Opinião

Arquitetura

O que podemos esperar da Curitiba do futuro?

André Prevedello e Alessandra Montani*
20/10/2020 17:20
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Paço da Liberdade, em Curitiba. | Agnes Vilseki, 2020.

No final do século XIX um artista chamado Jean-Marc Côté representou o que seria a cidade de Paris no ano 2000 em cartões-postais para a Feira Mundial de 1900. Nesses, diversas tecnologias atuariam na cite, desde aviões particulares até casas sobre rodas, questionando a atual noção de propriedade privada. A ideia de utopia e cenários prospectivos parece estar muito associada à nossa condição de viver em uma sociedade com desejos nunca completamente realizados.
No cinema é comum assistirmos as cidades de hoje redesenhadas em cenários distópicos. Akira (1988) mostra Tóquio devastada após a terceira guerra mundial. O filme Soylent Green (1973) mostra Nova Yorque em 2022 com toda a miséria humana resultante da superpopulação. Neste ano de pandemia, vamos aqui exercitar nosso lado utópico, pois como anota Alan Weisman no livro “O mundo sem nós”, em 300 anos praticamente todas as grandes cidades teriam desaparecido e a natureza retornaria.
Para obter uma visão ampliada, alguns importantes profissionais trouxeram suas visões desta Curitiba futura. Segundo o arquiteto e urbanista Alexandre M. Alves, professor e sócio da MA Arquitetura, no percurso dos próximos 130 anos a condição de vida da metrópole exigirá transformações territoriais e de costumes da população. “Vejo o horizonte das atividades humanas cada vez mais voltado às tecnologias digitais e às possibilidades de conexão remota”. Contudo, a vida cotidiana continuará acontecendo nas cidades e, assim, Curitiba deve se manter atrativa para uma vida urbana sadia e próspera, terá a responsabilidade de ser o espaço real, das relações e da afetividade.
Segundo o arquiteto e urbanista Marlos Hardt, professor doutor da PUCPR e sócio da HARDT Planejamento, a Curitiba de 2150 será liberta das amarras negativas de seus bem-sucedidos, porém envelhecidos planos, aproveitando-se de fato daquilo que tiveram de positivo. Ainda possuirá seu tripé de planejamento, porém com um transporte limpo, eficiente, superavitário, público e gratuito. Dessa forma, irá liberar o solo para um uso vibrante, misto, inclusivo e integrado a um sistema viário orientado às pessoas e a meios de locomoção ainda individuais, porém menores, mais simples e menos agressivos.
Já na visão de Eunice Liu, arquiteta, professora doutora da UTFPR, se Curitiba continuar visando ser cidade do design, deve caminhar no sentido do desenvolvimento urbano sustentável, promovido por políticas públicas e projetos com participação de comunidades. Tende a ser conectada, com transporte urbano multimodal e compartilhado, como devem ser muitos serviços. Moradia, trabalho, produção e consumo devem se aproximar, em um modelo urbano descentralizado. Teremos o aumento de iniciativas de agricultura urbana e arquitetura sustentável, que valorizem os espaços públicos e o pedestre. Rica culturalmente por origem, deve valorar ainda mais sua tradição.
Nesses cenários prospectivos, vemos a preocupação com a mobilidade e o espaço público. Talvez reflexo do que colocou a cidade no cenário internacional, principalmente relacionado ao seu sistema de transporte, aliado a parques e arquiteturas expressivas principalmente dos anos 1990. Nossa visão parte da necessidade do espaço público ser permeado, injetado no tecido da cidade e não ficar confinado aos parques. Esses cumprem uma função social, contemplativa e ambiental, contudo, principalmente pelo fato de serem reservas, se tornam áreas delimitadas pela cidade que avança ao seu redor. Assim, estimula uma zonificação do ser social, muito aos moldes modernistas, de se delimitar áreas de exuberância paisagística concentrada. Uma vez que vivemos esta era do antropoceno, é necessário, para uma cidade futura saudável, que essas áreas públicas verdes se espalhem pelo restante do tecido urbano. Necessitamos de áreas de fruição pública entremeando ruas e edifícios com a liberação de usos mistos espalhados por toda a cidade.
Trabalhar, lazer, praticar esportes devem se misturar ao morar e ao espaço livre da cidade, diminuindo, assim, a necessidade de grandes circulações. Necessitamos de mais ruas fechadas para o pedestre, várias Ruas XV em diversos locais da cidade e não de mais binários que estimulam a alta velocidade do transporte privado. A cidade futura não pode ser feita apenas de construções, ela precisa de urbanidade e arquitetura e isso se alcança resistindo à pressão idílica, defendendo as questões ambientais e (re) criando uma imagem da nossa cidade.
Nossa pergunta é: será que necessitamos de tanto zoneamento urbano? Desde o Plano Agache (1943), passando pelo plano de 1966, até a lei 4.199 de 1972 há um aumento do número de zonas com a utilização dos setores especiais (educacional, histórico, desportivo, vias coletoras, de expansão e preferencial de pedestre). Somente na lei 13.909 de 2011 é que a utilização de uso misto (comércio com residência) torna-se algo a ser estimulado.
A sociedade não utiliza apenas uma zona, e necessita de diversas funções para o seu dia a dia. Segundo o arquiteto Matheus Marques, diretor do escritório Hiperstudio, a coisa mais importante de habitar a cidade é que ela nos une. Sua visão para a Curitiba dos anos 2150, além de um lugar que retrata o imaginário muitas vezes ingênuo que temos sobre o futuro, é que ela saiba transformar os avanços tecnológicos em infraestrutura para deslocamentos ultrarrápidos e comunicação eficientes, aumentando a conexão entre as pessoas, maior combustível para qualquer desenvolvimento possível.
Assim, nossa visão da Curitiba do futuro é uma cidade que elimine esta noção de zonas e possibilite uma demarcação fluída e menos limitada entre natureza e cidade. Esperamos que o espaço público entremeie os edifícios inflando vida e movimento em todos os locais da cidade, não apenas em parques ou ruas específicas.
 Instituto de Previdência do Estado IPE.
Instituto de Previdência do Estado IPE.
Diversas dessas questões estão sendo debatidas por profissionais, a exemplo da Expo para Curitiba, com a última exposição realizada em 2019. Com um misto de aflição e esperança, desejamos que no futuro recuperemos o espaço coletivo da cidade. Esperamos que o Teatro Guaíra se una à Praça Santos Andrade e que o terminal Guadalupe, com belíssima arquitetura, torne-se um polo cultural e comercial. Que a vegetação se espalhe pela cidade em parques lineares, cruzando e costurando o público e o privado. Imaginamos uma cidade completamente mista de usos e classes e que respeite as diferenças culturais, pois a homogeneização da sociedade – e por que não da natureza? – é uma invenção política.
RETOMADA DA ARQUITETURA PELA CIDADE
Outra projeção reside na retomada da arquitetura pela cidade. Não estamos falando aqui em quantidade de construções, pois quanto do construído hoje pode ser considerada arquitetura? Curitiba não escapa da bolha social, midiática, cultural e tecnológica que compõem o status atual de tornar-se trivial, generalizar-se.
Os edifícios construídos em grande parte pelo mercado são projetados genericamente como simulacros arquitetônicos. São massas genéricas, que, por não se respaldarem em muita coisa, não possuem referências sólidas e, assim, facilmente podem ser modificados. Entre massas genéricas se espalham fachada-ismos pela cidade, e esses rapidamente se alternam entre os modismos em voga. Perdemos a cidade gerada por seus edifícios, criando um limbo arquitetônico. Para essa cidade genérica os edifícios, que deveriam criar o imaginário urbano junto com o espaço público, nunca devem possuir a capacidade de se tornar permanente, ou seja, nunca devem se tornar um patrimônio construído da cidade.
Nossa cidade já produziu muita arquitetura de excelente qualidade, vide edifícios como o Paço da Liberdade, a Universidade Livre do Meio Ambiente e o Instituto de Previdência do Estado, entre outros. Também vem se renovando com profissionais de destaque no cenário nacional com premiações em relevantes concursos. Assim, essa contradição entre massa construída e arquitetura precisa ser eliminada. Vivemos em um tempo no qual a individualidade do edifício se dissolveu na vastidão do ambiente urbano, à semelhança de como o indivíduo dissolveu- -se na massa. Nossa esperança é que o indivíduo se reafirme, não ao modo individualista, mas como um coletivo presente.
*André Prevedello é arquiteto, urbanista, músico e artista. Fundador e diretor do escritório AP Arquitetos em 2010.
Alessandra Montani é arquiteta e urbanista, com alma de artista. É também uma das fundadoras do Grimpa Arquitetos.

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