Arquitetura

Criativo, graças a Deus

Camille Cardoso, especial para a Gazeta do Povo
30/07/2013 03:58
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Movido a inspiração desde sempre, o arquiteto autodidata Gerson Castelo Branco confessa estar em ritmo desacelerado. Ele prefere escolher os trabalhos a que se dedica e ministrar palestras pelo Brasil. Ou seja, apenas poucos e seletos clientes têm a perspectiva de viver em um imóvel construído com materiais reciclados da natureza, no estilo “casa de praia de luxo” que consagrou o piauiense – as “paraqueiras”. O profissional selecionado por Oscar Niemeyer como um dos 50 mais influentes no mundo diz que não liga para os efeitos disso no bolso – prefere pensar na alma. “Sobrevivo no peito e na marra, como qualquer profissional de arquitetura brasileiro”, conta. Esse jeito desprendido teve auge nos anos 1970, quando Gerson deixou a faculdade de artes plásticas para morar em uma aldeia de pescadores na Bahia.
A sustentabilidade e o amor à profissão têm sido justamente o tema da fala de Gerson no ciclo itinerante de palestras Docol, que o fez passar por Curitiba em julho.
Sustentabilidade é uma palavra economicamente forte hoje em dia. Tudo que é vendido com este selo é realmente sustentável?
Quando essa palavra virou moda é que descobri que o que eu fazia no Piauí na década de 1970 era sustentável. Este planeta é uma deformação, todos os processos são degenerativos. Somos 7 bilhões de animais predatórios. Esta prática ainda está muito no discurso, mas o planeta está pedindo socorro.
Você costuma dizer que a arquitetura brasileira visa a ostentação. Por que?
Para produzir algo para algum lugar, é preciso que ele fale o que quer. Quando chego para produzir algo, pego informações de todos os tipos. No Brasil, vive-se dentro de gaiolas climatizadas artificialmente. Todos os materiais são impostos pela indústria já nas escolas de arquitetura. Não sou arquiteto, nunca fui a essa faculdade, mas desenho desde os 14 anos. Como sempre vivi em regiões muito pobres, me incomoda passar de carro junto de pessoas que não têm nada. Então, trabalho com arquiteturas vernaculares, utilizando materiais do entorno. A Casa da Serra [onde mora] é toda feita de talos de madeira, como uma gaiola. Ela vai durar tanto quanto eu, enquanto eu fizer manutenção. A arquitetura brasileira precisa ter uma cara, uma identidade. Mas o mundo está cada vez mais globalizado, tecnológico.
Isso faz com que você tenha materiais preferidos?
Não sou fechado a materiais. Cheguei a usar aço em uma casa de Sorocaba (SP). Você mantém o desenho, mas usa outras possibilidades. É interessante porque você pode ir do aço ao talo sem perder a essência. Prefiro os naturais porque eles interagem com o nosso físico. Existem materiais que são totalmente contrários à saúde do ser humano e procuro evitá-los. Além de usar a identidade da região onde o imóvel está. O Museu Oscar Niemeyer e a Ópera de Arame, por exemplo, são elementos que vendem a cultura do Paraná e servem para a função a que são destinados.
Por que você critica a tendência dos brasileiros em buscar referências europeias?
O Brasil é um samba do crioulo doido, com referências culturais extremas. Os materiais usados em um clima frio, onde o mofo se cria, têm de ser diferentes de lá em cima [no Norte/Nordeste]. Lá há mais recursos – venezianas, treliças de madeira. Mas a tecnologia permite migrações. Na Casa da Espanha [em Loiba], por exemplo, onde venta muito, foram usados vidros inclinados na área social. São esquadrias perfeitas que aguentam os ventos sem quebrar.
Como você vê as escolas de arquitetura hoje?
Uma escola produz arquitetos em massa. O mercado não comporta isso. A arquitetura é uma profissão nivelada por baixo. Não sei hoje em dia quanto cobrar, nem como. Costumo fazer uns três orçamentos. Existe ainda uma coisa insuportável: quem paga o arquiteto não são clientes, mas fornecedores. Antigamente, se chamava “comissão”, hoje se usa o termo “reserva técnica”. É lamentável. Você fica em um processo de querer empurrar ao cliente materiais e móveis a mais porque é mais interessante economicamente.

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