Artigo

Arquitetura

Oscar Niemeyer errou, e por isso foi um arquiteto perfeito

André Prevedello
19/02/2021 13:21
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Museu de Arte Contemporânea, MAC, Niterói. | Wagner Kiyoshi

Oscar Niemeyer, uma homenagem
O elevador cria um mundo de expectativas quando se está chegando na cobertura de um ícone da arte do século 20. Seus mais de 100 anos representam ter vivido guerras, ditaduras e mais de 30 presidentes. Adentro a sala e um banho de luz natural ofusca minha visão que, ao se acostumar, percebe a grandeza da vista de Copacabana. Contudo, ver nas paredes dezenas de croquis que representam boa parte da arquitetura brasileira e mundial causa espanto e admiração. O ano era 2008. Eu e três amigos arquitetos havíamos recebido um prêmio por um projeto arquitetônico com algumas curvas que buscavam se relacionar com a paisagem. Esse foi apresentado ao paulista Décio Tozzi, amigo de Niemeyer. Tozzi ligou para Niemeyer agendando uma conversa dos quatro jovens arquitetos com o mestre.
Após cerca de 10 minutos somos levados ao seu escritório. Foi como se estivéssemos entrando na cozinha de um importante restaurante. Aqui que diversos projetos de tamanha relevância para minha formação arquitetônica foram criados. O escritório é um verdadeiro ateliê com quadros, canetas, desenhos técnicos, croquis, charutos, fotos de mulheres nuas, livros e objetos de arte. Tudo se espalha, se sobrepõe, criando a impressão de que estamos na mente do mestre. Minha posição é de total deslumbramento. Automaticamente a vontade questionadora dispara em minha mente sobre diversos assuntos.
Aos 100 anos, sua lucidez criativa gerou momentos de extrema admiração. Pergunto para o mestre que projeto é este pendurado na parede. O mestre responde que é o projeto para a fundação Oscar Niemeyer e completa, sua curvatura acontece por questões acústicas. Que belo raciocínio arquitetônico tridimensional. Ao mesmo tempo, é uma forma pura, de fácil apreensão e leitura, mas ainda assim monumental.
Muito se criticou a arquitetura moderna por perder muita da monumentalidade que outros estilos arquitetônicos possuíam, principalmente a arquitetura neoclássica, de imperadores à la Bonaparte. A arquitetura moderna brasileira insere uma monumentalidade local e sem a necessidade de imposições. Nossa vanguarda ao modelo tropicalismo aceitou o patrocínio do estado sem a necessidade única de representá-lo. Afinal, nossa história ainda em formação de identidade foi e continua hoje sendo multifacetada.
Niemeyer em Curitiba, 2002.
Niemeyer em Curitiba, 2002.
Niemeyer é parte dessa história. Dos nossos poucos mais de 200 anos de estado independente, Niemeyer viveu mais de 100. Trabalhou e projetou por mais de 70 anos. Só isso já seria suficiente para classificarmos de pobres de espírito aqueles que criticam o mestre com desculpas funcionais. É claro que sua arte está acima de guarda-corpos.
Não há dúvidas de que vários projetos se destacam no entorno como um monumento que está acima da cidade. Mas isso não pode ser generalizado, vide exemplos belíssimos de integração urbana como o MON (Museu Oscar Niemeyer) e o edifício sede do partido comunista em Paris. Os pequenos de espírito criticam a manutenção em seus edifícios. Ora, uma catedral barroca ou gótica possui tanta complexidade quanto a catedral de Brasília. São esforços coletivos que nos fazem humanos.
Essa é a maior característica que ressalto no mestre. Ele é humano, ele erra. A praça do Memorial da América Latina em toda sua escassez de urbanidade foi um erro, humano e, como já disse Mário de Andrade, toda perfeição em arte significa destruição. Não tornemos o artista um Deus já que mesmo Deus é uma invenção humana. O gênio etimologicamente está conectado com o conceito de divindade, assim, prefiro o adjetivo “mestre”, que concentra sua capacidade em algumas obras, não em todas. E, convenhamos, nessas somos elevados a outro patamar.
Niemeyer projeta contra a ideologia do estilo a qual deve ser esquecida. Devemos compreender que a construção responde a um contexto histórico com características formais e espaciais que variam no tempo. Não acredito em um “estilo” Niemeyer e sim que o mestre aplicava valores que ele acreditava serem importantes para a época. Como Ferreira Gullar escreveu: “ele não faz de pedra nossas casas, faz de asa”.
*André Prevedello é arquiteto, urbanista, músico e artista. É fundador e diretor do escritório AP Arquitetos.

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