Arquitetura

Creche construída no Brasil é a primeira do mundo com selo máximo de construção sustentável

Karina Pizzini*
17/10/2019 17:47
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Creche Hassis, em Florianópolis, segue preceitos da arquitetura sustentável e tem certificação LEED Platinum. Foto: Divulgação

É viável uma construção pública com certificação sustentável. A afirmação é da arquiteta, Rachel Braga, responsável pelo projeto sustentável da creche Hassis, localizada na Costeira do Pirajubaé, em Florianópolis, Santa Catarina, em funcionamento desde 2015. A primeira creche do mundo e o primeiro prédio público do país a ter a classificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) – em português, Liderança em Energia e Design Ambiental – em nível máximo: Platinum. O LEED é um sistema internacional de certificação e orientação ambiental para edificações utilizado em mais de 160 países.
Foto: Divulgação
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Com 35 anos de carreira, aposentada há dois, Rachel atuou por quase 14 anos na Secretaria Municipal da Educação da prefeitura de Florianópolis, onde desenvolveu um projeto de creche padrão com base sustentável para a cidade.
Quando a quarta unidade, já licitada, estava na fase da fundação, ela e o colega de pasta, o engenheiro civil Luís Fernando Corrêa, dividiam a sala de aula em uma pós-graduação em construções sustentáveis. Ali, os dois avaliaram o projeto da creche Hassis e identificaram que faltava pouco para que a construção pudesse receber a certificação máxima da LEED.
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A partir daí, com a aprovação do secretário da época e a colaboração da empresa responsável pela obra, foi possível avaliar todos os critérios necessários para que a construção recebesse o selo.
Luís Fernando conta que as adaptações necessárias aumentaram em 12% o custo inicial da obra. Entretanto, o engenheiro lembra que os elementos sustentáveis se pagam com a própria economia de água e energia elétrica gerada por eles ao longo da vida útil.
A obra custou R$ 4.687.295,65 e contou com verba do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Ministério da Educação e recursos próprios da prefeitura.

Construção sustentável

Para receber a certificação, o canteiro de obras precisava ser limpo e organizado. “A ideia de ser sustentável é impactar o mínimo possível no ambiente durante e depois da obra”, diz Luís Fernando. Para isso, foi necessário ter a colaboração dos trabalhadores, pois os critérios incluíam mudanças de hábito no canteiro de obras. Entre outras ações, foram instaladas redes de proteção nos bueiros, para que a sujeira da obra não escoasse para a tubulação pública, e a colocação de um colchão de brita, para que os caminhões não carregassem a poeira ou lama para as ruas de acesso ao canteiro.
Foto: Divulgação
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Os materiais de construção também precisaram ser escolhidos seguindo critérios de sustentabilidade. A creche foi erguida em um terreno de quase 12 mil m², com 1.182 m² de área útil. Todo material de aço, alumínio e concreto utilizado na obra era reciclável. As dez salas que a unidade abriga têm varandas pergoladas com madeira certificada com selo FSC (Forest Stewarship Council) – ONG em prol do desenvolvimento sustentável das florestas e da conservação do meio ambiente – proveniente de manejo florestal responsável.
Outros elementos diferenciais sustentáveis da creche são: redução das ilhas de calor com adoção de alto índice de refletância solar na pavimentação do estacionamento e a pintura do telhado de branco (o que diminui a temperatura interna); estacionamento da unidade apresenta piso drenante, feito com resíduos da maricultura local que absorve a água de chuva, reduzindo seu escoamento para as galerias pluviais; a água superficial proveniente da chuva é drenada pelo terreno e armazenada em um lago de infiltração subterrâneo até completa absorção sem afetar a rede pluvial, sendo reutilizada para fins não potáveis. Há ainda o uso de materiais com baixa emissão de compostos orgânicos voláteis (COV ou VOC): todos os adesivos e selantes, tintas e revestimentos, pisos e rejuntes, placas de forro acústico, utilizados no interior da creche Hassis possuem baixo teor de COV.

Energia solar e iluminação natural

A eletricidade é provida por 146 módulos de painéis solares de silício amorfo. O sistema de energia fotovoltaica é interligado à rede elétrica pública, dispensando assim os bancos de baterias. O excedente de energia gerada é injetado na rede elétrica com crédito para a prefeitura usar em outras unidades escolares.
O imóvel também tem um sistema de aquecimento de água por energia solar, composto de coletores (placas) e reservatório térmico (Boiler). A cobertura da área de trabalhos manuais e pórtico de entrada tem um telhado vivo. O paisagismo é composto por espécies nativas, horta e parques infantis.
Foto: Divulgação
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A creche conta ainda com ambientes bem iluminados, peitoril baixo (escala infantil) e em vidro fixo nas janelas das salas. Domus feitos de lâmina acrílica prismática no teto da circulação coberta permitem iluminação natural refratada de forma homogênea durante grande parte do dia; além de conforto térmico com sistema de ventilação natural através da colocação de elementos vazados de concreto ao longo dos beirais, o que possibilita a renovação e circulação do ar nos forros e áreas de circulação através da edificação. Mantas isolantes de subcobertura e forro acústico de lãs minerais biosolúveis dão ainda maior conforto térmico e acústico ao pátio central e circulação coberta.

Papel da arquitetura na educação

Os trabalhadores não foram os únicos que precisaram se adaptar à rotina. Os professores que atuariam na unidade dali em diante precisariam adaptar a cultura pedagógica à proposta da unidade. Raquel Braga conta que a contribuição pedagógica durante a obra foi essencial para o projeto, realizado a partir de muito diálogo com professores da rede infantil. “Enquanto pudermos fazer a arquitetura como um projeto educador, estamos contribuindo muito para a sociedade”, afirma.
Para a atual diretora da unidade, Carla Cristina Britto, o projeto arquitetônico foi desenvolvido de forma muito humana, o que facilita a adaptação do profissional da educação à estrutura, diferenciada de outras unidades municipais de ensino. “Foi preciso repensar o processo pedagógico a partir da cultura de sustentabilidade, ressignificando as nossas materialidades, ou seja, o que eu uso como objeto para realizar minhas atividades pedagógicas. Por exemplo, substituímos a massinha de modelar industrializada por uma massinha artesanal produzida pelas crianças. Penso em cada material que compro para a creche”, explica.
Foto: Divulgação
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Sustentabilidade e arte formam a cultura pedagógica da unidade. A diretora conta que as 265 crianças – entre quatro meses e seis anos – que hoje estudam no local, desfrutam de uma rotina de respeito à natureza, manuseio da terra, consciência sustentável e de incentivo à arte e à cultura. Carla lembra que o próprio nome da unidade é em homenagem ao artista plástico Hiedy de Assis Corrêa, mais conhecido por Hassis, falecido em Florianópolis em 2001, que tinha sua obra pautada na cultura regional e no cotidiano da capital catarinense.
“Quando a gente consegue ofertar uma educação de qualidade com valores distintos – principalmente para crianças muitas vezes em situação de vulnerabilidade –, eu consigo olhar para frente e deslumbrar uma sociedade mais humanizada. Essa criança vai poder fazer escolhas mais conscientes. Nós trazemos um mundo possível sem plástico e com menos tecnologia. Porque é ali naquele espaço que ela vai se desenvolver como indivíduo e como coletivo”, reforça.

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*especial para a Gazeta do Povo

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