Arquitetura

Diretor da série Casa Brasileira destaca que sem histórias, não há arquitetura; confira entrevista

Luciane Belin*
26/02/2020 10:52
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Alberto Renault traz a diversidade e o encantamento da arquitetura nacional para o programa Casa Brasileira, no Canal GNT. Foto: Divulgação

Paraty, Salvador, Porto Alegre, São Miguel do Gostoso e Tiradentes. Esses são alguns dos destinos que Alberto Renault visitou para gravar os episódios da temporada atual do programa Casa Brasileira, do Canal GNT, do qual é diretor e apresentador.
No ar há dez anos, a atração leva para a televisão casas assinadas por alguns dos mais importantes arquitetos brasileiros, com a proposta de exaltar a excelência dos profissionais da área no país e de discutir o que torna uma casa um lar brasileiro. HAUS conversou com Alberto Renault sobre sua trajetória e o que ele busca trazer aos episódios do programa Casa Brasileira. Confira!
Os programas são filmados em todos os cantos do país e mostram os diferentes estilos de casas brasileiras.
Os programas são filmados em todos os cantos do país e mostram os diferentes estilos de casas brasileiras.
Com o Casa Brasileira, você tem a oportunidade de mergulhar no mundo da arquitetura e da relação das pessoas com as casas e com as cidades. Como tem sido essa experiência para você?
Cada casa que eu entro é quase como a primeira, sempre uma descoberta. O encontro com os arquitetos e os moradores, a chegada nos lugares. Em toda gravação ainda parece que estou fazendo aquilo pela primeira vez, apesar da experiência adquirida. Me surpreendo pela arquitetura, pelo morar, pelas escolhas das pessoas. São muitos os aspectos que me fascinam. Por que aquela pessoa escolheu morar daquele jeito, aquele material, aquela vista, aquela situação. Esse diálogo estético das pessoas, quando é autoral, me interessa muito.
Tem uma frase do Dostoiévski [Fiódor Dostoiévski, escritor e filósofo russo] que diz que a beleza vai conquistar o mundo. E não é a beleza, como um conceito único, mas a que cada um sente. Sempre me perguntam “qual a casa que você achou mais bonita”. Mas seria melhor se perguntassem “qual é a pessoa que estava mais encantada com a casa?”. Não importa a mais bonita, não é isso que estou buscando. O que importa é o que cada um está entendendo como beleza.
Como é a casa brasileira para você? Você enxerga diferenças no morar de um lugar ao outro?
Não existe fronteira. A gente inventa o nosso país onde a gente está. A casa brasileira podia estar no Japão, existem casas brasileiras pelo mundo, podemos falar nisso concretamente ou abstratamente. Pode ser desde o jeito de receber do brasileiro até aspectos físicos. Podemos esbarrar em milhões de questões, que são até urbanísticas. Falando de arquitetura, a casa brasileira se relaciona com a natureza, é um jeito de estar em um lugar. E o Brasil é essencialmente tropical, então as casas podem ser abertas.
Um estrangeiro estranha as janelas que não fecham, o diálogo com a luz, o céu e a natureza, que são marcas fortes da arquitetura residencial brasileira. Os grandes vãos, os pés-direitos altos, as varandas, os alpendres, tudo isso faz parte desse olhar. Então, a casa brasileira é uma casa aberta para a natureza. Sob outro aspecto, entrando na casa brasileira, não tem jeito de alguém não te oferecer um pão de queijo. Você entra na casa de um brasileiro, tem café, tem pão de queijo, a pessoa sempre te oferece alguma coisa, nem que seja um copo d’água. A casa brasileira tem uma gentileza que é uma característica que está sempre ali. A sala do brasileiro ainda é feita e usada para receber, ainda tem essa ideia da sala de visita, enquanto que em muitos lugares isso já não é mais assim.

“Todo mundo tem memória de casa, seja o apartamento que você morava, o quarto da sua avó, o sítio que você visitava na infância, seu quarto de criança, isso me interessa muito. Eu entrevisto alguém e consigo imaginar aquela pessoa de pijama no sofá, lendo um jornal numa poltrona. Então eu me interesso pela vida naquela casa”.

Pode nos falar um pouco sobre os bastidores do programa? Como vocês chegam até essas casas?
O programa é pensado por mim e por Baba Vacaro, que é designer consultora de grandes marcas, que está comigo no roteiro do programa desde o começo. Quando começamos, e ainda é assim, essencialmente, os episódios eram baseados no perfil de arquitetos, designers ou paisagistas brasileiros. Uma das coisas que eu gosto é associar a palavra “brasileiro” a uma característica de excelência, ao que há de melhor, independente da escola, do estilo.
A minha escolha é traçar um panorama da arquitetura contemporânea brasileira, dos mais jovens aos mais consagrados, dos mais experimentais aos mais profissionais, é passar por todos os nomes, os estilos, os gostos. Mas tem uma questão de logística, também. Temos uma rotina de viagens e deslocamentos, temos sempre que agendar cinco ou seis casas que estejam disponíveis para gravar cada uma em um dia. É quase um ano de preparação, cada deslocamento é muito preciso, e todo mundo sempre tem que preparar alguma coisa para a gravação. O dono da casa tem que poder e querer, são várias questões.
Antes do Casa Brasileira, você trabalhou na direção de projetos como o Muvuca, o Brasil Legal e o Um Pé de Quê, que também tinham como característica viajar pelo país conhecendo e compartilhando aspectos das cidades, das relações das pessoas com os espaços urbanos e da cultura com esses espaços. Como essas experiências contribuíram para o trabalho que você faz agora?
Eu entrei na televisão trazido por Regina Casé para fazer o Brasil Legal, foi ali que eu comecei a fazer televisão. O que eu aprendi com ela ao fazer documentários de entretenimento para a TV foi a espontaneidade, transformar a gravação em uma situação. Muitas vezes eu chego em uma casa, e quase que o entrevistado não percebe que estamos gravando. Eu quero que seja suave, delicado. E é isso que traduzo para a linguagem do programa: converso com o entrevistado, gravo horas para depois chegar em 10 ou 20 minutos.
Aprendi com a Regina e com esses anos fazendo esses programas, em uma linguagem totalmente experimental, a fazer televisão de maneira espontânea, a buscar a naturalidade, a não acreditar no artificial. Acresci a essa espontaneidade a questão estética do olhar. Fico horas esperando uma luz, por exemplo. Em resumo, o que eu busco é afeto e estética, um dos dois pelo menos. O afeto vem da espontaneidade, da conversa, do encontro com os moradores e o arquiteto. E a estética vem do tentar mostrar para o espectador o que eu estou vendo. Traduzir a espacialidade, o ponto de vista de quem está no sofá olhando pela janela.
Casa do ator Murilo<br>Benício com projeto de<br>Miguel Pinto Guimarães:<br>uma das residências<br>mostradas no programa.
Casa do ator Murilo<br>Benício com projeto de<br>Miguel Pinto Guimarães:<br>uma das residências<br>mostradas no programa.
Quão desafiador é mostrar o valor humano que existe em uma interface que é basicamente material – no caso, as construções?
Não existe arquitetura sem encomenda. O arquiteto não faz uma casa do nada, ele faz para alguém, é forma e conteúdo. Eu tenho uma forma, mas ela existe porque há o conteúdo. A pessoa que pediu aquela casa tem desejos, memória, afeto, e é com este aspecto que o arquiteto constrói a casa usando as técnicas. E quando converso com o arquiteto, eu deixo claro que preciso do morador, não que esteja fazendo um programa sobre histórias de vida, mas não existe arquitetura sem histórias. A arquitetura é construção de sonhos, as pessoas não querem saber a altura do pé-direito nem a largura da viga.
Nós aquecemos essa temática que poderia ser fria. Todo mundo tem memória de uma casa, seja o apartamento que você morava, o quarto da avó, o sítio a que você ia na infância, seu quarto de criança… isso me interessa muito! Eu entrevisto alguém e consigo imaginar aquela pessoa de pijama no sofá, lendo um jornal numa poltrona. Eu me interesso pela vida naquela casa.
Vivemos em um país em que habitação é uma questão social e econômica séria. E ter um lugar para morar é o sonho da vida de milhões de pessoas. Como você olha pra isso?
Eu quis desde o início propor que o programa fosse sobre a arquitetura brasileira, não sobre o habitacional. Com isso, quis prestigiar e alavancar o nome brasileiro como algo de excelência, não falar do brasileiro sempre associado aos problemas, mas mostrar o que tem de bacana. A arquitetura ainda é – no mundo, não no Brasil – uma arte de elite. Contratar um arquiteto e construir uma casa de campo, no condomínio da grande cidade, é privilégio de uma minoria.
Essas casas que a gente mostra são quase como peças de museu, são obras de arte, que muitos querem ver, mas nem todos podem ter. Eu compro pilhas de revistas de decoração de casas que eu jamais poderei ter, mas aquilo me interessa e me inspira, dá um prazer em um sentido estético. Eu não mostro as casas como exercício de consumismo, mas de prazer estético. Nossa ideia é trazer uma gentileza para o olhar do espectador. Tento acalentar o olhar das pessoas através do meu programa.

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