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Arquitetura

Linhas retas e integração: 6 projetos de casas com fachadas contemporâneas

Vivian Faria, especial para HAUS
25/08/2020 11:00
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Foto: Eduardo Macarios | Eduardo Macarios

A fachada de uma casa não necessariamente se parece com aquilo que rabiscamos no papel quando nos pedem para desenhar uma casa – uma frente quadrada com porta e janela, um lado retangular com duas janelas, um telhado triangular com chaminé etc. É claro que muitas foram construídas inspiradas nesse modelo – assim como muitas ainda o são. Mas hoje, graças a mudanças na arquitetura, na forma de pensar o morar, nas preocupações e nos desejos humanos e na tecnologia, a fachada pode ser feita nos mais variados estilos, formatos e materiais.
Com tantas possibilidades, como fazer a melhor combinação? De acordo com arquitetos, olhando para além da fachada em si. “Quando se pensa a casa como um elemento importante no contexto urbano da paisagem, os revestimentos, cores e materiais não são somente uma 'maquiagem'. Precisa-se entender que a fachada é uma composição de volumes, uma leitura de 'cheios X vazios', um equilíbrio de proporções que precisa considerar os elementos naturais do entorno e os recursos que estão disponíveis para valorizá-la”, diz a arquiteta Caroline Bollmann, do escritório Espaço A.
Em outras palavras, a fachada não tem uma função puramente estética. “A fachada é o primeiro olhar para todo o conceito da casa. Durante os séculos, elas têm mostrado os desejos dos proprietários, mas também estão associadas a fatores como segurança, cultura, privacidade, insolação, ventos, temperatura, paisagem, topografia e até à mão de obra e tecnologia disponíveis”, explica o arquiteto Fernando Canalli, sócio do escritório Canalli Arquitetura. É considerando tudo isso que ela vai cumprir as funções de representar a identidade do morador, criar uma relação de conforto entre ele e o ambiente e conversar harmonicamente com a paisagem do entorno.
Na arquitetura contemporânea, a transparência é um elemento cada vez mais explorado, como no projeto da Casa Pátio, em Florianópolis. Foto: Ronaldo Azambuja
Na arquitetura contemporânea, a transparência é um elemento cada vez mais explorado, como no projeto da Casa Pátio, em Florianópolis. Foto: Ronaldo Azambuja
Com isso, o céu se torna o limite. “Você pode ter uma proposta mais contemporânea, que são fachadas mais limpas, com elementos mais transparentes, algum contraste de revestimento ou cor, ou mais tradicionais, com elementos mais simétricos, colunas, molduras e composições monocromáticas. Mas há ainda fachadas rústicas, mais no estilo vila ou no clássico americano”, explica o arquiteto e sócio do escritório Valliatti & Patrão, Sérgio Valliatti.
Para ele, assim como para outros profissionais da área, há uma busca cada vez maior por casas contemporâneas, com linhas mais retas, e uma melhor integração com o ambiente externo – esse último, aliás, um desejo que parece se tornar cada vez mais comum depois da pandemia de Covid-19 e do isolamento social, conforme os arquitetos.
Essa busca por um estilo contemporâneo se deve, entre outros motivos, a fatores como praticidade, funcionalidade e tecnologia. Porém, isso não significa que os outros estilos estão sendo deixados de lado. Muito menos que elementos contemporâneos e clássicos não possam ser reunidos em um mesmo projeto.

Abre e fecha (e abre de novo)

Embora fique claro que o resultado final de uma fachada depende de gosto pessoal e do local onde a casa será construída, entre uma série de outros fatores, é interessante notar que algumas características mudam com o tempo. No passado, por exemplo, o exterior das residências eram extremamente adornados, enquanto hoje, mesmo quando seguem propostas mais clássicas, costumam ter um visual mais limpo. Algo semelhante pode ser percebido na relação com a rua.
“Antigamente, na arquitetura portuguesa, por exemplo, as casas eram construídas diretamente para a rua, sem o recuo. Aí vem aquela imagem da senhora na janela, conversando com o vizinho que está passando. Hoje, temos uma relação com a rua que é mais de privacidade do que de comunicação”, diz o arqui-teto Anderson Almeida, do escritório Nommo Arquitetos.
Para quem é da área, essa mudança se relaciona tanto à vontade de preservar a privacidade quanto à necessidade de garantir a segurança dos moradores. Isso fez com que as principais aberturas da casa e até suas áreas sociais começassem a ser voltadas para os fundos do terreno.
Por outro lado, seguindo conceitos da arquitetura contemporânea, a transparência tem se tornado um elemento cada vez mais frequente nas fachadas residenciais, principalmente no caso das casas construídas em condomínios fechados e próximas a áreas verdes. “Você não vai propor uma grande abertura de vidro na frente de uma casa onde tenha muito fluxo de pessoas. Mas quando tem um entorno mais orgânico, os elementos transparentes potencializam o contato com o exterior”, diz Valliatti.
Nesse caso, a área transparente tende a ser grande, com esquadrias do piso ao teto ou até fachadas de vidro – o que só é possível graças à tecnologia, que permite não apenas os grandes vãos nas construções, mas também a produção de esquadrias e vidros de grandes proporções. São duas as principais vantagens: melhor aproveitamento da iluminação e do aquecimento natural, e a possibilidade de integrar o entorno à casa, trazendo maior sensação de contato com a natureza e conforto.
Na Casa Tingui, construção privilegia materiais como vidro, madeira e pedras e se mescla com o ambiente externo. Foto: Eduardo Macarios
Na Casa Tingui, construção privilegia materiais como vidro, madeira e pedras e se mescla com o ambiente externo. Foto: Eduardo Macarios
Para que a transparência não seja indiscreta, há também uma série de recursos. Uma saída é colocá-la em um local ou altura que não revele muito sobre o interior da casa ou usar um vidro translúcido. “Existem também tecnologias que podem ser aplicadas [nos vidros], como películas, brises, chapas metálicas perfuradas”, enumera o arquiteto Luiz Fernando Zanoni, sócio do escritório catarinense Marchetti Bonetti+.
Conforme o especialista, esses materiais permitem que quem está dentro da casa visualize o lado de fora, mas restringem o que se enxerga olhando de fora para dentro. Além disso, alguns contribuem para o conforto térmico, que se torna uma preocupação maior quando a fachada conta com grandes vidros. É o caso dos brises, que também têm sido cada vez mais usados. Eles são dispositivos que podem ser fixos ou móveis e que são feitos principalmente em madeira e metal. Tem o objetivo de controlar a incidência de raios solares no interior da casa, evitando que a temperatura suba demais no ambiente.
O uso de vidros, brises e outros elementos você pode conferir nos seis projetos apresentados a seguir.

Casa aberta

A fluidez entre os ambientes interno e externo faz com que a Casa Guará, em Curitiba, uma criação do escritório Nommo Arquitetos, seja vista como uma exceção em um período em que, seja por segurança ou privacidade, a relação de residências com a rua costuma ser de distanciamento.
Esquadria em vidro, que pode ser completamente aberta, conecta interior da residência à rua. Foto: Eduardo Macarios
Esquadria em vidro, que pode ser completamente aberta, conecta interior da residência à rua. Foto: Eduardo Macarios
Aqui, porém, o desejo dos proprietários era permitir a integração entre os ambientes e facilitar a circulação entre a casa e a rua, já que a residência seria construída em um condomínio fechado onde os moradores tinham vários amigos. Além disso, o pedido foi por uma casa com muita iluminação natural, que fosse quente e que não fosse úmida.
Assim, a fachada conta, de um lado, com um vidro fixo de grande dimensão que revela aos passantes a sala e, de outro, uma abertura que funciona como garagem – e ambos possibilitam que quem está ou passa em frente à casa visualize o fundo do terreno. Entre as aberturas, há um volume que, além de abrigar a área de serviço, serve como a base para uma sacada, de onde os moradores podem observar o pôr do sol.
As paredes em alvenaria brancas contribuem para aumentar a iluminação, enquanto as esquadrias vermelhas, para tornar a casa mais quente. O conforto térmico, independentemente da estação, é garantido por uma contraparede de drywall.

Vegetação como filtro

Um olhar rápido demais pode fazer com que a Casa Tingui – ou pelo menos parte dela – passe despercebida por quem está na rua. Isso porque a fachada da residência, erguida no entorno do Parque Tingui, em Curitiba, utiliza elementos vegetais vivos – buganvílias – como parte da arquitetura. As plantas cobrem o vidro, a madeira e as pedras que dão forma à casa, fazendo com que a construção se mescle ao ambiente em que está inserida.
A integração da casa com os elementos no entorno se dá pelo desenvolvimento de um projeto adaptado à topografia acidentada do terreno, pela escolha de materiais e pelo uso de vidro para aproximar interior e exterior e possibilitar a visualização da paisagem.
Apesar de ser uma das ideias norteadoras do projeto, o uso das plantas na fachada tem outra função. “Elas formamo filtro do sol do Norte. Quando chega o verão, os proprietários deixam as folhagens crescerem, então ela filtra o sol e forma uma sombra que deixa a temperatura agradável dentro de casa. No inverno, quando se precisa de mais incidência do sol, ele corta as folhagens abrindo janelas que permitem que o calor entre na casa e pronto: temos um calorzinho de estufa”, explica Fernando Canalli, da Canalli Arquitetura, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto.

Contemporâneo associado ao milenar

É a combinação bastante arrojada e contemporânea entre forma e cor que se nota primeiro na fachada da Casa Caixa, em Curitiba, projetada pelo escritório Valliatti & Patrão. De acordo com o arquiteto Sérgio Valliatti, a composição – assim como toda a proposta da casa, que se assemelha a uma caixa, foi pensada para transmitir a personalidade dos proprietários.
Mas os outros elementos também chamam a atenção – e mostram como são usados alguns materiais que estão em alta na arquitetura residencial –, como os vidros fixos de grandes dimensões que compõem a principal abertura da fachada. Eles permitem a iluminação natural dos pavimentos inferior e superior, sem comprometer a privacidade dos moradores, já que ficam acima do nível da rua e em frente a uma escada.
Projeto em formato de caixa diferencia a fachada e traz ares contemporâneos. Foto: Celso Pilatti
Projeto em formato de caixa diferencia a fachada e traz ares contemporâneos. Foto: Celso Pilatti
Além deles, há o revestimento em madeira carbonizada a partir da milenar técnica japonesa Shou Sugi Ban, que vem ganhando espaço tanto na arquitetura quanto na decoração. “É um processo que carboniza a madeira e fecha os poros dela, então o material não perde a tonalidade e não apodrece, tornando-se ideal para fachadas”, explica Valiatti. Neste caso, a madeira passou por um alto grau de carbonização e ficou bem escura, mas a técnica permite diversas tonalidades.

Diálogo com a natureza

A Casa Gurgel, projetada pelo escritório Valliatti & Patrão, em Curitiba, mostra claramente como toda fachada é parte de uma composição: aqui, a frente da casa está diretamente relacionada ao fundo – e ambas as faces são compostas por grandes vidros para permitir o diálogo da residência com um bosque de preservação localizado atrás do terreno. “Assim, o morador está entre duas paisagens, a da frente e a do fundo, e está de lado para o vizinho, então tem total privacidade”, explica o arquiteto Sérgio Valliatti.
Fixos, os vidros ocupam a maior parte de um dos planos que integram a frente da casa. Além deles, há ali a porta principal de acesso à residência, feita em madeira cumaru e trabalhada de forma semelhante aos brises utilizados para cobrir as janelas dos quartos. Apesar de aporta não ser da altura do pé-direito, um trabalho em madeira foi feito acima dela para dar essa impressão.
O outro plano que compõe a fachada frontal fica mais à frente e corresponde à parede de um volume desenhado no sentido perpendicular ao terreno. Atrás da parede, ficam garagem, no térreo, e quartos, no pavimento superior. A abertura desses espaços é voltada para os lados do lote.

Fechada, mas nem tanto

Foi a privacidade dos moradores que norteou o desenvolvimento do projeto da Casa Pátio, uma criação do escritório florianopolitano Marchetti Bonetti+. Assim, optou-se por voltar a edificação para a parte interna do terreno, tornando a face frontal mais fechada.
Porém, para permitir que os moradores pudessem aproveitar a vista do mar de Florianópolis, possibilitada pela localização do lote, e ao mesmo tempo suavizar a relação com os vizinhos, foram instalados em vários pontos do terreno, inclusive na face frontal, painéis pivotantes de madeira com estrutura metálica. Assim, a frente da casa pode ser fechada ou aberta, de acordo com a vontade dos moradores.
Os painéis são presos a um beiral em concreto que funciona como delimitador do perímetro do projeto, envolvendo toda a residência. A fachada conta ainda com duas portas em madeira - uma para a garagem e outra para a residência - e uma das faces do anexo do piso superior, a qual é composta por grandes vidros que permitem a visualização da rua e da área verde ao redor.

Arquitetura contemporânea, conceito tradicional

Neste projeto, a arquiteta Caroline Bollmann mostra que é possível ter uma casa que segue premissas da arquitetura contemporânea, como o uso de linhas mais retas, integração de espaços (inclusive dos ambientes interno e externo) e valorização da luz natural, mas apostando em traços mais conservadores para atender o desejo de clientes de morar em um local que corresponda a uma ideia mais tradicional de casa.
Neste caso, podemos citar como a presença de volumes arquitetônicos que correspondem às chaminés da churrasqueira e da lareira, beirais e molduras nas janelas - que ocupam espaços significativos na fachada, permitindo a entrada da luz natural, mas ainda assim são mais discretas do que as dos outros projetos que contam com grandes rasgos em vidro. Já a abertura da sala para os fundos do terreno e a varanda da suíte master, localizada acima da garagem, mostram o diálogo entre o interior e o exterior, característica mais contemporânea.
A arquiteta ainda destaca o paisagismo e a iluminação no exterior da casa como elementos que influenciam o olhar lançado sobre a fachada, já que contribuem para o destaque das volumetrias e equilíbrio da construção.

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