Arquitetura

Relíquias de Notre-Dame foram salvas graças a capelão que ajudou os bombeiros

The Washington Post
17/04/2019 15:27
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Coroa de espinhos que acredita-se ter sido usada por Jesus estava guardada na catedral no momento do incêndio. Foto: Bigstock

Não havia tempo a perder. O telhado de madeira e chumbo crepitava. As chamas serpenteavam pela madeira dentro da catedral de Notre-Dame, em Paris, na última segunda-feira (15). Alguns minutos depois, o fogo começaria a ameaçar as obras de arte, itens litúrgicos e relíquias religiosas de valor inestimável espalhadas por todas as campinas e alcovas da catedral.
Os bombeiros entraram correndo, procurando o que pudessem pegar e levar para a segurança, segundo relatos de autoridades de Paris e da mídia francesa. O capelão Jean-Marc Fournier, que horas antes preparava eventos para a semana da Páscoa, pediu para se juntar a eles.
Le père Fournier, aumônier des @PompiersParis, est allé avec des pompiers dans la cathédrale #NotreDame pour sauver la couronne d’épines et le Saint-Sacrement… pic.twitter.com/4IoLVdoJZW
— Etienne Loraillère ن (@Eloraillere) April 15, 2019
Entre os itens que eles recuperaram, disse o ministro da Cultura francês Franck Riester, está a coroa de espinhos que muitos fiéis acreditam ter sido usada por Jesus antes de sua crucificação. Também foi recuperada uma túnica vestida por São Luís no Século XIII – enquanto Notre-Dame estava sendo construída.
Ambos os itens estão agora guardados na sede da prefeitura de Paris, a poucos metros dali, e provavelmente serão levados ao Museu do Louvre, anunciou Riester. Sophie Grange, porta-voz do Museu do Louvre, disse ao The Washington Post que ainda não está claro quantos objetos o Louvre deve receber ou quanto tempo eles permaneceriam no museu.
Etienne Loraillère, editor da rede de televisão católica KTO, da França, disse que o capelão Fournier teve um papel fundamental em salvar a coroa de espinhos e outros itens. Fornier é um capelão militar – ele serviu no Afeganistão e, em 2015, confortou sobreviventes após um ataque violento no teatro Bataclan, no norte de Paris, no qual 130 pessoas foram mortas.
“Evitamos um desastre completo”, disse Maxime Cumunel, secretário-geral do Observatório de Patrimônio Religioso da França. Mas ele disse à agência de notícias Reuters que talvez “5% a 10% das obras de arte provavelmente tenham sido destruídas”.
“Temos que encarar isso”, disse ele.
Bombeiros trabalham para extinguir fogo na Notre-Dame. Foto: Thomas Samson / AFP
Bombeiros trabalham para extinguir fogo na Notre-Dame. Foto: Thomas Samson / AFP

Estátuas, vitrais e órgão

Em outra reviravolta de sorte em meio às ruínas, as estátuas de cobre do século XIX dos Doze Apóstolos e quatro outras figuras bíblicas haviam sido removidas por guindaste na semana passada. Elas foram encaminhadas para limpeza, como parte de do projeto de restauração geral na catedral.
A lista do que foi perdido, no entanto, já é extensa. Ela inclui fragmentos dos restos de Sainte Geneviève (santa padroeira de Paris) e Saint Denis. Outras peças imóveis que conseguiram sobreviver ao fogo – como o órgão de 8.000 tubos originalmente construído em 1403 – serão cuidadosamente avaliadas para danos causados ​​pela água.
No momento, a questão mais urgente é o estado dos vitrais da catedral – e particularmente as três enormes rosáceas multicoloridas originalmente instaladas no século XIII e fortemente restauradas 600 anos depois. Apesar destas restaurações subsequentes, as janelas ainda contêm alguns de seus elementos medievais originais.
Imagens mostraram que as janelas das rosáceas permaneceram tecnicamente intactas, mas ainda há dúvidas sobre a condição dos materiais. “Claramente, eles foram danificados, mas até que ponto ainda não sabemos”, disse Karine Boulanger, especialista em vitrais da Universidade Sorbonne, em Paris.
“Nós podemos ver que eles ainda estão no lugar, mas não sabemos em que estado eles estão, pelo menos de uma maneira detalhada”, disse ela. “O calor em si foi muito intenso e deve ter impactado o vidro, assim como o material que mantém os painéis juntos.”

Símbolo da arquitetura gótica

Foto: Thomas Samson/AFP
Foto: Thomas Samson/AFP
Os historiadores enfatizaram que a própria catedral era um emblema de um estilo arquitetônico e dos avanços que o acompanhavam. A Notre-Dame foi talvez a icônica aspiração gótica, disse Samantha Herrick, historiadora da França medieval.
“Muitas das características desta igreja eram novas na época”, disse ela. “Os vitrais eram novos, os arcobotantes (meio-arcos que apoiam as paredes do lado externo) eram novos, a arquitetura gótica em si era nova. Este era um local de inovação”.
O arquiteto Jean de Chelles projetou e construiu o transepto norte entre 1245 e 1260. De Chelles começou a construção do transepto sul em 1258, mas foi substituído por Pierre de Montreuil em 1270.
Para os especialistas, o que faz com que as monumentais rosáceas presentes na construção sejam únicas é o fato de que existem poucos exemplos de vitrais medievais em Paris. Ao menos fora da Sainte-Chappelle, uma capela inteira adornada em vitrais, quase uma caixa de joias, que fica a poucos metros dali, à sombra de Notre-Dame, na Île de la Cité.
Rose Window at Notre Dame Cathedral in Paris, France.
Rose Window at Notre Dame Cathedral in Paris, France.
A rosácea norte tem mais de 42 pés de diâmetro (cerca de 12 metros), e o sul chega aos 62 pés (quase 19 metros), levando em conta sua claraboia adicional.
Herrick observou que a forma como as partes da catedral desmoronaram era um testemunho de sua identidade medieval, particularmente por conta teto principal. “Ironicamente, na era medieval, eram registradas reclamações constantes a respeito custo de manutenção do teto de chumbo”, disse ela. “Os incêndios estavam acontecendo constantemente no período, e as partes mais propensas a cair naquele período eram os telhados.”
Depois que as chamas do incêndio de segunda foram controladas, uma cruz ainda estava sozinha – mas intacta – na capela‐mor, cercada por muros carbonizados.

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