Vandalismo

Arquitetura

Prédios depredados em Brasília integram patrimônio mundial; prejuízo é incalculável

Sharon Abdalla e Cristina Seciuk
09/01/2023 17:13
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Estragos no Palácio do Planalto depois que manifestantes tomaram a Praça dos Três Poderes e invadiram os prédios do governo, em Brasília. | EFE/André Coelho

O Brasil assistiu neste domingo (8) a eventos graves com a invasão da Praça dos Três Poderes por militantes contrários ao atual governo Lula (PT), empossado no último dia 1° de janeiro. Além do ataque à democracia, pelo não aceite do resultado das últimas eleições por parte dos invasores, viu-se a depredação de prédios públicos que, mais do que bens de todos os brasileiros, estão listados entre as mais representativas obras da arquitetura nacional e mundial. Isso sem mencionar as peças de mobiliário e obras de artes plásticas, também danificadas e de igual importância para a história e a cultura nacionais.
Como é sabido, o conjunto urbano de Brasília, inaugurado em 1960, é um dos cartões-postais brasileiros para o mundo pelo seu Plano Piloto e a monumentalidade de seus edifícios, assinados por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Tanto que, em 14 de março de 1990, ele foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a nível federal.
Não bastasse, três anos antes, em 1987, a capital federal já havia sido o primeiro conjunto urbano do século 20 a ser reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Mundial. Entre as características que renderam tais títulos à capital federal estão suas escalas monumental, residencial, bucólica e gregária, além de sua arquitetura inovadora, como pontua o Iphan.
Marcadamente moderna, onde se destaca o uso do concreto armado, dos grandes vãos e aberturas e das curvas inconfundíveis de Oscar Niemeyer, ela está presente em todas construções do chamado Eixo Monumental, especialmente na Praça dos Três Poderes, alvo dos vândalos neste domingo, e na Esplanada dos Ministérios.

Repúdio

Desde o início das invasões, diversas entidades manifestaram-se publicamente contra os atos de vandalismo e ataques ao estado democrático. Não foi diferente entre as que representam o setor arquitetônico nacional.
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) publicou em seu perfil em uma rede social nota na qual classificou os atos como "terroristas" e disse ser "inaceitável que as autoridades responsáveis pela manutenção da ordem não atuem firmemente contra os atos de desrespeito ao resultado legítimo das eleições, a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Tribunal Superior Federal". Acrescentou, ainda, que "os edifícios que abrigam os três poderes da república são símbolos da democracia brasileira, que assistiu no dia primeiro sua celebração máxima, na posse do presidente Lula".
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) também repudiou "os ataques contra a democracia e contra o Patrimônio Cultural da Humanidade". Apontou, também, que "os atos de depredação" dos edifícios são "atentados graves contra as eleições democráticas, contra a segurança da população e também contra os acervos históricos do primeiro conjunto urbano do século 20 reconhecido como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas".
Estragos no Palácio do Planalto depois que manifestantes tomaram a Praça dos Três Poderes e invadiram os prédios do governo, em Brasília. Crédito: Ricardo Stuckert
Estragos no Palácio do Planalto depois que manifestantes tomaram a Praça dos Três Poderes e invadiram os prédios do governo, em Brasília. Crédito: Ricardo Stuckert
Já a Federação Nacional dos Arquitetos (FNA) foi mais enfática e classificou o ataque como "fascista". Lembrou que, "mais do que um ato contra o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), prédios públicos que são símbolo da nação e têm valor histórico e arquitetônico inestimável, a depredação é uma ofensiva contra a República". Para a entidade, o "episódio, sem precedentes na história recente do Brasil, escancara a vertente fascista que liderou o país nos últimos quatro anos e segue assombrando-o em um movimento financiado por lideranças que usaram – e querem seguir usando – o poder para interesses de grupos específicos".
À reportagem de HAUS, em nota, o Iphan lamentou profundamente os atos ocorridos neste domingo (8), nas sedes dos Poderes e em seu entorno, em Brasília, e os danos causados ao Patrimônio Cultural Brasileiro.

Perdas

O instituto acrescentou que técnicos já estiveram no local desde a noite de domingo, mas registrou que "o trabalho de levantamento e identificação de danos ao Patrimônio Cultural aguarda a efetiva liberação dos espaços por parte dos órgãos responsáveis pela perícia".
O Iphan acrescentou, ainda, que na tarde desta segunda-feira (9), técnicos do instituto irão se reunir com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, para "discutir medidas de restabelecimento de todos os prédios e definir as ações de conservação e restauração dos bens protegidos" pelo órgão.
Em nota, o governo federal reforçou que ainda não é possível ter um levantamento completo de todas as pinturas, esculturas e peças de mobiliário destruídas, mas já divulgou uma lista preliminar que aponta os estragos em algumas das peças icônicas do acervo. São elas:
  • Obra "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo, 1995 — a pintura, que reproduz a bandeira nacional hasteada em frente ao palácio e serviu de cenário para pronunciamentos dos presidentes da República, foi encontrada boiando sobre a água que inundou todo o andar, após vândalos abrirem os hidrantes ali instalados;
  • Galeria dos ex-presidentes — totalmente destruída, com todas as fotografias retiradas da parede, jogadas ao chão e quebradas;
  • Obra "As mulatas", de Di Cavalcanti — a principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto foi encontrada com sete rasgos, de diferentes tamanho. A obra é uma das mais importantes da produção de Di Cavalcanti. Seu valor está estimado em R$ 8 milhões, mas peças desta magnitude costumam alcançar valores até 5 vezes maior em leilões;
Obra "Mulatas" de Emiliano Di Cavalcanti vista através do detalhe da cadeira "Marquesa" projetada por Oscar Niemeyer, no Palácio do Planalto. Crédito: Rogério Melo/Presidência da República.
Obra "Mulatas" de Emiliano Di Cavalcanti vista através do detalhe da cadeira "Marquesa" projetada por Oscar Niemeyer, no Palácio do Planalto. Crédito: Rogério Melo/Presidência da República.
  • Obra "O Flautista", de Bruno Giorgi — a escultura em bronze foi encontrada completamente destruída, com pedaços espalhados pelo salão. Está avaliado em R$ 250 mil;
  • Escultura de parede em madeira de Frans Krajcberg — quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira, que foram quebrados e jogados longe. A peça está estimada em R$ 300 mil;
  • Mesa de trabalho de Juscelino Kubitscheck — exposta no salão, a mesa foi usada como barricada pelos terroristas. Avaliação do estado geral ainda será feita;
  • Mesa-vitrine de Sérgio Rodrigues (um dos principais nomes do design brasileiro) — o móvel abriga as informações do presidente em exercício. Teve o vidro quebrado;
  • Relógio de Balthazar Martinot — o relógio de pêndulo do Século 17 foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI. Martinot era o relojoeiro de Luís XIV. Existem apenas dois relógios deste autor. O outro está exposto no Palácio de Versailles, mas possui a metade do tamanho da peça que foi completamente destruída pelos invasores do Planalto. O valor desta peça é considerado fora de padrão.
"O valor do que foi destruído é incalculável por conta da história que ele representa. O conjunto do acervo é a representação de todos os presidentes que representaram o povo brasileiro durante este longo período que começa com JK [Juscelino Kubitscheck]. É este o seu valor histórico", aponta Rogério Carvalho, diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais. "Do ponto de vista artístico, o Planalto certamente reúne um dos mais importantes acervos do país, especialmente do Modernismo Brasileiro", acrescenta.

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