Urbanismo

Arquitetura

Cidades lineares: o que são e como podem contribuir (ou não) para resolver problemas urbanos?

Camilla Ghisleni*
10/01/2022 19:23
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Plano da cidade linear de 160 quilômetros, na Arábia Saudita. | NEOM/Divulgação

“Do problema da locomoção derivam-se todos os demais da urbanização.” Foi em 1882 que o urbanista espanhol Arturo Soria y Mata proclamou tal afirmação e em resposta a ela criou e implementou o conceito de cidade linear. Baseado em uma doutrina funcionalista, este modelo de cidade renuncia a estruturas tradicionais como praças e quadras, subordinando o desenho aos traçados de circulação na sua configuração espacial mais racional, a reta.
A cidade linear, em sua concepção original, seria composta por uma espinha dorsal em forma de via urbana de comprimento ilimitado – a qual, segundo Soria y Mata, poderia ligar Pequim a Bruxelas – cortada por pequenas vias perpendiculares de 200 metros de comprimento oferecendo acesso às habitações e trabalhos. No centro dessa enorme via central seria implementada toda a infraestrutura urbana básica para abastecimento da cidade (tubulações para água, energia etc.), além dos equipamentos públicos relacionados às necessidades básicas da população, como saúde e segurança.
Sendo uma crítica às cidades policêntricas, esse modelo acredita na dispersão como elemento organizador, defendendo um urbanismo “eficiente e equitativo”, ou seja, nas próprias palavras de Soria y Mata, “terrenos a bom preço e comunicação rápida, frequente e econômica”, eficiência esta que decorreria da tecnologia do transporte coletivo – na época, o trem. Seus argumentos de condenação às cidades circulares e cidades jardim estavam baseados, portanto, na inacessibilidade financeira dos terrenos centrais; no congestionamento nos centros das cidades e na marginalização da população que habitasse a periferia.
Vista aérea de Brasília.
Vista aérea de Brasília.
Além do bairro experimental no subúrbio de Madri, erguido sobre os preceitos do urbanista espanhol no final do século 19, alguns outros exemplos de aplicações podem ser vistos, como é o caso de Brasília. A capital do país pode ser considerada um exemplo de cidade linear justamente por sua configuração baseada nos eixos que cortam e dão forma à urbe. Lúcio Costa também aplicou os mesmos preceitos quando desenhou o plano urbanístico para o bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, assim como Kenzo Tange o apresentou no seu plano monumental para a baía de Tóquio.
Apesar dos argumentos para sua aplicação terem sido bem pontuados na época – concomitantemente à invenção do automóvel –, os exemplos práticos demostraram que o modelo não seria capaz de resolver os problemas para os quais foi criado. Entretanto, muito do seu fundamento teórico permanece até hoje podendo ser visto nos sistemas de transporte superrápidos (trem-bala) que interligam diferentes cidades em um curto espaço de tempo ou em planejamentos inovadores, como o caso da The Line, uma cidade linear de 160 quilômetros de extensão planejada para ser construída na Arábia Saudita.
Nessa versão de quase dois séculos depois, a “cidade será composta por uma série de comunidades caminháveis livres de carros e avenidas, com capacidade para um milhão de pessoas. O projeto será organizado de modo a disponibilizar todos os comércios e serviços essenciais dentro de um raio de cinco minutos a pé a partir das habitações”, em uma mistura entre a forma linear anunciada por Soria y Mata e o novo modelo de urbanismo que muito se tem discutido hoje, as "cidades de 15 minutos".
A persistência do conceito até os dias atuais reforça a sua importância dentro da história do urbanismo, com uma ampla difusão que possibilitou maior inclusão dos transportes rodoviários nas cidades ao redor do mundo e que até hoje serve como uma utopia inspiradora.

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