Novo parque de diversões dos arquitetos

Arquitetura

Vietnã desponta como novo epicentro da arquitetura contemporânea mundial

Luan Galani
18/01/2021 19:41
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Cuckoo Coffee House, da Tropical Space, mistura um café familiar no térreo e residência dos proprietários logo acima. Fica na cidade de Da Nang. A inspiração foi o relógio cuco, um elemento afetivo para os moradores. O edifício é formado por um retângulo na base e outros três blocos, separados por cômodos. | Nguyen Tien Thanh

Quando se debate arquitetura contemporânea de qualidade, dois lugares principais pipocam imediatamente na mente. O Japão, que conseguiu reinterpretar suas tradições construtivas e inaugurar uma escola de experimentação, e a pequena cidade portuária de Roterdã, na Holanda, que abriga escritórios jovens que têm achado espaço para inovar e transformar a paisagem em uma galeria a céu aberto. Mas é heresia não dar atenção ao Vietnã.
O país asiático tem ganhado cada vez mais espaço nas publicações mundo afora devido à produção contemporânea bem criativa e sensível em resolver os problemas construtivos nas grandes cidades, como a capital Hanói e a metrópole ao sul Ho Chi Minh, antigamente batizada de Saigon.
O arquiteto Pedro Sunyé, cofundador da Y Arquitetos e mestre pela FAUUSP, com oito anos de experiência trabalhando com o desenho de cidades no Jaime Lerner Arquitetos Associados, concorda com a constatação. “Produção ousada que busca compensar dentro de seus pequenos lotes o que falta na cidade ao seu redor. Os parques de Hanói, por exemplo, não chegam a representar 0,3% da área da cidade, resultando em menos de 1 m² [de espaço verde] por habitante”, ilustra Sunyé.
“Com essa primeira geração de jovens arquitetos que já nascem abertos para a cultura internacional, o baixo emprego de tecnologia em suas construções dá origem a habitações compactas, verticais, individuais. No lugar de elevadores, escadas detalhadas, percursos sedutores e atmosferas que tornam a experiência de passear por diferentes residências e subir quatro pavimentos algo agradável.”

Explorar tudo que é natural

A arquitetura do Vietnã tira o máximo do clima, do sol, dos materiais locais e se molda ao terreno em que se insere. “É uma arquitetura líquida. Como diria Bruce Lee: ‘Be water, my friend’ (seja água, meu amigo, em tradução livre)”, brinca o arquiteto.
E é exatamente essa característica que defende o arquiteto Pham Phu Cuong, diretor do Departamento de Arquitetura da Universidade de Arquitetura Ho Chi Minh City. “É moderna em termos de forma e expressão, mas com espaços persuasivos, flexíveis, abertos e verdes”, conceitua Cuong. O que se observa, segundo o professor vietnamita, são soluções que primam pelo que ele chama de localidade e tropicalidade.
MM  House  2.0,  da  MM++  Architects,  é  um  edifício  todinho  de  concreto.  A  decoração  traz  elementos  tradicionais  e  de  madeira,  que  dão  o  contraponto,  a  começar  pela  porta  maciça.
MM House 2.0, da MM++ Architects, é um edifício todinho de concreto. A decoração traz elementos tradicionais e de madeira, que dão o contraponto, a começar pela porta maciça.
“Ideias responsivas adaptadas ao clima [abusando de tudo que é natural, como a iluminação e a ventilação] e a tradições locais, com terraços, balcões, varandas, corredores e marquises, e o uso de materiais, texturas e cores regionais”, pontua o arquiteto asiático. “Isso é uma continuidade do modelo de residência tradicional do Vietnã, que foi construída não para combater o clima, mas para se adaptar a ele”, ensina.
Um parênteses importante que o professor faz, porém, e que é reforçado por todos os três escritórios de arquitetura do Vietnã ouvidos pela reportagem: as novas leis de construção, habitação e arquitetura do país, aprovadas no ano passado, são limitadoras e iguais para todas as partes do país. Assim, acabam tornando vagas, para não dizer inexistentes, as identidades arquitetônicas e contextuais de cada região da nação.

Custo baixo e clima tropical

Os principais nomes da arquitetura contemporânea do país têm se dedicado a criar propostas que seguem essa linha, sempre focando no baixo custo. Uma das grandes referências é o escritório Tropical Space, da arquiteta Tran Thi Ngu Ngon e do arquiteto Nguyen Hai Long. Desde 2011 a dupla tem produzido uma arquitetura que se fia na mão de obra local e nos tijolos, um material bastante comum, produzido localmente e que permite uma infinidade de combinações.
“Optamos por essa solução porque, por meio de materiais simples e baratos, é possível criar uma arquitetura boa e valiosa. Sem falar eco-friendly, ajudando na resposta da arquitetura à mudança climática”, sentenciam.
Essa necessidade de lidar com o aquecimento global não é ignorada lá, porque a cada ano o Vietnã tem testemunhado uma piora de enchentes, tempestades e secas. Na opinião de Tran e Nguyen, edifícios em climas tropicais precisam respirar por conta própria. “Não pode ser fechado com ar-condicionado. Nós trazemos elementos naturais como a luz do sol, a chuva, o vento, que participam da construção como um elemento inseparável”, frisam.

Lotes pequenos

O que também instiga a fabricação de boas soluções arquitetônicas é o pouco espaço disponível. O arquiteto francês Michael Charruault, que há 13 anos mora no Vietnã e é co-fundador do escritório vietnamita MM++ Architects, diz que a maioria dos projetos urbanos tem que lidar com lotes pequenos e estreitos de 5 metros X 20 metros.
“Então os projetos precisam pensar em uma fachada frontal, um layout e uma estratégia de circulação vertical. O desafio é como adaptar isso ao clima tropical”, esclarece. “Embora se valorize o uso misto e a interação das casas com os espaços públicos, a densidade das cidades faz com que a noção de entorno seja inexistente. Por isso as casas são projetadas como um ambiente autônomo, com natureza, para serem refúgios”, conta o francês.
Casa projetada pelo escritório HPA lembra os campos de arroz do país. A ideia foi conceber terraços transitáveis e que podem ser cultivados, possibilitando  diferentes entradas de luz natural e ventilação.
Casa projetada pelo escritório HPA lembra os campos de arroz do país. A ideia foi conceber terraços transitáveis e que podem ser cultivados, possibilitando diferentes entradas de luz natural e ventilação.

Variáveis comportamentais

Uma partícula comportamental que não pode ser ignorada é a tradição do Feng Shui. “São uma norma para as famílias vietnamitas. Os arquitetos respeitam bastante essa tradição e lidam com ela diariamente”, relata Charruault.
Para o arquiteto Doan Thanh Ha, do escritório HPA, reconhecido por projetos que lembram cavernas, ninhos, árvores e campos de arroz, a produção arquitetônica tem até algo de espiritual. “Na minha visão, a arquitetura consiste em três elementos: o comportamento, como conteúdo espiritual; a linguagem, como material de cobertura desse conteúdo espiritual; e a consciência, que é a própria maneira de pensar do arquiteto.”
Para Ha, até mesmo a escolha dos tijolos em projetos tem uma justificativa quase etérea. “Esse tipo de material apela para os sentidos através de sua superfície e permanece vivo na memória de muitas pessoas.
Localizada  no  centro  de  BacNinh,  a  casa  abriga  4  gerações  da  mesma  família  e  seu  design foi inspirado  em  uma  caverna tropical, brincando  com  luz,  sombra  e  diferentes  alturas.  É  assinada  pela  HPA.
Localizada no centro de BacNinh, a casa abriga 4 gerações da mesma família e seu design foi inspirado em uma caverna tropical, brincando com luz, sombra e diferentes alturas. É assinada pela HPA.

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