Artigo

Arquitetura

Escultura homenageia o legado de Tebas, arquiteto negro escravizado

Francine Moura*
14/12/2020 18:19
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Obra contempla a intelectualidade, o ofício e a sabedoria. | Marcel Farias

Em agosto passado recebi um telefonema de meu amigo, o artista plástico Lumumba. Ele havia recebido um convite para apresentar proposta artística para escultura em homenagem ao Tebas e queria conversar sobre. Engatamos madrugada adentro questionando e, entre questionamentos, debates, devaneios e sinais, o conceito da obra nasceu e tão logo Lumumba produziu o primeiro desenho da escultura.
Logo depois ele me convidou para a coautoria, para que fizéssemos essa parceria de forma oficial. Prontamente montamos a proposta, que foi enviada à Secretaria Municipal de Cultura. Após aprovação, Lumumba começou a esculpir no ateliê e eu assumi a gestão do projeto e da obra, uma vez que a escultura demandou projetos de arquitetura, de estrutura e de fundação e, consequentemente, da obra. O diálogo e as trocas constantes permearam o nosso processo a fim de garantir a melhor intersecção entre arte, estética e técnica.
Francine e Lumumba, autores da escultura de Tebas.
Francine e Lumumba, autores da escultura de Tebas.
Entrei e saí da faculdade de Arquitetura sem nunca, jamais, ter escutado o nome de Tebas. A primeira vez que ouvi falar do negro arquiteto foi em 2018, mas somente agora, nessa imersão, consigo compreender, de fato, a importância deste nome e toda a injustiça em torno do apagamento da produção dele.
Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, nasceu em 1721 e fez a passagem em 1811. Homem negro, foi escravizado. Ele era de Santos, litoral de São Paulo, e veio trazido para a capital do estado que estava crescendo e onde as demandas – especialmente de construções de ordens religiosas – aumentavam.
Sua habilidade era tamanha na arte de talhar pedra, construir torres e ornamentar fachadas. Tinha conhecimento hidráulico e fez o importante Chafariz da Misericórdia, também na cidade de São Paulo.
Participar da elaboração deste monumento, para mim, enquanto mulher negra arquiteta, aumenta a responsabilidade para trilhar o legado de Tebas. Minha admiração por Tebas vai além da técnica. Ele, com sabedoria, negociou a execução da torre da Catedral da Sé, por sua alforria. Isso foi aos 57 anos de idade.
Há alguns poucos anos, o IPHAN iniciou pesquisas sobre o nome do Tebas e conseguiu evidências de suas importantes contribuições para a arquitetura paulistana, especialmente no Centro. Ano passado, o jornalista Abílio Ferreira publicou o livro “Tebas: um negro arquiteto na São Paulo escravocrata”. É importante colocar que Geraldo Filme fez um samba em sua homenagem também.
O local escolhido para a implantação da escultura relaciona-se com dois territórios onde Tebas atuou. A Igreja da Ordem Terceira do Carmo e a Catedral da Sé. A escultura contempla a intelectualidade, o ofício e a sabedoria de Tebas. Ele nos aponta um caminho possível, um afro-futuro. A escultura é um portal de cura, um portal para um novo tempo. Espero que ela abra caminhos para a implantação de tantas outras esculturas que homenageiem personalidades negras e que suas contribuições sejam reconhecidas. Monumentos que contam histórias dos opressores, colonizadores e genocidas já não são mais aceitos. Precisamos, urgentemente, revisar a história oficial.
A escultura é em aço inox e ferro, com base em concreto e mede 3,60 m de altura. Foi entregue à cidade de São Paulo em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A inauguração oficial foi no dia 5 de dezembro.
*Francine Moura é natural de Angra dos Reis (RJ), graduada em Arquitetura e Urbanismo, com 20 anos de carreira.

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