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Palácio Capanema é “joia da coroa” e possível “abacaxi”para ente privado, aponta estudioso do modernismo

Luan Galani e Sharon Abdalla
18/08/2021 21:55
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Terraços-jardins e praça pública mesclam espaços público e privado no edifício. | Divulgação/Iphan

Uma discussão acalorada entre amantes, estudiosos e defensores da arquitetura e da cultura nacionais tem ganhado espaço na mídia e nas redes sociais nos últimos dias. E não era para menos. Quando o jornal “Valor Econômico” antecipou, na última sexta-feira (13), a inclusão do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, entre as centenas de imóveis que integram um pacote de bens que o governo federal planeja apresentar a investidores até o fim deste mês, as reações foram imediatas e vem ganhando coro desde então.
Primeiro, porque trata-se de um prédios mais importantes - mesmo que às vezes ofuscado por outros, como o conjunto de Brasília, por exemplo - da história arquitetônica brasileira. “Ele foi o primeiro exemplo de edifício em altura em estilo moderno construído no mundo por meio de uma parceria entre Le Corbusier e jovens arquitetos cariocas [à época], como Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Antes dele, [a arquitetura] moderna só era exercida em casas, em geral de pessoas ricas, ou em conjuntos populares e industriais. Esse prédio demonstrou que o estilo moderno era exequível no mundo inteiro, e não só na Europa temperada”, lembra o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, professor da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), especialista em modernismo e autor de dois livros sobre o tema, sendo o mais recente deles “Dezoito graus: A biografia do palácio Capanema”. Tal fato, inclusive, fez com que o prédio fosse eleito como o edifício mais avançado do mundo em construção, no início da década de 1940, pelo Museu de Arte Moderna de Nova York.
Projeto do edifício conta com nomes como Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Le Corbusier, entre outros estelares.
Projeto do edifício conta com nomes como Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Le Corbusier, entre outros estelares.
Se isso por si só não fosse motivo suficiente, a ele somam-se outros. Como já citado, três dos gigantes da arquitetura moderna têm seus nomes atrelados à construção do edifício: Niemeyer, Lucio Costa e Le Corbusier (que atuou como consultor da obra). Mas não só. A eles juntaram-se Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernany de Vasconcelos e Jorge Machado Moreira no projeto arquitetônico, que tem paisagismo assinado por ninguém menos que Roberto Burle Marx.
E a lista não para por aí. Os azulejos que revestem muitas das paredes do prédio contam com obras de Cândido Portinari, que também assina afrescos, telas e painéis no prédio, no que é avaliado como um de seus principais acervos. A eles unem-se pinturas e esculturas de Bruno Giorgi, Adriana Janacópulus, Celso Antônio e Jacques Lipchitz, que também compõem a edificação. É um conjunto ímpar pois, pode-se dizer com quase absoluta certeza ser muito difícil encontrar exemplar aqui ou no exterior que reúna tamanha constelação em seu projeto. “É uma joia da coroa”, define Cavalcanti.
Azulejos, afrescos e telas de Cândido Portinari também estão presentes no prédio.
Azulejos, afrescos e telas de Cândido Portinari também estão presentes no prédio.
E se todo esse pacote cultural ainda não sustenta a defesa da permanência do Palácio Capanema como propriedade da União, o arquiteto e antropólogo destaca mais um ponto: o valor previsto como proposta inicial para a aquisição do bem, que estaria avaliada em cerca de R$ 30 milhões.
“Ele está sendo oferecido a preço vil. O preço de um apartamento à beira-mar no Rio, e nem o de um apartamento muito especial, mas o de um apartamento bom, mas nada nabadesco. Para se ter ideia, gastou-se cerca de R$ 120 milhões em obras [de restauro e revitalização]”, cita Cavalcanti ao lembrar a série de obras de restauro e reparação realizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao longo de cerca de dez anos no prédio. Isso porque, toda a riqueza arquitetônica e cultural do Capanema fizeram com que o edifício entrasse na lista de patrimônios tombados pelo órgão federal em 1948, poucos anos após sua conclusão, datada de 1945.
A Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados já se manifestou explicando que nem sempre a avaliação corresponde ao valor real de mercado do imóvel, e que a precificação caberá aos interessados pela compra. Em havendo interesse e a concordância do governo federal para a venda, este então abrirá um edital de oferta do imóvel, para que outros interessados também possam concorrer à aquisição do bem.
“É um prédio que é tombado pelo patrimônio, que não pode ser mexido. Para uma empresa ele se transformaria em um abacaxi, uma vez que uma empresa quer alcançar os maiores lucros possíveis e poder ter gerência sobre o seu espaço. Submeter uma empresa às normas [deste edifício], que é quase uma catedral do modernismo, seria ruim para a empresa e para o palácio”, avalia o arquiteto.
Terraços-jardins e praça pública mesclam espaços público e privado no edifício.
Terraços-jardins e praça pública mesclam espaços público e privado no edifício.

Propostas 

Procurado pelo reportagem, o Ministério da Economia limitou-se a dizer que “atualmente não há nenhum edital aberto pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) para alienação de edifício tombado”. Acrescentou ainda que, “desde junho de 2020, a partir da publicação da Lei nº 14.011/2020, todos os imóveis públicos federais podem receber uma Proposta de Aquisição de Imóveis (PAI) por qualquer cidadão interessado na compra”. Neste caso, “à União compete, uma vez recebida a PAI, avaliar se há ou não interesse na venda”, explica em nota o Ministério. ”Em caso positivo, também cabe ao governo impor obrigações aos compradores, principalmente, no caso de imóveis tombados ou com interesse histórico e cultural para a preservação do patrimônio do país”, conclui a nota.
Terraço-jardim do Palácio Capanema.
Terraço-jardim do Palácio Capanema.
A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e o governo do Rio de Janeiro, inclusive, manifestaram nesta quarta-feira (18) a possibilidade de compra do Palácio Capanema. Segundo levantado pelo portal “G1 Rio de Janeiro”, parte da verba para a aquisição viria da própria Alerj, com base em recursos a que tem direito anualmente, mas dos quais a assembleia abriria mão.
Questionados sobre o caso, o Iphan e o governo do Rio de Janeiro não responderam aos pedidos de entrevista até a finalização desta matéria.
Paisagismo do edifício é assinado por Roberto Burle Marx.
Paisagismo do edifício é assinado por Roberto Burle Marx.

O palácio 

O Palácio Gustavo Capanema foi projetado originalmente para sediar o antigo Ministério de Educação e Saúde do governo de Getúlio Vargas. Sua construção aconteceu de 1937 a 1943, sob direção do engenheiro civil Emílio Baungart, que utilizou como material de revestimento das empenas o gnaisse (uma rocha sedimentar bastante parecida com o granito e chamada de pedra de galho).
O edifício se tornou um ícone do modernismo brasileiro e tombado em 1948 pelo Iphan porque foi o primeiro prédio brasileiro que reuniu as principais características da arquitetura moderna, com o uso de pilotis (colunas arredondadas), planta livre, terraço-jardim, fachada livre, janelas em fita e azulejos. Elementos que resultaram do feliz encontro de nomes gigantes da arquitetura e das artes brasileiras, como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Ernany de Vasconcelos, Burle Marx, Cândido Portinari, Adriana Janacópulus, entre tantos outros, com a consultoria de ninguém menos que o franco-suíço Le Corbusier, em 1937.
O nome com que foi batizado o edifício faz referência ao então ministro da educação de Vargas, Gustavo Capanema. O prédio tem 16 pavimentos e uma área de mais de 27 mil m², com diversas obras de arte, entre painéis de azulejos, quadros e murais de Portinari, e esculturas de Bruno Giorgio, Vera Janacópulus e Celso Antônio.

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