Arquitetura
Quarentão, prédio no Bigorrilho tem apartamentos de 1 andar e meio e lavanderia na área íntima
Foto: Rafael Schmidt/Divulgação | Rafael Schimidt
Apesar da aparência discreta, o Edifício José Júlio Biscaia – ou Condomínio Domaine du Soleil, como é mais conhecido – acaba chamando a atenção de quem sobe a rua Capitão Souza Franco, no Bigorrilho. Localizado já no trecho mais elevado da via, logo após a praça Alfredo Andersen e de frente para uma das alas do Hospital Evangélico Mackenzie, o prédio é o primeiro entre os mais altos daquela quadra e conta com uma escada de emergência externa – item pouco comum entre os edifícios curitibanos.
O que não é possível perceber da rua é a característica considerada o diferencial do prédio: as plantas duplex com um andar e meio, sendo um andar inteiro dedicado à área íntima e o meio andar, à área social. “Em um andar, há o hall de entrada e as áreas sociais de dois apartamentos. Daí um apartamento sobe e o outro desce, ou seja, às vezes os quartos estão para cima, às vezes estão para baixo”, explica o arquiteto e antigo morador do edifício Marcos Bertoldi.
A ideia é atribuída ao responsável pelo projeto, o engenheiro e arquiteto Elgson Ribeiro Gomes. Quando foi contratado pela HD Construtora de Obras Ltda. para fazê-lo, Gomes já tinha uma sólida carreira em Curitiba, tendo projetado edifícios como o Souza Naves (Ipase) e o Itália (que fica na Av. Fernando Moreira com a R. Visconde de Nácar. “O ano era 1973. Eu era um estagiário no escritório do professor Elgson, quando ele chegou com a ideia de fazer esse prédio duplex, no qual se intercalavam as áreas sociais e íntimas”, conta o arquiteto Sérgio Parada, que assinou projetos de diversos aeroportos do país e mora em Brasília desde o fim da década de 1970.
Para ele, a inspiração vinha do arquiteto modernista Le Corbusier, responsável pela Unidade de Habitação de Marselha, o primeiro projeto de destaque internacional envolvendo apartamentos duplex como solução para suprir demanda habitacional em grandes cidades. Gomes passou a ser considerado um herdeiro – indireto – de Le Corbusier depois de trabalhar durante alguns anos com um de seus principais discípulos, o arquiteto alemão Adolf Heep.
Por dentro e por fora
Com um pavimento e meio e um projeto que considerava o coeficiente máximo de aproveitamento do terreno, os apartamentos do Ed. José Biscaia ficaram espaçosos: 250 m² cada um – exceto a cobertura, que conta com dois pavimentos inteiros.
O tamanho e a proposta refletiam, de acordo com o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo e filho de Elgson, Péricles Varella Gomes, os novos anseios do mercado imobiliário curitibano. “A década de 1970 é o milagre econômico, né? O mercado estava se expandindo, começando a ir para os bairros”, avalia.
Cada apartamento conta com quatro quartos, mas, seguindo o que era comum na época, apenas um deles é suíte. Outro aspecto da planta é que a área de serviço fica no andar da área íntima – e não associada ou próxima a cozinha, como vemos hoje.
O exterior do prédio segue algumas das características conhecidas do trabalho de Gomes, como as linhas retas, as floreiras e as sacadas, embora a maioria delas tenha sido fechada pelos moradores. Contudo, conforme Parada, o Biscaia representou um momento de renovação do arquiteto, o que acarretou em traços levemente diferentes daqueles associados a ele.
“Não usamos o cobogó, que, na época, ele usava muito, nem as pastilhas para revestir a fachada”, diz. Assim, a fachada foi revestida em fulget – similar à granilha –, o qual está sendo substituído por grafiato.
Biscaia X Domaine
O edifício foi construído em um terreno que pertencia à Marise Athayde Cordeiro e ao ex-marido dela. Eles pretendiam construir uma casa no local, parte de uma antiga chácara de imigrantes, como muitas áreas do Bigorrilho, quando decidiram fazer uma permuta com a construtora.
Apesar da demora para a construção ficar pronta – foram seis anos, conforme Marise, tudo deu tão certo que ela mora no local desde que ele foi entregue, no fim de 1979.
Em homenagem à família dos proprietários do terreno, a construtora decidiu nomear o edifício José Júlio Biscaia, ex-sogro de Marise. “Depois, acharam que o nome não era tão comercial, então propuseram esse em francês e ficou”, conta. Porém, os dois nomes são usados.
*Especial para a Gazeta do Povo.