Arquitetura

Símbolo do Cristo Rei, Conjunto Independência completa 50 anos com os olhos na rua

Bruna Junskowski*
15/02/2018 09:30
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Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo | Leticia Akemi

Há prédios cuja “simpatia “da construção parece transbordar pelos muros. Na Rua Souza Naves, o Conjunto Independência aflora, em quem passa pela frente dele, o desejo de viver em um dos apartamentos do condomínio. Os tijolinhos à vista e os jardins bem cuidados são apenas a fachada de uma relação de encanto com os edifícios, que se intensifica ao se descobrir o que há por trás dos seus muros.
Projetado pelo arquiteto Jaime Wasserman, um uruguaio que veio para o Brasil ainda criança, o Independência foi construído entre os anos de 1968 e 1970. Formado por cinco blocos, dois deles lineares e três em formato de “H”, o Conjunto Independência abriga 128 apartamentos, divididos nos edifícios nomeados de Montreal, Bragança, Orleans, Ipiranga e Marina.
Uma das características do conjunto é a honestidade ao mostrar os materiais utilizados na construção, e que ficam aparentes ao observador. “As pastilhas, o elemento vazado, um plano de tijolo. Você percebe que a construção dá independência a todos os elementos que fazem parte da fachada. Sempre que muda o material, muda-se também o plano. Isso é coisa de bom arquiteto”, explica Alexandre Ruiz, professor de arquitetura da Universidade Positivo e pesquisador da obra de Jaime Wasserman.
Dentro dos apartamentos, Wasserman testava sistemas de construção diferentes, utilizando lajes nervuradas em alguns apartamentos, que ajudam a segurar a estrutura, e lajes comuns. “Um dos fatores que pesaram para decidir morar aqui foi por causa do gabarito de altura do Independência, que é mais humano, sem grandes torres”, conta o arquiteto Vitor Takahashi, que há um ano e meio vive no Conjunto Independência.
“É um local bem distinto da morfologia da cidade”, diz ele. De frente para ele erguem-se as quatro torres do Conjunto Cosmos, também obra de Wasserman. Imponente em um bairro de prédios pequenos, o Cosmos revela uma relação com a rua bem diferente que a do Independência. “Qual lado da calçada você se sente mais seguro andando, no lado Cosmos ou no lado do Independência? [No Cosmos], você está no nível do estacionamento todo vedado, algo que na época era justificável. Mas no Independência as janelas estão olhando para você, existe essa relação de olhos para rua”, comenta Ruiz.

Sem muros, há meio século

Nos primeiros anos de vida do Independência, os muros não existiam, e os acessos ao condomínio eram livres. A lista de vantagens e desvantagens dessa característica fica por conta de Silmar José Tramujas, aposentado, que vive no Conjunto Independência desde que foi construído. “Era tudo aberto e embaixo da rampa era um gramado, não o estacionamento. Quando o Jaime Lerner inaugurou o Jardim Ambiental 2 ‘ali atrás’, aqui na frente de casa era entrada e saída para a praça”, relembra ele, que não sente falta da época em que o Independência se confundia com o espaço público. “Agora é melhor, antes os pedintes entravam e vinham pedir na janela”.

Florença, Príncipe e Independência

Citado como maior produtor de habitação social do Paraná, Jaime Wasserman também é responsável por conjuntos habitacionais relacionados diretamente ao Independência: o Conjunto Florença, construído entre 1966 e 1968 e o Conjunto Príncipe, entre 1970 e 1972. “É a mesma lógica de organização de planta. Para cada conjunto, ele organiza de acordo com topografia, terreno, insolação, e vai reformatando as fachadas, mudando a composição de materiais, das esquadrias e a forma de ascender aos edifícios. Vai gerando diversidade, diferentes possibilidades de habitar”, de acordo com Ruiz.
Os três conjuntos se conectam com a Praça Jardim Ambiental 2, uma continuação da Rua Sete de Setembro e que, originalmente, eram abertos para a rua, sem muros fechando os condomínios. Uma forma de inserir os moradores no espaço público.
No Conjunto Príncipe, antes do muro, a passarela do edifício levava a uma escadaria que dava acesso à praça.   “Todos os conjuntos dele têm isso, uma ideia de qualificar a cidade. A forma como os edifícios se posicionam de frente para a rua é uma contrapartida de urbanizar esse trecho da Avenida Sete de Setembro, uma lógica de que os três conjuntos habitacionais estariam gerando vitalidade para o espaço” conta Ruiz.

Criador

Formado em Engenharia e em Arquitetura na primeira turma do curso de arquitetura da UFPR, Jaime Wasserman ganhou uma bolsa para estudar na França em 1966 e outra em 1972. Na Europa, trabalhou com obras de habitação com foco em industrialização da construção e, quando retornou ao Brasil, incorporou know-how francês de racionalidade construtiva e implementou em muitos dos seus projetos.
“Fiz algumas entrevistas com ele até o falecimento (em 2016), e ao mesmo tempo que ele lembrava do passado, vinha uma vontade de fazer que era emocionante. Um tipo de empresário que não se encontra mais, porque ele não visava o lucro, ele queria fazer bem feito”, conta o professor Alexandre Ruiz, que tem recolhido diversos materiais a fim de escrever um livro sobre o arquiteto. “Ele tinha a preocupação de ter uma racionalidade construtiva muito grande e isso representava agilidade na construção, algo que a habitação social necessitava”, explica.
De acordo com o pesquisador, uma das características de Wasserman era o empreendedorismo. Em uma época em que não havia serralheria para produzir uma esquadria de ferro em escala, capaz de suprir a demanda, ele criou a sua própria e desenvolveu as janelas de seus conjuntos. Quando as esquadrias de alumínio começaram a ser procuradas, o mesmo se repetiu: Wasserman as detalhou e as desenvolveu.
*Especial para HAUS.

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