Em pronunciamento na TV na noite desta terça-feira (16), o presidente da França, Emmanuel Macron, disse acreditar que a reconstrução da Catedral de Notre-Dame possa ser concluída em cinco anos. Mas esse prazo é muito mais curto do que o indicado por especialistas em restauro, que sugerem até 20 anos para a igreja reabrir as portas para os turistas, com todas as devidas licenças públicas.

E nesse longo processo, mapas 3D criados para o game Assassin’s Creed Unity, cuja história se passa em grande parte em Paris, durante a Revolução Francesa (1789-1799), podem ajudar os arquitetos a entender os detalhes da catedral gótica para criar o projeto de restauro.

Os artistas e designers do vídeo-game da Ubisoft lançado em 2014 passaram dois anos inteirinhos recriando cada um dos detalhes construtivos da igreja, como conta a game designer Caroline Miousse em entrevista à revista The Verge.

Materiais criados pelo historiador belga Andrew Tallon (1969-2018), considerado autoridade suprema em arte e arquitetura gótica francesa, também serão chave para o restauro. Especificamente os mapas 3D feitos a partir de escaneamentos a lasers que criaram modelos superprecisos da catedral. A precisão chega a cinco milímetros de diferença, como explicou o pesquisador à National Geographic.

A arquiteta Martha Thorne, reitora da Escola de Arquitetura e Design da Universidade IE, em Madri, e diretora executiva do Prêmio Pritzker, considerado o Oscar da arquitetura, conta com exclusividade para HAUS que é possível reconstruir a a catedral, e que essas técnicas modernas devem ser utilizadas, quando apropriadas.

“Claro que não será exatamente como era antes. Mas precisamos nos lembrar que ao longo da história o edifício tomou diferentes faces em resposta a diferentes circunstâncias”, explica. “O primeiro passo necessário é uma análise completa do prédio. Em seguida, decidir que tipo de restauro se quer fazer. Acredito que técnicas e materiais modernos devem ser considerados como uma opção, quando apropriados, para criar um edifício que recrie a arquitetura de uma forma segura e sustentável.”

E completa: “Isso precisa ser encarado de uma forma honesta, sem tentar criar a Disneylândia, mas uma intervenção respeitosa em uma construção que é parte da nossa história.”

Restabelecer a silhueta original da catedral não representa um grande problema, mas a magnífica carpintaria, sobretudo as do coro e da nave, com seus rastros de história desde o século 12, foram perdidos para sempre. Este conjunto era um dos mais belos da França e esta é uma grande perda para o patrimônio, como testemunho de uma herança de artesãos, uma habilidade transmitida de geração para geração.

Muitos arquitetos querem que as peças de carvalho sejam refeitas com respeito ao conhecimento ancestral. Outros defendem uma reconstrução mais rápida, com estruturas de metal ou concreto.

Dinheiro desta vez não será problema. A onda de solidariedade levou diversas marcas, entidades e personalidades a doarem milhões em 24 horas. A marca francesa de luxo L’Oreal e a Fundação Bettencourt Schueller já garantiram que irão repassar 226 milhões de dólares para os reparos da catedral. O bilionário do grupo Kering ofereceu 100 milhões de euros e a Prefeita de Paris Anne Hidalgo destacou que poderia emprestar dinheiro municipal para a reforma.

A catedral pertence ao governo francês que, apesar de investir 2 milhões de euros por ano do Ministério da Cultura para manter o edifício, faz pouco para preservá-lo, de acordo com reportagem do The Wall Street Journal Europe. Porém, faz o que é permitido por lei, como defende o governo. Investir mais seria considerado uma violação das leis de separação entre igreja e estado. Houveram debates sobre a possibilidade de cobrar uma taxa especial para entrar na igreja, mas que isso quebraria as leis de igualdade, já que mesquitas, sinagogas e outros templos teriam entrada gratuita.

A situação precária do edifício era evidente até para a Arquidiocese de Paris. Em 2017, como reportou a revista Time, o governo mantinha algumas áreas longe do acesso de visitantes porque a estrutura em pedra estava se desmanchando e rachando. À época, o governo simplesmente replicou que a “França tem centenas de monumentos”.