Arquitetura

Lado B da Rua XV inspira projeto de “moradia fraternal” e novo espaço para ambulantes

Aléxia Saraiva
02/10/2019 17:00
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Foto: divulgação/Estúdio Pólis

Quem caminhava pela Rua XV de Novembro, na altura da Praça Santos Andrade, às 10h30 desta terça-feira (1), pode presenciar uma das cenas mais tradicionalmente curitibanas passíveis de serem vistas neste 2019: em meio ao petit pavê e aos postes de luz republicanos, se ouvia o hino da cidade cantado, ao vivo, pelo prefeito Rafael Greca (DEM).
Parte do tal “paraíso na Terra” descrito na letra da música é a Rua XV, com elementos clássicos da cultura paranista relacionados à eterna cidade modelo. E é justamente o que não se vê nesse cenário — o lado marginalizado da rua — que serviu de inspiração para as três intervenções urbanas propostas pelo escritório Estúdio Pólis para a 3ª Mostra Arquitetura para Curitiba.
O projeto “Rua XV de Novembro: Três Temas Possíveis para Arquitetos Impossíveis” busca explorar “uma cidade que se ausenta e que se quer silenciada diante da XV enfeitada, paranista e parnasiana“, como afirma o arquiteto Alexandre Vinícius. Confira, a seguir, os três projetos criados pelo Estúdio Pólis: as “Unidades de Habitação de Interesse Fraternal”, “O Não-Monumento à Gilda” e “Uma Ideia Fixa para Vendedores Ambulantes”.

Unidades de Habitação de Interesse Fraternal

Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
A partir da tendência do “outdoor living”, o projeto cria uma provocação que dialoga com as pessoas em situação de rua: e se, por uma noite, você trocasse de lugar com elas? “Por uma única noite apenas você deve abandonar a tranquilidade, a segurança e o conforto do seu lar e permitir que uma pessoa, que se encontre morando na charmosa Rua XV, passe uma noite dormindo no seu quarto”, sugere o projeto.
A ideia ainda tem um adicional de empatia: sem custos extras, os primeiros 365 inscritos garantiriam um ano de moradia digna para outra pessoa.
As Unidades de Habitação de Interesse Fraternal funcionariam como pequenas moradas acima das bancas de jornal. A crítica do projeto vem lembrar que “pessoas em condição de moradia de rua não são um problema estético, são frutos da tragédia ética de uma unequal society [sociedade desigual]”.

Uma Ideia Fixa para Vendedores Ambulantes

Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Se o comércio popular e ambulante é parte do DNA da Rua XV, o Estúdio Pólis propõe abraçar de vez essa característica kitsch que expõe à rua diariamente pinguins de geladeira, cabines telefônicas londrinas e jarras d’água em formato de abacaxi.
A ideia é que os postes republicanos — que, para os arquitetos, são de gosto extremamente duvidoso — virem faróis dessa identidade e protejam os vendedores informais de climas extremos como grandes guarda-chuvas.
“Quando a monocromia minimalista dos smartphones ganha orelhinhas de gato, escudos de times de futebol, purpurina, paetês e cores fortes, dois planetas silenciosamente estão a colidir. O high tech e o improviso, o projeto e a necessidade, o trabalho altamente qualificado e a precarização do trabalho. O comércio popular, sobretudo o comércio ambulante, é pura tragédia. A dor se apresenta com ares de delícia, de bilhete do jogo do bicho, toalhas coloridas, animais de pelúcia, muitas e muitas roupas, acessórios, de prata, de latão, de plástico, plástico, plástico e mais plástico. A Rua XV é alegre e triste. A Rua XV é kitsch, é fake, é cafona, sua autenticidade está em aparentar o que não é”.

O Não-Monumento à Gilda

A ideia de não-monumento está ligada à memória e à mobilidade: cada dia se celebra o homenageado de uma forma diferente. No caso, a protagonista é Gilda — travesti que frequentava a Boca Maldita nos anos 1970 e é uma das figuras mitológicas da cidade.
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
“Gilda sabia que era uma piada, um afronta, que estava à margem, e ainda assim, via com clareza o mundo em festa e desfrutava da doçura da vida. Gilda foi presa e impedida de brincar o carnaval. Depois de morta a placa que na Rua XV gravava sua memória foi retirada. Mas a Gilda não se apaga. Por isso, nossa proposta é devolver à Gilda o seu eterno carnaval, que prescinde de permissão, de aviso prévio, de motivo”, esclarece Alexandre.
Para fazer com que a festa permaneça sendo celebrada na memória, o monumento, aqui, é a homenagem que ninguém apaga. Para isso, o perfil do Instagram @carnavaldagilda mostra, diariamente, onde na cidade o carnaval é celebrado.

3ª Mostra Arquitetura para Curitiba

A terceira edição da exposição bienal que apresenta provocações e possibilidades para a cidade traz o tema “Cidade Presente, Cidade Ausente”. A exposição consiste em 21 propostas desenvolvidas em parcerias de arquitetos com estudantes de todos os cursos de arquitetura da cidade, que se debruçaram sobre os projetos durante quatro meses.
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Foto: divulgação/Estúdio Pólis
Na mostra, o Estúdio Pólis apresenta as três propostas em uma instalação que simula o próprio piso de petit pavê.
Os arquitetos que chefiaram o projeto do Estúdio Pólis foram Alexandre Vinícius, Cacá Fróes, Thaise Andrade, Alessandra Montani, Vinicius Zanlutti e Letícia Padilha. Participaram, como estudantes, Giovanna Camargo Dalmolin, Pablo Izidoro de Oliveira, Heber Jose Fontanini Neto e Ana Caroline Mateus.

Serviço

3ª Mostra Arquitetura para Curitiba
De 17 de setembro a 7 de outubro no Mezanino do Palácio Iguaçu (Praça Nossa Senhora de Salette s/n – Centro Cívico).
De 15 de outubro a 15 de dezembro no 2º andar do Memorial de Curitiba (R. Dr. Claudino dos Santos, 79 – São Francisco).

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