Do it yourself

Arquitetura

Projetos sociais se beneficiam do “faça você mesmo” na construção

Fábio Galão, especial para HAUS
11/03/2020 12:14
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Foto: Divulgação

Com acesso à internet e dedicando um tempo a assistir e compreender os tutoriais, é possível fazer (quase) qualquer coisa quando o assunto é reforma. O conceito DIY (do it yourself, em inglês, faça você mesmo) não é novidade para quem gosta de colocar a mão na massa para transformar espaços em casa.
O nicho, amplamente contemplado por programas na TV paga, tem
suas próprias celebridades no mundo digital, como a americana Ana White, que
disponibiliza gratuitamente seus projetos para móveis e outras estruturas. No
Brasil, uma das referências é a brasileira Paloma Cipriano, que, junto com a
mãe, ampliou a casa da família em Sete Lagoas (MG) e hoje mantém um canal no
YouTube com dicas para DIY de construção que tem 849 mil inscritos.
A novidade, no entanto, é que muitos projetos sociais vêm se
beneficiando do DIY e ajudando a reduzir os custos ou viabilizar obras em residências
de baixa renda. O projeto Arquitetura na Periferia, de Belo Horizonte, é um dos
que adotou a estratégia para transformar espaços e promover o empoderamento da
população feminina de comunidades carentes.
“O projeto surgiu em 2013, numa pesquisa de mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A princípio, o objetivo era que mulheres participassem do planejamento de obras nas suas casas, no qual muitas vezes não atuavam. Depois, surgiu delas o interesse de fazer”, explica a arquiteta Carina Guedes, fundadora e coordenadora do Arquitetura na Periferia.
Em oficinas, mulheres de baixa renda da capital mineira
recebem capacitação para reformar (na maioria dos casos) ou construir as
próprias casas. Para saber quanto gastar, também recebem orientação sobre
finanças. Os recursos vêm de empréstimos, mutirões e doações. Uma moradora
ajuda a outra, em espírito de cooperação. Sessenta mulheres já passaram pelo
processo, que beneficiou ao todo cerca de 400 pessoas. O projeto começa a
chegar a outros estados.
“No nosso caso, (o DIY) surgiu da necessidade da mulher ter
sua autonomia. Quando ela consegue fazer, junta as amigas, tem muito mais
liberdade. Antes, havia muitas situações em que eram enganadas, por não saber
fazer, quanto gastar; agora, essas mulheres têm esse domínio”, ressalta Carina.

Passo a passo

Flávio Bernardo, de 48 anos, transformou o DIY da construção em um projeto dentro da sua carreira de produtor audiovisual. “Sou formado em marketing e produzia filmagens em estúdio em Campinas. O maior sonho do brasileiro é a conquista da casa própria, o que me motivou a criar o projeto Construindo Minha Casa: fazer uma casa para uma família carente, sem saber fazer, e filmar tudo. Uma família de Paulínia (SP) tinha um terreno, mas estava pagando por ele e não tinha dinheiro para construir. Fizemos um curso em Itu e começamos a fazer a obra, sempre com bom senso. Se a pessoa estuda, lê sobre o assunto, vê vídeos no YouTube, consegue fazer”, relata.
Flávio Bernardo coloca a mão na massa para transformar ambientes. Foto: Divulgação
Flávio Bernardo coloca a mão na massa para transformar ambientes. Foto: Divulgação
Para viabilizar a obra, Bernardo buscou patrocínios de
empresas de materiais de construção. A casa em Paulínia, cuja obra demorou um
ano e meio, ficou pronta em 2017. Desde o ano passado, o produtor está fazendo
sua própria casa, em Águas de Santa Bárbara (também no interior paulista).
Bernardo mostra as etapas do processo no seu canal no YouTube, que tem 97 mil
inscritos. Os vídeos da primeira obra também foram exibidos em uma TV local; já
a segunda temporada será veiculada num canal pago.
A meta de Bernardo é terminar a sua casa em um ano e meio. A
primeira parte, uma edícula, ele está fazendo completamente sozinho. Na
segunda, um sobrado, terá ajuda de um pedreiro e um auxiliar. “Muitas pessoas
se interessam por construção. Desde pequeno, sempre que via uma obra, eu ficava
observando. Muita gente quer construir e não tem dinheiro, a mão de obra é cara
no Brasil. Acho que por isso muitos estão fazendo por conta”, aponta o
produtor, que destaca que as obras das duas temporadas têm o mesmo engenheiro
responsável.

Uma mãozinha aos autodidatas

O artesão e ator Poka Marques, 59 anos, antecipou essa
tendência ao construir no início dos anos 2000 em Londrina uma casa de 400
metros quadrados. A maior parte da estrutura é em peroba rosa, de uma tulha de
café de 1934 que estava no distrito de Irerê – os únicos espaços em alvenaria
são os de maior umidade, como os banheiros.
“A gente (família) estava querendo mudar e fazer uma casa alternativa. Quando vi a tulha, comecei a tremer (risos). Fizemos uma casa-conceito, com captação de água da chuva, compostagem, aquecimento solar”, relata Marques.
“Adquiri o
conhecimento ‘fuçando’, conversando com marceneiros, pessoas que já tinham
experiência. É um conhecimento, inclusive, que está se perdendo, porque a
molecada hoje não sabe nem parafusar um armário de MDF”, diz Marques. “Em
Irerê, desmanchamos a tulha com o pessoal local. Um cara da família que era
dona da tulha ajudou a desmontar, e eu inclusive falei para ele: ‘Desmonta com
carinho, porque depois você vai me ajudar a montar a casa’.”
Além de aprender com a ajuda de tutoriais e da consulta a
profissionais, ele contou com a ajuda de conhecidos. Nas obras, que duraram um
ano e meio, quatro pessoas se envolveram. “Eu não tinha dinheiro, e a obra
ficou um quarto do valor que seria necessário se mandasse alguém fazer”, diz o
artesão e ator. “Um amigo, o professor de arquitetura Antonio Carlos Zani, fez
o cálculo da fundação, o escritório dele fez o projeto, tirou dúvidas.”
Marques, que trabalha construindo móveis de madeira, fez
outros projetos na linha DIY de construção depois da casa: a transferência da
casa de madeira do bar Valentino, que foi levada da área central de Londrina
para um terreno perto do aterro do lago Igapó, e todo o mobiliário na reforma
de uma casa projetada pelo renomado arquiteto Vilanova Artigas, na rua Hugo
Cabral (centro), que hoje abriga uma loja de brinquedos educativos.
“Eu noto que hoje tem um segmento da sociedade muito
preocupado com a coisa autossustentável, e a construção faça você mesmo tem
muito a ver com isso”, diz Marques, que morou na casa que construiu até um ano atrás:
após um divórcio, o imóvel foi colocado à venda.
O diretor de fotografia em publicidade e fotógrafo Renato
Ávila, 57 anos, de Curitiba, se orgulha de ser um “faz tudo”. Boa parte da sua
casa, no Lindoia, foi montada por ele. “Coloquei azulejos na parede da cozinha.
O encanamento e a parte elétrica da casa, eu que fiz. O telhado também fui eu
que coloquei”, relata.
Muito desse interesse é herança familiar. “Meu pai foi mestre de obras. Antes de ir para o quartel, eu não conseguia emprego, e muitas vezes o acompanhava (no trabalho). Eu não tenho preguiça de fazer nada”, garante Ávila, que descreve como a curiosidade o ajuda na busca de soluções: “Eu vejo a obra pronta e descubro como fazer. Coloco no papel o que precisa ser feito. Pego material e reciclo. Gosto de transformar as coisas, inventar. Quando tenho dificuldade, pesquiso na internet, mas é difícil”.

Cuidados

Wanderson Leite, fundador da Prospecta Obras, plataforma de
relacionamento do segmento de construção civil, aponta alguns dos motivos para
o fenômeno recente do DIY na construção. “Com a nova era da tecnologia e mais
oportunidades profissionais, muitos jovens que antes talvez se tornariam
serventes de pedreiro acabam indo para outras profissões, de trabalho menos
braçal. A mão de obra para pequenos serviços está escassa. Como são orçamentos
baixos, o pedreiro, que sabe que a mão de obra está valorizada, prefere pegar
grandes serviços, que paguem mais”, explica.
Complementam essa mudança a proliferação de tutoriais na internet e a adaptação de grandes lojas de materiais de construção. “Elas passaram a oferecer espaços, kits e até cursos de bricolagem, e serviços como cortar a madeira no tamanho que o cliente necessita, por exemplo”, diz Leite. “É algo que movimenta o mercado e as pessoas consomem mais.”
Foto: Divulgação
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Leite, entretanto, prega “bom senso” no momento de decidir
que obras fazer por conta e quais com contratação de serviço profissional. “Aí
mora o perigo, eletricidade e outras coisas demandam mais conhecimento técnico.
Pequenas coisas, como montar um móvel menor, tudo bem, mas serviços mais
complexos exigem cuidado e apoio de gente que conheça”, aconselha.
Larissa Furtado Chionpato, engenheira de segurança do
trabalho do grupo paranaense A.Yoshii, destaca que a metragem de uma obra a
partir da qual é obrigatório o acompanhamento de profissional especializado é
determinada pelos conselhos de classe. Mas, em todo caso, o monitoramento por
quem possua conhecimento técnico é recomendado desde obras menores.
“Instalações elétricas inadequadas podem causar acidentes e até mortes. Para quem não é da área, como ficam escondidas, as pessoas não imaginam quão perigoso pode ser”, diz Larissa, que cita a necessidade do mesmo cuidado para a parte hidráulica e demais itens do projeto. “Toda obra tem que ter profissional responsável, com projeto contemplando todos os itens para a segurança da edificação.”

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