Arquitetura

Os guardiões da arqueologia paranaense que cuidam de itens com até 10 mil anos

Anderson Gonçalves
20/09/2019 14:10
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Escavações no Belvedere. Foto: Seec/Kraw Penas/Divulgação

Para chegar ao último piso do Palácio São Francisco, imponente casarão próximo ao Largo da Ordem construído em 1929 e que hoje abriga o Museu Paranaense, é preciso subir dois lances de escada. O último estreito e de degraus altos, como era comum nas construções antigas. Para quem não está acostumado a se exercitar, esse curto trajeto pode ser um tanto desgastante. Definitivamente, não é o caso dos pesquisadores do Departamento de Arqueologia do museu, que todos os dias sobem e descem essas escadas com uma tarefa que exige muito mais que preparo físico: administrar um patrimônio que compreende até 10 mil anos de história.
Há 29 anos, quem está à frente dessa missão é Claudia Inês Parellada, que se orgulha de dizer que conhece como poucos a instituição da qual faz parte desde 1984, quando começou a trabalhar como estagiária do Museu Paranaense. Arqueóloga, assumiu em 1990 o posto de pesquisadora responsável pelo departamento que administra um acervo de aproximadamente 400 mil peças. Mais do que isso, o setor tem atuado nesse período nas principais pesquisas relacionadas ao patrimônio arqueológico do Paraná.
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
“O Museu Paranaense foi a primeira instituição no Brasil a ter um departamento de arqueologia”, destaca Claudia, que cita a arqueologia como um sonho de infância. “Eu tinha oito anos quando vi, em um sambaqui em São Francisco do Sul [município litorâneo de Santa Catarina], uma placa falando sobre a profissão de arqueólogo. Aquilo me encantou e eu decidi o que queria ser”, relembra. Por ironia do destino, somente em 1985, quando já cursava Geologia e estagiava no museu, descobriu que o bisavô materno foi arqueólogo e um tio paterno participava de um grupo de arqueologia amadora. “Sem saber, continuei essa tradição.”
Basta atravessar uma porta do departamento e dar alguns passos no terraço do museu para avistar o mais recente projeto em que os pesquisadores estão trabalhando. Em frente ao local está o Belvedere, prédio histórico que está sendo reformado pela prefeitura de Curitiba após ser atingido por um incêndio no fim de 2017. Como era sabido que foram realizados sepultamentos, especialmente de jovens e crianças na região entre os séculos 18 e 19, foi solicitada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional (Iphan) autorização para escavar o terreno em busca de sítios arqueológicos.
Escavações no Belvedere. Foto: Seec/Kraw Penas/Divulgação
Escavações no Belvedere. Foto: Seec/Kraw Penas/Divulgação
“Quando o museu se mudou para cá [em 2002] eu já sabia que a região tinha um grande potencial arqueológico”, relata Claudia, baseada principalmente no fato de a praça onde está o Belvedere contar com vestígios da Capela de São Francisco de Paula, construída entre 1799 e 1809. Como ainda não havia cemitério municipal em Curitiba à época, era comum que os mortos fossem enterrados em capelas ou próximo delas. “Assim que a prefeitura nos consultou, dizendo que a empresa responsável pela obra pretendia fazer perfurações no local, eu alertei para o risco de danificar o patrimônio que possivelmente haveria ali.”
Não deu outra. Com o aval para promover as escavações, logo no início dos trabalhos, em agosto, foram encontrados fragmentos de ossos, cerâmicas e até uma ossada completa. De acordo com os pesquisadores, os ossos eram de um homem e datam de aproximadamente 200 anos atrás. Com o auxílio de mais pesquisadores, cedidos pela prefeitura de Curitiba, será dada continuidade às escavações, que deverão se restringir às áreas onde haverá intervenções relacionadas à obra.
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos

Referência na área

Pode-se dizer que a arqueologia está no DNA do Museu Paranaense, inaugurado em 1876 com um acervo que já incluía itens como artefatos indígenas, ossos humanos e objetos de cerâmica. Claudia conta que a maior parte desse material era doado por pessoas que encontravam esses artefatos em áreas de plantação, abertura de ruas e construção de imóveis. “Esses materiais eram apresentados em grandes exposições internacionais, como mostra da nossa diversidade”, explica.
Foi a partir da década de 1950 que o museu intensificou o trabalho de pesquisa, em parceria com a Universidade do Paraná (atual UFPR), tornando-se referência na área da arqueologia. “Pesquisadores vinham do exterior para fazer treinamento aqui porque havia estrutura e espaço para análises. O Paraná se projetou nacionalmente e se tornou o primeiro polo formador de arqueólogos no Brasil”, destaca Claudia.
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Desde então, importantes pesquisas e descobertas foram conduzidas pelo departamento de Arqueologia, sempre em parceria com outras instituições. Entre elas, o estudo do sítio com maior número de pinturas rupestres no estado, no município de Ventania; a pesquisa no sítio São José, no vale do Ivaí, caracterizado como uma missão jesuítica do início do século 17; e, mais recentemente, a recriação em 3D do rosto de Gufan, paranaense que 2 mil anos cuja ossada foi encontrada em 1954 em Prudentópolis.
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos

Passado e futuro

Atualmente, o departamento de Arqueologia do Museu Paranaense conta com 3.750 coleções, compreendendo um acervo de aproximadamente 400 mil peças, mais da metade (211 mil) materiais líticos – rochas e minerais usados pelos antepassados com diversas finalidades, como instrumentos de caça e símbolos religiosos. O restante é de cerâmicas, ossos humanos, ossos e dentes de animais, amostras sedimentológicas, metais e fósseis. Parte desses artefatos estão em exposição para o público em um setor do museu.
Claudia ressalta que o local é uma das poucas instituições públicas no Paraná que conta com laboratórios de arqueologia e reservas técnicas climatizadas, além de profissionais com doutorado na área. Além dela, trabalham no departamento outros três pesquisadores colaboradores e dois estagiários. “O departamento nunca parou de fazer pesquisas, mas isso só é possível graças às parcerias que temos com várias instituições. Não se faz pesquisa sozinho, é necessário ter uma rede de pesquisadores para termos cada vez mais informação de qualidade.”
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, responsável pelas pesquisas arqueológicas no estado e por um acervo de milhares de peças, como cerâmicas e ossos humanos
Mas, assim como a disposição necessária para subir e descer as escadas, é preciso também esforço e dedicação para dar sequência ao trabalho iniciado mais de um século atrás. Custos altos, tarefas minuciosas que requerem tempo e paciência, e a resistência de alguns setores à preservação são alguns dos obstáculos enfrentados permanentemente. Mas nada que desanime Claudia e seus colaboradores. “Eu vejo meu trabalho como a continuidade de tudo que vem sendo feito durante todos esses anos de história. A gente precisa conhecer o passado para poder planejar melhor o futuro, não repetir os erros que foram cometidos anteriormente.”

O acervo arqueológico do Museu Paranaense

211 mil líticos, inclusive gravuras e monólitos
99,8 mil peças de cerâmica, inclusive louça branca
53,6 mil ossos humanos arqueológicos e comparativos
30,8 mil ossos, dentes e conchas de animais arqueológicos e comparativos
3 mil amostras sedimentológicas, geológicas e datação
950 fósseis, inclusive macrofósseis botânicos, moldes em silicone e de gesso de hominídeos
850 metais

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