Da CIC ao Alto da XV

Arquitetura

Arquitetos resgatam obras inovadoras de um dos maiores criadores de conjuntos habitacionais do Paraná

Luan Galani
08/11/2022 17:27
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Conjunto Independência, entre o Alto da XV e o Cristo Rei, é um dos empreendimentos mais marcantes de Jaime Wasserman em Curitiba

Se algum dia você já se encantou por algum apartamento diferente no Alto da XV, Fazendinha ou CIC, é bem provável que você estivesse diante de um dos icônicos complexos habitacionais do uruguaio Jaime Wasserman, falecido em 2016, aos 92 anos. O nome é pouco conhecido pelos corredores dos cursos de Arquitetura e Urbanismo Brasil afora, mas o judeu de família romena, que mudou-se para o Brasil aos cinco anos de idade, tornou-se engenheiro, arquiteto e construtor, sendo considerado um personagem fundamental na produção de habitação coletiva no Brasil, especialmente Curitiba, Ponta Grossa, Maringá, Cambé e São Paulo.
Mas essa injustiça começa finalmente a ser remendada com o livro preparado pelos arquitetos Alexandre Ruiz, sócio do escritório Saboia + Ruiz e professor na Universidade Positivo e no Centro Universitário FAE; Fábio Domingos Batista, sócio do escritório Grifo e professor no Centro Universitário FAE; e Paula Morais, do Estúdio Convexo Arquitetura, que se debruçaram sobre 45 obras de Wasserman e sua história pessoal e profissional. O livro “Jaime Wasserman: engenheiro, arquiteto e construtor”, com fotos de Paula e Leonardo Finotti, será lançado em evento gratuito nesta quinta-feira (10), às 19h, na biblioteca da Universidade Positivo, com palestras inéditas de Elisabete França e Mário Biselli, grandes nomes nacionais quando se fala em habitação de interesse social. A obra estará disponível por preço promocional de R$ 125 e, depois, pode ser adquirida pelo perfil no Instagram @jaimewasserman_obras.
Conjunto Cosmos, também entre o Cristo Rei e o Alto da XV, é um ícone da paisagem dos bairros curitibanos
Conjunto Cosmos, também entre o Cristo Rei e o Alto da XV, é um ícone da paisagem dos bairros curitibanos
As obras analisadas pelos arquitetos são do início da Construtora Independência, criada por Wasserman para executar seus projetos, em 1967, e vão até 1984, ano que o arquiteto Salomão Figlarz, que assinava todos os projetos em conjunto, acabou saindo da empresa. A construtora ainda existe e é comandada pelo filho de Wasserman, Paulo Wasserman, e o neto Fernando Brodeschi.

Esquecidos

Na opinião de Batista, houve um apagamento de pesquisa. “Parece que tudo começou com a criação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR, que não tinha nada antes. Mas tinha. Só que foram esquecidos”, explica o pesquisador, lembrando que havia muitos bons projetos antes disso, de uma turma representada por Wasserman, Rubens Meister, um dos defensores da modernidade paranaense, Romeu Paulo da Costa, pai do edifício da Biblioteca Pública do Paraná, e de Mário de Mari, para citar apenas alguns exemplos.
Foto antiga de como era o Conjunto Visconde de Mauá, na CIC, em Curitiba, por volta de 1970 e 1980
Foto antiga de como era o Conjunto Visconde de Mauá, na CIC, em Curitiba, por volta de 1970 e 1980
“A geração de engenheiros do final dos anos de 1940, da transição para o moderno, tem uma produção não muito valorizada, mas que não deve em nada em inteligência projetual e inovação para seus contemporâneos.” Batista lembra que um dos únicos a jogar luz sobre Wasserman e seus colegas foi o arquiteto Salvador Gnoatto, com uma série de livros anteriores.
Para Paula, arquiteta e fotógrafa que também assina o livro, o diferencial de Wasserman reside em dois pontos. “Ele sai do papel e vai para o canteiro. É um empreendedor que não apenas projeta, mas sai para construir. E o segundo ponto é seu refinamento projetual, ajudando a conceber soluções construtivas otimizadas até para os padrões de hoje”, defende a arquiteta. Como maiores exemplos, estão o fato de incluir os interruptores elétricos na moldura das portas, para facilitar qualquer troca de fios posterior, apenas desencaixando a esquadria da entrada, sem precisar cortar as paredes, e uma parede hidráulica que reunia toda a infraestrutura e que poderia ser aberta com simplicidade para qualquer reforma ou conserto, sem necessidade de fazer quebradeira por toda a residência.
Parque Residencial Fazendinha, no bairro de mesmo nome, em Curitiba
Parque Residencial Fazendinha, no bairro de mesmo nome, em Curitiba

Trajetória até ashabitações

Wasserman começou a trabalhar ainda jovem em uma construtora.
Em Curitiba formou-se engenheiro e arquiteto e, na sequência, foi fazer dois
estágios na França. Na volta, em 1967, deu início à Construtora Independência e
nunca mais parou de projetar conjuntos habitacionais. Tornou-se um dos maiores
empreendedores de habitação de interesse social, com conjuntos de mais de 500
unidades. Dedicava-se com o mesmo esmero a esses projetos de áreas que estavam
nas bordas da atual cidade em crescimento e aos edifícios centrais para as
elites da época, como pontua Ruiz.
O arquiteto conta que a ideia da pesquisa nasceu a partir de uma vivência pessoal da família. A mãe da esposa de Alexandre morou em uma casa projetada por Wasserman e construída por Prolik. “Comecei a pesquisar e fiz minha dissertação sobre dois conjuntos habitacionais dele. Na sequência, conversando com o Fábio e a Paula, decidimos expandir a abordagem”, indica.
Conjunto Cristóvão Colombo, em Maringá, visto de cima
Conjunto Cristóvão Colombo, em Maringá, visto de cima

É possível fazer boa arquiteturapara um grande número de pessoas

Essa é a lição que fica para Ruiz. “Mais que um livro sobre teoria da arquitetura, análise crítica teórica, resgate da história dele e o inventário de suas obras, ele mostra que é possível fazer boa arquitetura com poucos recursos, desde que se tenha domínio construtivo, noção de qualidade dos espaços internos, ajuste de escala e proporção, implantação inteligente para garantir privacidade e a honestidade dos materiais, em que você vê o tijolo da parede, o reboco etc.” Em resumo: Wasserman fez empreendimentos altamente rentáveis, mas sem abrir mão de produzir coisas altamente relevantes.
“Ele tinha convicção de que o que ele fazia era especial, com bom custo e qualidade. Preocupava-se com a dimensão mínima dos espaços, trazia inovação, a industrialização da produção com paredes hidráulicas, vasos sanitários produzidos especialmente para seus empreendimentos, fachadas de vidro e alumínio produzidas por eles mesmos, formas deslizantes de produção, gruas deslizantes para execução, laje pré-fabricada no local”, elenca o arquiteto. “Isso evitava o retrabalho nas obras.”
Conjunto Cosmos, no Alto da XV e Cristo Rei, logo após sua construção e habitação pelas pessoas
Conjunto Cosmos, no Alto da XV e Cristo Rei, logo após sua construção e habitação pelas pessoas

Relação franca com acidade

Outro ponto que chama atenção é que suas criações pareciam
ilhas de modernidade que mantinham uma relação franca com a cidade, sem grades,
com muitos espaços de convivência. Entre os mais importantes estão o Centro
Habitacional Visconde de Mauá, na CIC, o Parque Residencial Fazendinha, no
Fazendinha, o conjunto Cosmos e o conjunto Independência, no Alto da XV. Paula
destaca que os conjuntos tinham muitas áreas verdes, com carros nas bordas para
não circular entre os edifícios e área de lazer. “As crianças brincavam com
segurança nesses espaços”, afirma, com base em fotos do acervo da construtora.
Ruiz sentencia que a maior prova da qualidade dos projetos é
que eles se alteraram muito pouco ao longo dos anos. “As pessoas preservam
quase da forma original e a degradação da paisagem do entorno não aconteceu na
maioria dos empreendimentos”.
Registro histórico do conjunto Fazendinha
Registro histórico do conjunto Fazendinha

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