:40
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Casa Del Parque, por Tatiana Bilbao | Divulgação/Tatiana Bilbao Estudio

Não há como negar. A relação com a casa e o modo de se pensar as construções foram fortemente abalados pelo momento pandêmico que vivemos. Assim como outras tendências, como a do home office, pode-se dizer que o olhar mais atento e a busca por novas soluções para as moradias, especialmente, foram aceleradas depois que fomos obrigados a passar mais tempo dentro de casa. E, por óbvio, isso aconteceu com ainda mais força para os profissionais que têm nelas seu objeto de trabalho, pesquisa e paixão: os arquitetos.
Além das questões ambientais e do uso de recursos locais, amplamente defendido pelos profissionais que estão entre os nomes mais influentes em exercício na arquitetura atual, alguns dos palestrantes do UIA2021RIO (Congresso Mundial de Arquitetos, encerrado na última quinta-feira (22), em especial os latino-americanos, também destacaram a importância de se repensar a prática a partir de pilares como a autoralidade, o reuso e como as questões sociais e até políticas interferem na relação que as pessoas têm com suas casas.
Este último ponto foi levantado pela arquiteta mexicana Tatiana Bilbao. Já tendo o desenho sustentável e a habitação social como marcas de seu trabalho, ela convocou os congressistas a pensarem como a definição dos espaços das construções domésticas estão fundamentadas em conceitos que não só reforçam a cultura "heteropatriarcal", como também generalizam hábitos e estilos de moradias.
Para ilustrar tal pensamento, a arquiteta citou o exemplo das casas maia, nas quais a cama não existe. No entanto, ela acrescentou, se não houver um quarto de 2x2 m, essas habitações não são consideradas casas.
Arquiteta Tatiana Bilbao contesta a generalização da formatação do conceito de morar
Arquiteta Tatiana Bilbao contesta a generalização da formatação do conceito de morar
"De acordo com a lei mexicana, a casa maia não existe. Ou seja, elas não contam dentro do senso ou pior, não podem contar com subsídios governamentais. A casa maia foi banida [legalmente] como maneira de viver", denuncia.
E ela vai além e extrapola tal conceito para casas de todas as partes do globo, mas desta vez tendo a atividade laboral como referência. "As casas são vistas como um espaço do retiro do trabalho. Um lugar onde não haveria envolvimento do trabalho, como se o trabalho doméstico ou de cuidados não fosse trabalho. A habitação é um direito humano, mas que está sujeita a regras, que muitas vezes não são acessíveis a todos. [Precisamos] de uma produção que crie espaços que não só contestam a família heteropatriarcal, mas que contestam rótulos, construam e mantenham relações sociais que vão além dessas regras básicas", defende a arquiteta mexicana.

"Arquitetura feita por pessoas"

O arquiteto brasileiro Angelo Bucci, que encabeça o escritório SPBR, é professor na FAU-USP e membro honorário do Instituto de Arquitetos Americanos, lançou o desafio de se pensar mais profundamente a questão de autoria. “Qual a escala compatível com a ideia de autoria?”, pergunta.
“Acho que precisamos resgatar e defender a ideia de autoria como coisa que não é imprimir uma marca, como uma grife, mas lembrar que a arquitetura é feita por pessoas. Autoria que aproxima o trabalho da humanidade”. Bucci trouxe três projetos diferentes como pretexto para abordar o assunto.
Casa de fim de semana, construída em 2014, com projeto do SPBR, que elevou a piscina para que a área recebesse sol o dia todo, uma vez que o terreno fica entre dois edifícios altos do centro de São Paulo.
Casa de fim de semana, construída em 2014, com projeto do SPBR, que elevou a piscina para que a área recebesse sol o dia todo, uma vez que o terreno fica entre dois edifícios altos do centro de São Paulo.
O arquiteto paraguaio Solano Benitez, referência em termo de técnica por utilizar materiais regionais e simples na idealização de construções mais econômicas e ecológicas, dedicou-se a incentivar os profissionais a serem inventivos. A “pensar fora da caixa” a fim de achar soluções para baixar o custo da obra, criar novos materiais ou encontrar novas formas de edificar. Ele deu dois exemplos. O seu próprio escritório, em Assunção, construído no início de sua carreira, 30 anos atrás, e uma casa que recentemente projetou e finalizou.
No primeiro caso, para contornar o orçamento baixo de sua própria obra, Benitez utilizou tijolos de demolição. “Eles são antigos, são menores, mas o custo é muito mais baixo. Em geral as pessoas queriam tijolos novos, modernos. E nós compramos o que ninguém comprava”, explica. “De lá para cá, aconteceram 10 mil coisas diferentes. Surgiram novos materiais, mas nossos tijolos permanecem.”
Solano Benitez é conhecido por seu amplo trabalho experimental com tijolos.
Solano Benitez é conhecido por seu amplo trabalho experimental com tijolos.
Na casa encomendada, o paraguaio também usou tijolos. Mas de uma forma completamente diferente. Ele utilizou cruzes metálicas e misturou concreto com resíduos de cerâmicas, barro, ferro, madeira e tijolos de outras obras, que conseguiu quase de graça. Dessa forma, obteve superfícies ainda melhores e gastou menos da metade do que as pessoas normalmente costumam pagar por metro quadrado no Paraguai.
O que resulta, segundo Benitez, em um horizonte mais esperançoso para moradias acessíveis. “Não precisa nivelar nem nada. Ficou mais fácil e mais rápido de fazer, e reduzimos a quantidade de aço”, salienta.
“O que precisamos é enfrentar com muita alegria e esperança. Precisamos nos aventurar a produzir aquilo que é oportunidade. Não parece muito importante, mas a ideia é mostrar como é importante tentar construir com materiais reutilizados", frisa Benitez.
"Em um mundo no qual, apesar dos nossos melhores esforços, 60% da população vive em situação de pobreza, é necessário repensar as condições em que vivemos na Terra e como lidamos uns com os outros. Torna-se imperativo nos aventurarmos no que não sabemos fazer, para que, por meio disso, venham oportunidades de fazer desse mundo um lugar de paz”, conclui.

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