Arquitetura

Mesmo com projeto pronto e orçado, governo do PR escolheu não reformar prédio da Belas Artes

Sharon Abdalla
16/10/2018 21:56
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Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo | Leticia Akemi

Quem circula pela altura do número 179 na Rua Emiliano Perneta pode nem notar a presença de um imóvel que carrega muito mais do que a história arquitetônica de Curitiba, mas sua herança e futuro culturais. Escondido pelas pichações e pelo abandono aparente nas rachaduras e telhas faltantes de sua cobertura, a casa que é sede oficial da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), atual campus I da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), parece esquecida pelo governo estadual, que deixou de lado a ideia de revitalizar e ampliar o edifício, mesmo com projeto pronto e orçamento previsto para este fim há oito anos.
“Não foi um projetinho. Foi um projeto completo, aprovado em todas as instâncias do estado. [O orçamento para a construção], de R$ 14 milhões à época, estava aprovado pela Assembleia Legislativa e constava na LOA [Lei Orçamentária Anual] para o ano de 2011. Aí, mudou o governo e acabou com esse dinheiro, tirou o que estava previsto”, conta Marco Aurélio Koentopp, diretor de campus da Embap.
Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Fotos: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Antes disso, no entanto, a previsão da obra fez com que a escola deixasse a sede, em 2010, e fosse instalada em três endereços provisórios, a princípio, no centro de Curitiba, que recebem as atividades da Embap até hoje. “[A ideia] era a de que viéssemos para cá, o prédio fosse construído [e reformado] e voltássemos para lá. Hoje pagamos R$ 1 milhão e 320 mil por ano de aluguel dos três prédios, que era para serem temporários. O governo atual nunca se interessou em retomar aquele projeto”, desabafa o diretor.

O imóvel

Listado como Unidade de Interesse de Preservação (UIP), a casa da Rua Emiliano Perneta passou a responder como sede oficial da Escola de Música e Belas Artes em 1951, três anos após sua fundação. Caracterizada como de arquitetura eclética, a construção conta com adornos e elementos decorativos na fachada, e tem no ritmo de suas janelas outro de seus destaques.
Tais características seriam mantidas no projeto licitado e contratado em 2010, assinado pelo escritório gaúcho Meta Arquitetura, que previa a restauração e refuncionalização da casa histórica, com área total de 783 m² e três pavimentos, além da construção de uma torre nos fundos do terreno.
Perspectiva do projeto de restauro e ampliação. Imagem: Meta Arquitetura/Divulgação
Perspectiva do projeto de restauro e ampliação. Imagem: Meta Arquitetura/Divulgação
“A casa [funcionaria] como área administrativa e de exposições. Serviria à guarda de acervo e como um pequeno museu da escola, e seria integrada a um prédio novo, a torre da escola propriamente dita, que teria uma série de funções distribuídas verticalmente”, explica o arquiteto Marcelo Nunes Vasquez Fernandez, responsável pelo projeto juntamente com o também arquiteto Telmo Teodoro Stensmann.
Com 5.693 m², a torre teria 14 pavimentos, incluindo térreo e piso técnico, e contaria com ateliês voltados para cada uma das especialidades da escola, locais de convivência e circulação vertical, inclusive com elevador especial destinado ao carregamento de pianos e esculturas. “Os [dois] primeiros andares seriam um teatro musical, uma espécie de mini sala São Paulo. Acima dele, estaria a biblioteca, com um jardim a sua volta”, detalha Fernandez.
A perspectiva do prédio, de outro ângulo. Imagem: Meta Arquitetura/Divulgação
A perspectiva do prédio, de outro ângulo. Imagem: Meta Arquitetura/Divulgação
A fachada desta nova torre é outro ponto que chama atenção no projeto. Inspirada nas artes plásticas e na música, ela traz uma composição geométrica de ‘manchas’ coloridas executadas com pastilhas e janelas dispostas de forma a remeter à uma pauta musical. “Este prédio iria se inserir à rua através do imóvel existente. Como a torre estaria no meio de quadra, ela não seria feita para ser vista de perto, mas sim de longe. Então, cuidamos dos ritmos da fachada para que ela [aguçasse] a curiosidade e indicasse o que aconteceria lá dentro”, explica o arquiteto.

Abandono

No local da torre e do edifício histórico revitalizado, no entanto, o que se vê no endereço é um prédio com ares de abandono, pelo qual não somente os professores e alunos da Escola de Música e Belas Artes nutrem preocupação, mas também a sociedade mais atenta à cidade e ao seu patrimônio. Recentemente, pessoas que integram um grupo de discussão sobre a Curitiba de antigamente em uma rede social destacaram os problemas relacionados à falta de manutenção do prédio e cogitaram se tratar de uma “tragédia anunciada”, a exemplo do ocorrido com o Belvedere, acometido por um incêndio em dezembro de 2017, para citar apenas um exemplo.
Tais manifestações, inclusive, fizeram com que a Casa Civil do Estado do Paraná solicitasse à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) uma visita para que se verificassem as condições do imóvel, como contou à reportagem Aroldo Messias de Melo Junior, professor e diretor-geral da pasta. A informação foi confirmada pelo diretor de campus da Embap, Marco Aurélio Koentopp, e pelo secretário de Cultura João Luiz Fiani, que acompanharam a visita.
“Realmente constatamos que o prédio está em uma situação de bastante precariedade, com telhas quebradas, muita infiltração e goteiras que prejudicam o assoalho”, detalha Melo Junior. “Está até perigoso de entrar, pois, em alguns pontos, o piso está cedendo. Nós construímos um muro na entrada da garagem e soldamos as janelas para que não possam ser abertas, para que não ocorram mais invasões. Não temos orçamento para manter este prédio devido ao orçamento que se usa aqui, para os aluguéis e manutenção desses três [endereços que recebem as instalações da escola atualmente]”, acrescenta Koentopp.
Ainda segundo o diretor de campus da Embap, nenhuma justificativa foi dada pelo governo do estado sobre o motivo de o orçamento previsto no anexo V da Lei nº 16.739/2010 não ter sido aplicado na execução da obra de restauro e ampliação da sede histórica da Escola de Música e Belas Artes.
Procurada pela reportagem desde o último dia 05 de outubro, a assessoria de comunicação da Secretaria da Fazenda do Paraná (SEFA) limitou-se a dizer que estava com “dificuldade de encontrar essa resposta” por uma questão temporal, uma vez que, “ao longo dos últimos sete ou oito anos já passaram vários gestores e técnicos na área do orçamento”.
O diretor-geral da Seti, Aroldo Messias de Melo Junior, por sua vez, disse que a pasta tentou por diversas vezes obter o orçamento, mas que, mesmo previsto, o governo não teve condições de disponibilizá-lo por falta de recursos, que foram direcionados para questões mais prioritárias.
“Na Lei Orçamentária Anual são prevista a arrecadação e fixada algumas despesas. Mas ela pode ser modificada durante o [ano de] exercício por outra lei. Uma coisa é a previsão, outra é a programação, que contempla todos os atos necessários para se gastar aquela previsão na finalidade para qual ela foi destinada. O que de fato pode-se dizer é que, por qualquer motivo, não se transformou em uma prioridade para o governo aquela obra”, explica o advogado Laerzio Chiesorin Junior, presidente da Comissão de Gestão Pública, Transparência e Controle da Administração Pública da Ordem dos Advogados do Brasil – seção do Paraná (OAB-PR).
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Futuro incerto

Mesmo sem previsão para uma possível execução do projeto de restauro e ampliação da sede histórica da Escola de Música e Belas Artes conforme o que previa o projeto desenvolvido em 2010, o diretor geral da Seti, Aroldo Messias de Melo Junior, afirmou à reportagem que, após a visita realizada ao local, foi solicitado à Paraná Edificações (PRED), entidade vinculada à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEIL), responsável pelo planejamento, coordenação e execução de projetos, obras e serviços de engenharia de edificações de interesse da administração pública estadual, um laudo sobre o que pode ser feito para se garantir a segurança do prédio.
“Fizemos a solicitação [de um projeto] para restaurar o prédio histórico. Por enquanto, estamos aguardando este projeto para encaminhar os procedimentos para iniciar a obra. [Como estamos em um período de transição de governo, porém], não sabemos o quanto poderemos avançar neste sentido, pois temos uma obrigatoriedade legal de encerrar todas as prestações de conta até o dia 7 de novembro”, explica Melo Junior.
Procurada pela reportagem, a PRED informou em nota no último dia 9 de outubro que “não recebeu solicitação oficial para elaborar um projeto de restauração do prédio histórico da Escola de Belas Artes” e que “houve apenas uma visita técnica no local, mas as tratativas não avançaram”.
Nesta terça-feira (16), a assessoria de comunicação confirmou que este cenário se mantém e disse que a retomada de possíveis obras “depende da programação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti)”.
Fato é que, enquanto a definição pelo início das obras não ocorre, o prédio histórico, listado como de interesse do patrimônio estadual, segue sem manutenção e exposto às deteriorações causadas pelas intempéries e pela passagem do tempo.
“É um pecado ter sido usado dinheiro público em um projeto maravilhoso de construção do [novo] prédio e restauração da parte histórica e ele não ter sido realizado”, resume Marco Aurélio Koentopp, diretor de campus da Embap.

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