Arquitetura

Casa de Julia Child que estava em ruínas começa a ser reformada

The Washington Post
16/04/2019 11:00
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Meryl Streep interpretou a chef e escritora no filme Julie & Julia, de 2009. Foto: Divulgação.

Rory Veevers-Carter abre a porta da frente de sua nova casa, na Olive Street.  Uma porta tão danificada que a ideia de trancá-la parece irrelevante. No interior, a casa é uma carcaça de madeira apodrecida e gesso desmoronando; uma enorme lona azul cobre um buraco na parede dos fundos. A estética geral é sujeira e entulho.
Não há escadaria também, então Veevers-Carter desliza escada abaixo até o porão – um pequeno pedaço de parede ainda retém um pouco de tinta verde. Como Indiana Jones descobrindo a arca perdida, ele acha que descobriu o último vestígio da velha cozinha. Que não era apenas uma cozinha antiga. Era a cozinha de Julia Child, proprietária dessa casa com o marido, Paul, nas décadas de 1940 e 1950.”O cômodo foi pintado no mesmo tom que a cozinha de Cambridge”, diz Veevers-Carter. Ele sabe porque, como inúmeros turistas prestando homenagem à amada chef e autora, ele visitou a sala reconstruída no Museu Nacional de História Americana do Smithsonian.
A ligação com Julia, no entanto, não foi a única razão pela qual o empresário de 59 anos acabou com a “pequena joia” de Child, como ela costumava chama-la. “Eu estava procurando por uma propriedade decadente em Georgetown”, diz Veevers-Carter, e a casa de madeira amarela na Olive Street NW preencheu os requisitos. A propriedade estava em ruínas quando ele a comprou por US$ 935 mil (pouco mais de R$ 3,7 milhões no câmbio de hoje) em 2015, depois de no The Washington Post que ela estava disponível. Por um tempo, ele viveu ali, mas com a casa atualmente sem chão, sem banheiro e praticamente sem tudo, ele está dividindo seu tempo entre sua casa em Cape Cod; visitas a sua esposa em Papua Nova Guiné, onde ela trabalha como gerente nacional do Banco Mundial; e casas de amigos.

História do imóvel

Ainda não há previsão de quando ele poderá voltar para casa, cuja história começa logo após a Guerra Civil, quando um carpinteiro afro-americano chamado Edgar Murphy construiu e alugou quartos como forma de ganhar dinheiro extra. Paul e Julia Child compraram a casa em maio de 1948, após retornarem a Washington de seus empregos no Office of Strategic Services no exterior. Naquela época, o anúncio da casa na “Olive Avenue” a descrevia uma “atraente casa com três quartos e dois banheiros, voltada para o parque”. Não havia menção à cozinha, mas Julia ainda não era  A Julia Child ainda.
Isso só foi acontecer quando os Child foram para a França – Paul para trabalhar para a Agência de Informações dos EUA e Julia para descobrir sua paixão pela culinária francesa. Eles voltaram para a casa em 1956, e Julia começou a reformar a cozinha, acrescentando o luxo de um depósito de lixo e comprando seu famoso fogão Garland. Foi ali que ela revisou o manuscrito de A Arte da Culinária. Lançado em 1961, é um de seus títulos mais famosos até hoje.
Na época da publicação do livro, os Child estavam em Oslo e a casa em Olive passara para as mãos de uma sucessão de proprietários. O último, Consuelo Echeverria, viveu lá nos anos 1960, quando o arquiteto Hugh Newell Jacobsen o remodelou. Suas atualizações incluíam uma escada em espiral e um átrio de dois andares. Depois que Echeverria se mudou, a casa viu um fluxo de locatários por 25 anos. Mark Magazu viveu lá de 2005 até 2011, pagando US$ 3,6 mil por mês. “Tenho 38 anos, então olhando para trás, [a casa] foi um desastre total”, diz Magazu, que mal sabia sobre sua história enquanto morava lá. “Mas para mim aos 25 anos, era um palácio.” Um palácio que, graças em parte às festas que dava por lá, começou a ter sérios problemas.
Mas por que isso acabou acontecendo? Afinal, a casa é praticamente o berço de um ícone da gastronomia nos Estados Unidos, onde ela ensinou as mulheres de Georgetown a preparar refeições como ovos pochés duxelles e frango sauté português. Meryl Streep a interpretou em um filme, afinal de contas.
Aparentemente, isso não foi motivo suficiente para preservar uma de suas antigas moradas. “Não é uma parte significativa da história de Julia”, diz Todd Schulkin, diretor executivo da Fundação Julia Child para Gastronomia e Artes Culinárias. A fundação, explica ele, concede doações para promover sua missão de educar e incentivar outras pessoas a descobrirem as alegrias da gastronomia. “Não é nossa missão tentar transformar em museus e preservar cada lugar que ela cozinhou ou dormiu.”

A reforma

Ainda assim, não há como negar a aura de fascínio pela pequena casa, para o qual Veevers-Carter criou uma página no Facebook e uma conta no Instagram. Por lá, é possível acompanhar a restauração conforme ela acontece.
Bem, quando isso acontece. “Remodelar uma casa histórica de Georgetown em menos de dois anos”, diz o arquiteto Dale Overmyer, que está fazendo a restauração, “isso é fantasia”. De fato, Veevers-Carter passou três anos apenas esperando várias permissões que precisavam ser dadas por órgãos regulatórios municipais.
Um grande desafio para a Overmyer era criar um espaço aberto e moderno para cozinhar e entreter, como solicitado por Veevers-Carter, que é um entusiasta da arte da gastronomia  – embora não particularmente parecido com Julia. Os planos do arquiteto pedem pouco mais de seis metros de espaço no balcão do primeiro andar, espaço suficiente para 12 pessoas se sentarem à mesa, e uma ilha de cozinha de 1,5 por 2 metros. “Ele queria que eu soubesse que a ilha tinha que ser forte o suficiente para um porco de 90 quilois ser processado, preparado e servido”, diz Overmyer.
O espaço do átrio do segundo andar será fechado, e uma escada mais adequada ao estilo da casa será restaurada. Uma coisa que Julia nunca poderia ter previsto: no nível mais baixo, onde ela uma vez cozinhou e ensinou, Veevers-Carter prevê um hammam, ou banho turco. “Um quarto inteiro”, diz ele, afundando uma bota de trabalho no que ainda é um poço lamacento.
Definitivamente não será mais a casa que Julia conhecia. Mas algo dela permanecerá. Quando os convidados telefonarem, eles anunciarão sua chegada usando a aldrava da porta original: um conjunto de cozinha de metal. Na verdade, talvez seja a aldrava dela. Antecipando os caçadores de souvenires que tentarem roubá-la, o irmão de Veevers-Carter, um artista com sua própria fundição, está preparando duplicatas.

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