Arquitetura

Cidade de SC guarda igreja monumental criada por vencedor do Nobel da arquitetura

Karina Pizzini*
22/10/2019 11:00
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Foto: Angelina Wittmann/Acervo pessoal

O croqui da Paróquia São Luís Gonzaga, igreja matriz de Brusque, Santa Catarina, poderia ter saído de um sonho ou de um filme que revelasse a chegada ao paraíso. Uma ideia de portal do céu. A longa escadaria leva o visitante a um monumento de pilares altos, de arquitetura grandiosa, robusta e moderna. Impossível não se sentir pequeno diante da igreja projetada pelo arquiteto alemão ganhador do Prêmio Pritzker de 1986, Gottfried Böhm.
Ele mesmo e seu pai, desenhados no canto inferior esquerdo do croqui da paróquia, apreciavam a sua obra monumental. Segundo o arquiteto e urbanista Ricardo Laube Moritz, Gottfried costumava se desenhar ao lado do pai em seus croquis, sempre de costas, apreciando a estrutura desenhada.
O pároco da matriz, Padre Diomar Romaniv, conta que era comum as igrejas serem construídas sobre morros em simbologia ao encontro com Deus nas alturas – mais próximo do céu.  “O alto eleva para Deus. O pé direito é alto, você se perde olhando para cima. Além disso, a Igreja está localizada bem no centro da cidade. Ela é um sinal visível de que Deus habita a cidade, pois é possível vê-la de qualquer ponto quando se chega ao município”, destaca.
Na base da escadaria o visitante se depara com uma estrutura de 39 metros, o equivalente a um prédio de 13 andares. “O volume do projeto da igreja do arquiteto invadiu parte das escadarias, no mesmo nível do corpo da igreja que delimita o ambiente interno, criando um monumental portal”, detalha a arquiteta e urbanista Angelina Wittmann.
Para colocá-la no local mais alto foi necessário demolir a igreja anterior e efetuar serviços de terraplanagem e aterro, criando um platô. “Embora tenham demolido um neogótico original belíssimo, eles fizeram uma obra lindíssima. Uma arquitetura moderna, mas com elementos do gótico, bem no estilo nacional da Alemanha, que não aceitava o Renascimento italiano”, explica Angelina.

O arquiteto

Depois de se formar, em 1947, Gottfried Böhm (1920-) passou a trabalhar no escritório do pai, Dominikus Böhm, que assina o projeto da Catedral São Paulo Apóstolo, de Blumenau. Dominikus não chegou a ver a obra concluída, faleceu em 1954 antes da conclusão do projeto, finalizado pelo filho.
Em uma de suas visitas ao estado, Gottfried foi convidado a realizar o projeto da igreja matriz de Brusque. Ele assumiu a construção da nova paróquia após a comissão construtora da cidade ter negado, em 1952, o projeto do arquiteto alemão Simão Granlich. No ano seguinte, Gottfried faria sua primeira visita à Brusque.
“No projeto da igreja de Blumenau ele sofreu mais influência do pai, já em Brusque ele mesmo reconhece uma transição para o expressionismo”, explica Ricardo Moritz, que pesquisou a presença do arquiteto Gottfried Böhm, juntamente com o professor César Floriano dos Santos, no Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Os pesquisadores consideram a igreja de Böhm, em Brusque, uma das obras mais importantes do modernismo em Santa Catarina. Ela demorou oito anos para ser executada e foi inaugurada em 1962.

Construção sensorial

Para a arquiteta Angelina Wittmann, o mérito da construção está na mistura dos elementos que a compõem. “Eles brincam com elementos muito rústicos e rudes, como pedra e concreto, elementos pesados que compõem perfeitamente de forma equilibrada. Eles trabalham os cheios e os vazio com os vitrais, que também eram elementos de catedrais góticas, nas quais ele se inspira”, frisa.
A amplitude da estrutura é um convite para entrar em contato com o céu e a iluminação natural pode inspirar a conexão que o fiel busca em um templo religioso. “Quando eu estou dentro dela, em silêncio absoluto, olho para cima e é como se estivesse olhando para o céu. No fim do dia, a luz que bate no vitral atrás do altar dá uma sensação de paz, que aumenta com o som dos passarinhos”, relata a secretária Grasiele Dalbosco de Oliveira. “Ela é no alto do morro, tem ainda o vento a favor, o verde na subida, me faz sentir a presença do Espírito Santo”, complementa.
Angelina explica que, embora o ambiente reporte a uma “caverna”, com paredes altas e pedras, quase sem aberturas, o teto também ganha crédito pela iluminação natural. “O teto recebe um ‘rendilhado’ que brinca com a entrada da luz através de belos panos de fechamento de vidros, tornando-a indireta a partir de presença de uma fina capa de concreto que movimenta”, detalha.
Angelina explica que é compreensível o estranhamento da comunidade na década de 1950-1960, pois estavam habituados com outra linguagem arquitetônica. Gottfried trouxe a modernidade dos materiais desenvolvidos na Europa no pós-guerra. “Com o passar do tempo, eu penso que isso [a linguagem da arquitetura moderna] vai sendo assimilado e passa a ser ícone para aquela comunidade. Se é uma continuidade do que estão acostumados, não há uma reflexão sobre o ambiente. No novo, ele precisa de um tempo para apreender o que há ao seu redor”, considera a arquiteta.

Reforma

Algumas etapas do projeto original não chegaram a ser concluídas. Então, em 2010, Cláudio Pastro – artista sacro brasileiro de reconhecimento internacional, falecido em 2016 – foi convidado pelo arcebispo de Florianópolis da época, Dom Murilo Krieger, a dar continuidade ao projeto original. Entre outros detalhes, a representação dos quatro evangelistas previsto no projeto original nunca foi executada.
Segundo o Padre Ari João Erthal, pároco da igreja entre 2007 e 2011, hoje diretor da instituição de ensino ESIC, em Curitiba, a obra original não foi alterada.
“A gente ouvia muito sobre o quanto a Igreja era cinza e clara, embora tivesse uma base litúrgica sobre isso”, conta o Padre Ari. Cláudio Pastro sugeriu a colocação de painéis artísticos de azulejo colorido como solução, substituindo a representação dos evangelistas.
“A arquitetura foi inspirada na Alemanha, então traz uma estrutura típica da Europa. Os painéis coloridos foram colocados para passar essa brasilidade, mais quente, mais acolhedora. O arquiteto trouxe a ideia da Europa para o tropical, mas ele não deixa de ser um templo que inspira contemplação e adoração”, comenta.
Para o atual pároco, Padre Diomar, a Paróquia São Luís Gonzaga é uma “verdadeira catequese estrutural”.

Veja mais fotos da igreja de Brusque:

*Especial para a Gazeta do Povo.

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