UIA2021RIO

Arquitetura

Materiais e mão de obra local são aposta para arquitetura eficaz, inclusiva e sustentável

Sharon Abdalla
20/07/2021 20:47
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Edifício Anadaloy, em Bangladesh | Divulgação/Anna Heringer Architecture

Depois do aço e do concreto, a vez da pedra, da argila e dos materiais naturais. Com boa parte das falas retratando a preocupação com o meio ambiente e com os reflexos da prática e das escolhas arquitetônicas sobre ele, os fazeres tradicionais a partir de materiais locais têm sido evocados por diversos dos palestrantes que integram a programação do palco principal do UIA2021RIO, evento que segue até esta quinta-feira (22) de forma 100% digital.
O africano Diébédo Francis Kéré foi o primeiro a exaltar os potenciais da arquitetura construída com técnicas e materiais locais, no domingo (18), no que foi acompanhado pela alemã Anna Heringer e o indiano Bijoy Jain, que palestraram nesta segunda (19) e terça-feira (20), respectivamente.
Residente na Áustria, a arquiteta alemã multipremiada e com trabalhos expostos no Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma) é reconhecida por projetos construídos em conjunto com as comunidades onde serão inseridos, como forma de promover a justiça social e a harmonia com a natureza.
"Quando pensamos em fontes de energia alternativas, sempre pensamos em solar, eólica, entre outras. Mas, para mim, a energia humana e o artesanato são uma importante fonte de energia, uma fonte de energia crescente, e podemos utilizá-la, porque todo mundo quer ser útil."
Escola foi erguida com terra e bambu como principais matérias-primas.
Escola foi erguida com terra e bambu como principais matérias-primas.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no projeto da METI School. Utilizando terra do local para a fundação e bambu, os trabalhadores e até mesmo as crianças contribuíram para a construção da escola, que tem estrutura firme e resistente às intempéries, incluindo chuvas de monções.
"É um material tão inclusivo. Tivemos crianças, pessoas com deficiências, idosos, homens e mulheres trabalhando conosco. E não dá para fazer isso com todo tipo de material, pois alguns demandam ferramentas, outros são tóxicos. Mas com a lama, é uma sensação maravilhosa pôr as mãos neste material, sobretudo mentalmente, pois reduz muito o nível de estresse", avalia a arquiteta. "E, para mim, a lama é a campeã em se tratando de materiais de construção sustentáveis. É o único que você pode catar do chão, reciclar quantas vezes quiser e, sem qualquer perda de qualidade, retorná-la ao solo de onde veio e plantar um jardim em cima", complementa.
Pessoas da comunidade local participaram da obra de construção da escola.
Pessoas da comunidade local participaram da obra de construção da escola.
O barro também é a principal matéria-prima do projeto assinado pela arquiteta para o edifício Anadaloy, voltado ao atendimento de pessoas portadoras de deficiência em Rudrapur, Bangladesh.
Com um volume que parece dançar sobre o terreno, o prédio é acessível e convidativo à movimentação do corpo e à interação com a estrutura, especialmente no que se refere aos "esconderijos" projetados para as crianças que frequentam o local. Além de todas as qualidades técnicas e de conforto, o prédio ainda apresenta uma estética inusitada, na qual a coloração decorrente da secagem das paredes faz delas únicas.
Formas do edifício são um estímulo ao desenvolvimento psicomotor das crianças atendidas pelo centro.
Formas do edifício são um estímulo ao desenvolvimento psicomotor das crianças atendidas pelo centro.
"Não acredito em uma única estratégia que possa ser aplicada somente a 1/3 da população mundial porque não podem pagar pela tecnologia necessária. Eu acredito que somos um só planeta só, uma humanidade, e só porque talvez, como alemã, eu possa pagar, isso não me dá o direito de consumir mais recursos do que em Bangladesh, por exemplo. Então, ao tomar uma decisão de design, a multiplico na minha cabeça pela população mundial. Pode ser uma decisão pequena. [Mas] o mundo não vai mudar com uma grande decisão, ele vai mudar com muitas decisões pequenas que tomamos, que dão poder a nós para termos um impacto", finaliza.

Mais do que o que é sustentável, o que é local

O arquiteto Bijoy Jain, diretor do Studio Mumbai, sediado na Índia, premiado com a Medalha Alvar Aalto 2020 e com uma menção especial pela Bienal de Arquitetura de Veneza de 2010, também é adepto do uso dos materiais locais nas construções que levam sua assinatura.
Antes do que uma preocupação ambiental, no entanto, para o profissional a opção por eles tem mais a ver com o aproveitamento dos recursos abundantes e da mão de obra disponível localmente. "Não é uma questão de afinidade. Eu poderia usar outros recursos, como robótica e inteligência artificial. Mas isso é mais contextual aquele local, geografia, àquelas pessoas. Estou interessado na questão da antropologia, como embutir essas outras camadas, outros aspectos que não são necessariamente a natureza de se construir prédios", pondera.
Matéria-prima nobre, mármore foi usado no telhado da construção por ser abundante na localidade.
Matéria-prima nobre, mármore foi usado no telhado da construção por ser abundante na localidade.
Para ilustrar, ele apresenta o projeto de uma casa na qual para a fundação foram utilizadas apenas pedras e argila, sendo ao restante da construção acrescentado os tijolos. Outro exemplo é o do Ganga Maki Textile Studio, em Bhogpur, Índia, uma construção que traz telhado em mármore, material abundante na localidade onde foi erguido, o que faz com que o custo da matéria-prima nobre seja muito baixo no local.
"Há um senso de completo, e não tem nada a ver com sustentabilidade. Tem mais a ver com a natureza em si, em como nós vivemos em um lugar. A comunicação com uma geração que ainda não conhecemos, assim como as gerações que nos antecederam falam conosco hoje. É a ideia de que as coisas podem ser construídas para transferir o espírito, pensamentos", avalia. "A manifestação do projeto é um artefato que vive e respira, que tem algo embutido profundamente em seu DNA", finaliza o arquiteto indiano.

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