Nossa Senhora de La Salette

Arquitetura

Artista constrói mosaico em Santuário com ajuda da comunidade em Manoel Ribas

Flávia Schiochet, especial para HAUS
11/08/2022 16:55
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Paroquianos da Paróquia Diocesana Nossa Senhora de La Salette, em Manoel Ribas | Divulgação

Isoladas, as pedras de um mosaico são apenas peças avulsas. Algumas peculiares em cor, outras em forma; mas a maioria é indistinguível de suas similares. É só ao serem organizadas e posicionadas que elas integram uma forma e ajudam a contar uma história.
Dar contexto a peças soltas para contar histórias é o trabalho da artista Mari Bueno, especializada em artes sacras. Sua mais recente empreitada foi um mosaico de 40 metros de extensão na nova capela do Santuário Nossa Senhora de La Salette, no distrito Barra Santa Salette, no município de Manoel Ribas (PR).
Concluído no último dia de julho, o painel conta a história da aparição de Nossa Senhora de La Salette às crianças pastoras em 1846, nos Alpes Franceses. Uma estátua da Virgem cobrindo o rosto ao chorar foi fixada no centro e ladeada por duas outras representações do momento, feitas em mosaico. Ao todo, o projeto e execução da obra levaram cinco meses; a maior parte, dentro no ateliê da artista, em Sinop, no Mato Grosso.
A artista Mari Bueno em frente ao mosaico finalizado
A artista Mari Bueno em frente ao mosaico finalizado
Mari desenhou em tela os contornos do mosaico e, com o auxílio de oito assistentes, as peças foram coladas. Depois de pronta, a composição foi cortada em pedaços de aproximadamente 50 cm x 50 cm. "Cada peça foi numerada para remontá-lo, como um quebra-cabeça. Transportamos todas embaladas na camionete de um morador de Manoel Ribas, que veio até Sinop para levar tudo para a Barra Santa Salette", relembra Mari. O compromisso dos paroquianos a comoveu. "Tinha momentos durante os dias em que eram mais de 15 voluntários da comunidade que levantavam cedo, tiravam leite, antecipavam as tarefas do dia para poderem ir à capela fazer argamassa", conta.
Quando as peças do quebra-cabeça chegaram de camionete alguns dias depois, Mari reorganizou-as no chão antes de começar a fixá-las na parede. "A montagem foi rápida porque tivemos muitos ajudantes. Terminamos em cinco dias!", surpreendeu-se. "Sempre tinha alguém pronto para fazer o rejunte, aplicar, limpar, tirar o excesso de massa", completa.
O formato da capela faz referência à coroa de Maria, com ângulos e faces de diferentes extensões. Decoram sua fachada 18 rosas em mosaico, equidistantes entre si.
A capela durante a aplicação do mosaico, com as 18 rosas já posicionadas
A capela durante a aplicação do mosaico, com as 18 rosas já posicionadas
O contato de Mari com os paroquianos foi on-line: eles enviaram o projeto da capela e as medidas das paredes para que ela fizesse uma projeção 3D de como ficaria a aplicação do painel, a decoração dos arcos e o espaço litúrgico. Aprovado o projeto, Mari começou o desenho em telas e a seleção do material do mosaico. "Na Itália, usa-se apenas mármore ou granito. Aqui no Brasil a gente faz mosaico contemporâneo, usando vários materiais: mármore, granito, cerâmica e pastilhas de vários tipos, como vidro, argila, esmaltados, naturais. É uma técnica mista", define.

Caminhos e destino

Os quase dois mil quilômetros de estrada entre Manoel Ribas e Sinop nunca separaram Mari de sua origem. Ela nasceu em Marechal Cândido Rondon e mudou-se para Sinop com seus pais quando criança, há 45 anos. Parte de sua família mora em Manoel Ribas e, quando ia ao Paraná visitar a família, Mari passava alguns dias na casa da tia Wanda, em Barra Santa Salette.
Algumas décadas depois, a filha de Wanda, Marli Rocha, tornou-se uma paroquiana ativa. Mesmo depois de deixar o Paraná para morar em São Paulo, Marli organizava festas, arrecadava valores para a manutenção e reforma do Santuário, e foi uma das responsáveis por transformar a estrutura de um antigo seminário na Pousada São José para receber os peregrinos. "Um dia vou trazer minha prima especialista em arte sacra para fazer um mosaico aqui", dizia ela.
O envolvimento da comunidade de Barra Santa Salette comoveu a artista Mari Bueno
O envolvimento da comunidade de Barra Santa Salette comoveu a artista Mari Bueno
Marli faleceu em 2021, antes de a capela ficar pronta, mas suas filhas, a comunidade e o Padre Avelino Oestreich fizeram questão de convidar Mari Bueno para arrematar a obra com sua arte sacra. "A comunidade tem uma gratidão muito bonita lembrando dela. As pessoas vinham me contar do que aprenderam com a Marli. Foram dias de muita alegria e de muito choro", relembra Mari.

Virando artista

Antes de ser artista, Mari Bueno tentou muitas coisas – de concurso público a empreender. "Profissões que tinham tudo para dar certo não decolavam. Deus nos coloca algumas barreiras para que a gente vá para o caminho que Ele deseja", confidencia. Desde criança tendo a pintura e o desenho como hobby, Mari decidiu abrir seu ateliê ainda com os filhos pequenos. Transformou seu lazer em ganha-pão retratando a Amazônia, bioma que começa na região de Sinop. "O contraste de ter saído de um espaço urbano para morar em uma cidade ainda inicial, com estrada de chão, me marcou profundamente", relata.
A primeira fase de seu trabalho retrata a fauna e flora amazônicas e os indígenas da região. Era o ano de 2000 quando ela, ainda no início de carreira, foi convidada para concursos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Recebeu medalha de ouro em um prêmio da Academia Brasileira de Belas Artes e seguiu exclusivamente com a temática amazônica por mais seis anos – recebeu 26 premiações no Brasil, Itália, França, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e Egito. Participou de três exposições no Museu do Louvre, na França, e recebeu menção honrosa por suas obras.
Em 2006, a catedral de Sinop começou a ser construída próxima à casa de Mari. "Eu sempre tive o hábito de ir à igreja, então um dia o Bispo Dom Gentil Delazari e o Padre João Salarini me chamaram para eu pintar um painel de 13 metros por 7,5 metros. Eu nunca tinha feito algo tão grande!", recorda. Mesmo sem experiência em murais, Mari aceitou o desafio. Escolheu representar o Cristo do Bom Pastor na Floresta Amazônica em vez do deserto e levou oito meses para concluir a pintura. "Tinha dias que eu chorava no andaime", conta. Não desistiu: concluído o mural, soube de uma especialização em arte sacra em Florianópolis, e por dois anos foi e voltou da capital catarinense para estudar.
O mais recente trabalho de Mari Bueno foi em Manoel Ribas, no Paraná
O mais recente trabalho de Mari Bueno foi em Manoel Ribas, no Paraná
Assinou ainda uma miríade de espaços litúrgicos e murais em igrejas do Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Bahia e Rondônia. E outra em Sinop: em 2017, a Igreja Santo Antônio, onde ela fez primeira comunhão, crisma, casou-se e batizou seus filhos – passou por uma reforma. Mari projetou e executou todos os painéis da nova construção – quatro deles integraram seu trabalho de conclusão da especialização. Seguiu estudando: foi à Itália para aperfeiçoar a parte técnica e estudar desenho, iconografia bizantina e técnicas de mosaico.
Em 2012, Mari foi a única brasileira a expor no Museu de Chianciano, na Itália, entre 140 artistas de 40 países. No mesmo ano, expôs na Bienal de Londres, onde ganhou menção especial por sua participação, e na Bienal de Chianciano, na Itália. Em 2014, expôs 49 obras sacras no Museu de Arte Sacra e Etnologia no Santuário de Fátima, em Portugal; depois no Museu Tesouro da Misericórdia na cidade de Viseu, no mesmo país, e em 2015, na Basílica de Santo Ambrósio, em Milão. "Eu costumava separar as temáticas amazônica e sacra, mas retratar a natureza também é falar do sagrado", reflete. "Não foi uma decisão minha. Depois do convite para fazer a Catedral de Sinop, 95% do meu trabalho se voltou para a arte sacra", conclui.

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