Arquitetura

Diretora executiva do “Oscar” da arquitetura defende maior representatividade feminina nas grandes premiações da área

Sharon Abdalla, Aléxia Saraiva
07/03/2019 21:19
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Foto: Pritzker Prize/Divulgação

Há 14 anos, é dela o nome à frente da maior honraria arquitetônica existente. Diretora executiva do Pritzker Architecture Prize, Martha Thorne é quem comanda os trabalhos anuais junto ao júri que elege um grande nome da área da arquitetura para ficar eternizado.
Mas seu nome vai muito além deste cargo — e, na verdade, transita entre os meios artístico, arquitetônico e acadêmico. Atualmente, ela é reitora da Escola de Arquitetura e Design da IE University, em Madri, na Espanha. Durante anos, foi curadora de arte no Instituto de Arte de Chicago. E, com mestrado em planejamento urbano, é referência em pensar o conceito de cidades habitáveis e responsivas para seus cidadãos.
Nascida nos Estados Unidos em 1953, Martha Thorne é uma personalidade multifacetada. Em entrevista exclusiva à HAUS, ela explica sua trajetória, sua visão sobre o futuro do urbanismo e o papel da educação e da tecnologia na arquitetura.
Conte-nos como você acabou entrando para o universo da arquitetura. Qual foi o seu caminho até chegar ao conselho executivo do Pritzker Architecture Prize?
Eu cheguei à área da arquitetura através do estudo de assuntos urbanos. Depois do mestrado em Planejamento Urbano pela Universidade da Pensilvânia, viajei pela Europa e me fixei em Madri, na Espanha. Eu não tinha planejado morar ali durante anos, mas a energia que encontrei por lá, o interesse na cultura e o otimismo com relação ao futuro a transformou em um ambiente animador para uma jovem profissional.
É normal, na Europa, que o planejamento das cidades seja realizado por arquitetos ou engenheiros. No meu caso, isso me permitiu chegar mais perto da área da arquitetura, o que trouxe à minha carreira exibições e publicações sobre arquitetura contemporânea.
Voltei aos Estados Unidos em 1997 para um trabalho como curadora de arquitetura no Instituto de Arte de Chicago e, enquanto trabalhava lá, conheci Cindy Pritzker — que, no verão de 2005, me convidou para entrar para a organização como diretora executiva do Pritkzer.
Cidades são dinâmicas, e você já comentou que essa é uma verdade isso é uma verdade tanto para o bem quanto para o mal. Quais são os principais desafios e o papel da arquitetura nesse processo?
Evidentemente, existem muitos desafios nas áreas urbanas hoje. Cidades são centros de inovação, desenvolvimento econômico, educação, e devem servir de base para nossos processos democráticos. Enquanto olhamos para o futuro, eu acredito que criar cidades habitáveis e saudáveis para todos os residentes é o maior desafio. Cidades não podem ser aproveitadas apenas por uma minoria da população, mas melhorar a qualidade de vida de todos.
A arquitetura tem um papel muito importante em fazer as cidades habitáveis. Não é apenas uma questão de infraestrutura adequada, mas também de qualidade cultural do nosso ambiente construído — tornando os lugares não apenas úteis, mas significativos para os cidadãos. Eu acredito que o desafio para a arquitetura é ir além da criação de edifícios para entender o contexto maior da cidade. Os arquitetos precisam ver seu papel como “fabricantes de cidades” indo além da infraestrutura. Precisamos de pessoas que tenham uma visão holística da cidade e possam propor novas ideias para o ambiente construído que contribuam para uma visão integrada da cidade.
As arquitetas Martha Thorne, Caroline James, Odile Decq e Fashid Moussavi lideraram o movimento. Foto: Dezeen/Reprodução
As arquitetas Martha Thorne, Caroline James, Odile Decq e Fashid Moussavi lideraram o movimento. Foto: Dezeen/Reprodução
Você também já disse que é imprescindível que cidades tenham prédios e espaços que reflitam a cultura da sua população da melhor forma possível. Mas isso nem sempre acontece. Por que é tão difícil tornar essa ideia real?
Às vezes é difícil para a arquitetura refletir os valores culturais de um local por vários motivos. Primeiro de tudo, é necessário ter uma visão compartilhada para o futuro de uma cidade. Essa visão precisa ser estabelecida pelos líderes da cidade, mas é claro que também precisa de adesão e participação dos cidadãos.
Outra dificuldade que os arquitetos enfrentam é de não ter essa visão mais ampla do que a cidade pode se tornar. Quando se faz um projeto em uma cidade, às vezes com um orçamento limitado ou outras restrições, é difícil ter noção do efeito cascata que essa nova ideia pode ter no futuro. Às vezes, os clientes pedem aos arquitetos que ajudem o cliente a atingir um objetivo limitado, como, por exemplo, apenas obter lucro. É uma questão de educação para ajudar arquitetos e clientes a perceberem plenamente o poder do design.
No Brasil, um dos principais desafios é fazer as cidades habitáveis e responsivas às necessidades de todos. Por que é difícil fazê-las atender à diversidade social, cultural e econômica dos centros urbanos? 
Claramente, os fatores e sistemas em funcionamento em uma cidade nem sempre estão alinhados. É no espaço de objetivos conflitantes ou múltiplos objetivos, falta de consenso sobre prioridades que a dificuldade reside em tornar uma cidade receptiva a todos os residentes. Também temos que lembrar que, mesmo que compartilhemos metas, nem sempre compartilhamos os métodos para alcançá-las. Também seríamos ingênuos se pensássemos que as finanças da cidade seriam suficientes para tornar a cidade receptiva a todos os residentes.
Há alguns dias, o coletivo Part W iniciou um movimento para listar mulheres arquitetas que poderiam ser premiadas pelo Royal Institute of British Architects (RIBA) — em 170 anos, apenas Zaha Hadid foi homenageada com o prêmio. Quanto ao Pritzker, Zaha também foi a única mulher premiada sozinha, e duas outras, Kazuyo Sejima e Carme Pigem, foram recompensadas ao lado de seus colegas de trabalho. Como você vê esses movimentos? O que justifica que o trabalho de mulheres arquitetas seja menos reconhecido que o trabalho dos homens entre os grandes prêmios do setor?
É um fato que as mulheres merecem mais reconhecimento no campo da arquitetura do que já receberam. Os grandes prêmios são apenas um pequeno exemplo do desequilíbrio nessa área. Se olharmos para a diferença de salários, a falta de mulheres em posições de liderança em empresas ou o grande número de mulheres que abandonam a arquitetura para outros campos, devemos admitir que nossa profissão ainda tem um longo caminho a percorrer para apoiar as mulheres.
Existem muitas razões para as desigualdades que vemos na área, e existem muitas desigualdades nas indústrias em torno da arquitetura. Por um lado, acredito que precisamos implementar medidas explícitas para alcançar a paridade. Precisamos contratar ativamente mais mulheres para nossas escolas e empresas. Pessoalmente, eu não participo de simpósios ou painéis de discussão se as mulheres não estiverem suficientemente representadas. Por outro lado, precisamos conscientizar sobre desigualdades mais sutis que existem em nossa profissão. Precisamos quebrar os estereótipos e criar um ambiente de trabalho melhor. No final, o objetivo deve ser o de uma profissão que seja mais aberta, justa, flexível e humana tanto para mulheres como para homens.
Como você vê a arquitetura brasileira? Você admira algum profissional brasileiro?
O Brasil é um país com passado e presente muito fortes em termos arquitetônicos. Dois vencedores do Pritzker são brasileiros [Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha], que para mim são dois exemplos da qualidade e das contribuições da arquitetura contemporânea no país.
Os avanços e possibilidades da tecnologia têm transformado a arquitetura ao longo das últimas décadas. Como você vê a relação entre novas tecnologias e o processo criativo na arquitetura? Essa relação é apenas positiva?
Novas tecnologias sempre foram usadas na arquitetura. Se olharmos para o desenho feito via computador, essa foi uma ferramenta que muitos escritórios usaram como um avanço em relação ao método tradicional. Hoje, só é possível trabalhar a distância com muitas formas de tecnologia envolvidas.
Para o futuro, acredito que a tecnologia mais interessante seja voltada à transformação da indústria da construção. Se formos capazes de ter fábricas móveis ou de calcular mais com mais precisão os materiais necessários em um canteiro de obras, poderemos reduzir o desperdício, usar mais materiais locais e construir edifícios mais rápido e melhores. Acredito que a tecnologia pode nos ajudar a experimentar e a explorar novos caminhos no design e na construção, mas acredito na importância e no poder da imaginação e criatividade humanas, que são elementos essenciais para a arquitetura.
Seu trabalho também está ligado à academia. Quais são os principais desafios do ensino da arquitetura hoje? Como despertar nos jovens o desejo de ter na profissão uma ferramenta para contribuir para a construção de espaços, cidades e um mundo melhor?
Ser reitora da IE School of Architecture & Design é um privilégio. Acredito que os estudantes de arquitetura e design estão interessados nos ambientes internos e naturais e estão buscando sua educação para fazer a diferença no mundo.
Os desafios da educação hoje têm a ver com ajudar os alunos a adquirir conhecimentos relevantes, habilidades e a mentalidade crítica que será necessária para um futuro que está mudando rapidamente. A profissão de arquitetura é surpreendentemente lenta para mudar. No entanto, em instituições educacionais, podemos ser os líderes de um novo tipo de profissão e equipar nossos alunos para muitas funções que serão necessárias nas cidades.

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