Arquitetura

Opinião: construções “neoclássicas” não refletem Paris, são jogadas de marketing

Fábio Domingos Batista*
02/06/2017 10:52
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Ruptura entra interior e exterior dos prédios cria estranhamento que intriga arquitetos. Fotos: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Em nossas paisagens urbanas há edifícios de diversas épocas que nos contam muito sobre quando foram construídos. Porém, vemos se materializarem em nossas cidades diversos edifícios novos que parecem velhos, em que figuram elementos decorativos utilizados no passado e em exemplares históricos. Tais edificações são comumente chamadas de neoclássicas e se caracterizaram como um dos estilos preferidos pelo mercado imobiliário nas últimas duas décadas.
Vale ressaltar que o termo neoclássico é erroneamente empregado, pois a arquitetura neoclássica ocorreu no Brasil somente no século 19. O chamado neoclássico na verdade é uma estratégia de marketing elaborada pelo mercado imobiliário que tenta incorporar conceitos como nobreza, poder e sofisticação, mas muito se distancia da qualidade arquitetônica almejada por grande parte dos arquitetos, que o desaprovam.
O ar de Paris
A grande referência é a Europa. Os estilos “neoclássicos” passeiam pela França, Inglaterra e até citam algumas regiões da Itália, dependendo sempre dos desejos do mercado. Os caros impressos publicitários demonstram essa intenção, afirmando o requinte de morar como no Velho Mundo, trazendo termos como Maison e Château ou até nomes de cidades ou de personalidades europeias, mas sobretudo fazendo alusão a Paris. Dessa forma, alguns empreendimentos possuem elementos decorativos clássicos, como arcos e colunas, e os misturam com outros presentes na paisagem urbana da capital francesa, como mansardas, balaústres e pináculos, o que resulta em uma composição confusa e anacrônica.
Mesmo assim, a referência a Paris permanece e agrada ao grande público, que almeja o status de morar em um edifício que, em seu imaginário, se parece com algum outro da capital francesa. O que intriga muitos arquitetos é que a Europa, incluindo a França, produz uma arquitetura contemporânea de grande qualidade. Se o mercado imobiliário quer respirar o ar de Paris, por que não buscar a palpável arquitetura contemporânea da capital francesa, impressas em revistas e sites especializados? Em vez disso, porém, cria no imaginário de seus consumidores uma Paris caricata e inexistente.
“Estilo” criaria no imaginário de seus consumidores uma Paris caricata e inexistente.
“Estilo” criaria no imaginário de seus consumidores uma Paris caricata e inexistente.
Arquitetura como objeto de consumo
A grande questão a ser discutida na produção da arquitetura dita neoclássica é que ela não agrada a grande maioria dos arquitetos e marca o distanciamento entre as escolas de arquitetura e o mercado imobiliário. Não há propostas “neoclássicas” nas revistas ou sites especializados em arquitetura, também não as encontramos entre finalistas de concurso de estudantes ou de profissionais.
O papel do arquiteto e seu poder de decisão nesses empreendimentos é reduzido. O grande promotor dessas edificações é o incorporador que, juntamente com a equipe de marketing e publicidade, busca o melhor resultado financeiro para o empreendimento.
Vale ressaltar que a fachada “neoclássica” muitas vezes possui vantagens econômicas para o empreendedor devido à simplicidade do revestimento, pois trata-se, na verdade, de argamassa e pintura. Ou seja, o “neoclássico” pode reduzir os custos para o construtor, mas o consumidor terá um custo maior de manutenção, se comparado com um edifício com revestimentos mais duráveis, como a cerâmica ou a pedra, por exemplo.
O que também intriga muitos pesquisadores do tema é a ruptura entre a aparência interna e externa do edifício. Internamente, se mora no século 21, mas a aparência externa evoca as primeiras décadas do século 19, ou seja, as fachadas “neoclássicas” são uma apropriação fora de época.
Por uma arquitetura contemporânea
Muitos arquitetos que trabalham no mercado imobiliário afirmam que a moda “neoclássica” já passou e que agora as incorporadoras buscam referenciais contemporâneos. Cabem aos arquitetos não somente questionar a produção arquitetônica que se materializa em nossas cidades, mas também buscar uma maior aproximação com o mercado imobiliário e reforçar a importância da profissão na produção de nossas paisagens urbanas. Talvez assim, no futuro, as cidades brasileiras possam ter uma produção arquitetônica com referenciais contemporâneos, como ocorre na América do Norte, Europa e em alguns de nossos vizinhos, como Colômbia, Argentina e Chile.
Vale lembrar que o Brasil produz bons arquitetos com grande destaque internacional. Parte deles confecciona bons projetos para o mercado imobiliário, mas alguns mantém sua produção afastada, materializando apenas edificações pontuais com expressiva qualidade arquitetônica, apontando o grande potencial existente na arquitetura nacional.

*Fábio Domingos Batista é arquiteto e urbanista, Mestre em Projeto e Tecnologia do Ambiente Construído e especialista em Estética e Filosofia das Artes. É autor de livros sobre patrimônio histórico e cotidiano urbano e integrante da Grifo Arquitetura.

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