Ancestralidade

Arquitetura

Rodas de fogo despertam os sentidos nos corpos contemporâneos

Luciana Gibaile*
27/05/2022 13:45
Thumbnail
O fogo fascina o ser humano desde a pré-história. Indiscutivelmente, trata-se de uma grande e importante descoberta que impulsionou, e impulsiona até hoje, avanços nas diversas ordens da existência.
Mas aqui quero recortar o amplo tema para contornar a dimensão dos sentidos despertados pelo elemento numa roda, nas sensações que ele provoca nas pessoas. E, especialmente, o "porquê" de algumas casas brasileiras disponibilizarem esses espaços propícios para acender as chamas em solo a céu aberto, seja no ponto do mapa que estiverem instaladas.
Muito além do aquecimento do corpo em noites geladas, as rodas de fogo têm um apelo emocional. São encaradas até como um ritual de afloramento. Mesmo na dureza do concreto das cidades modernas, o local é como uma brecha para a conexão com a potência da natureza, extremamente rica em estímulos para todos os sentidos.
É fato que as pessoas estabelecem a relação com o fogo de forma distinta, e isso tem a ver com a linha da história, a carga ancestral que cada um carrega. Pois lá no passado, o fogo protegeu os humanos do ataque de animais selvagens, também foi utilizado como estratégia de caça, na construção de ferramentos e preparação de alimentos.
Há um acervo riquíssimo dentro do corpo de todo indivíduo ativado pelas memórias afetivas, por sentimentos que desabrocham. Seja o medo, a calma, o conforto.  Os sons, o tato, imagens, cores e aromas.
O cérebro humano foi programado para viver na natureza, por isso que os lugares de habitar e também trabalhar precisam ser uma extensão deste (meio) ambiente. A Neuroarquitetura oferece farta literatura sobre o assunto e muitos estudos comprovam que todos os sentidos do corpo humano afetam o seu desenvolvimento e a qualidade de vida. Visão, audição, olfato e o tato.
A forma como enxergamos a Roda de Fogo - também chamada de fogo de chão - preparada em formato redondo, retangular, retilíneo, por exemplo -, pode causar emoções diversas como aconchego, rigidez, perigo, rusticidade, sofisticação. Cor e formato da chama interferem na percepção de algo estimulante ou relaxante. Assim como a combustão, a lenha, gás ou de maneira elétrica influenciam nas lembranças.
Ouvidos atentos ao crepitar da lenha estimulam as ondas cerebrais, respiração e o batimento cardíaco. Tem gente que se transporta para o mato, na época de caça e sobrevivência. Ou mesmo à casa da avó, onde o fogão a lenha exalava os sabores que marcaram tantas vidas.
E falando em sabores, o olfato tem a função de encontrar o alimento. Isso na época em que não existiam IFood, supermercados e restaurantes à disposição. Considerado um dos sentidos mais antigos, o cheiro ativa o hipotálamo que ajuda a controlar inclusive a fome. O hipocampo é o lugar no cérebro onde as memórias são processadas e a amígdala organiza as nossas emoções.
O tato é um sentido de grande conexão e extrapola o espaço físico. Um benefício é explorado na saúde mental. Uma pesquisa de Harry Harlow publicada em 1958 revelou que macacos bebês preferem contato físico que lembre o colo da mãe do que uma superfície fria que contém o leite para sua alimentação. Seguindo esse raciocínio, pacientes internados respondem melhor e mais rápido ao tratamento quando tocados.
Voltando à simbologia da roda de fogo, quando feitos com materiais mais rústicos como o aço corten, tijolo, pedra, é como se a natureza acolhesse o corpo em seu colo numa indescritível sensação de pertencimento. Sem contar a ativação da noção de biofilia. É um retorno à origem, ao lar.
*Luciana Gibaile, designer de interiores e estudiosa de Neuroarquitetura

Enquete

Você sabe quais são as vantagens de contratar um projeto de arquitetura para sua obra de reforma ou construção?

Newsletter

Receba as melhores notícias sobre arquitetura e design também no seu e-mail. Cadastre-se!